Mesmo em período de entressafra, a valorização do leite ocorreu num momento em que a oferta no primeiro semestre do ano esteve 3,34% superior à do mesmo período do ano passado, de acordo com o índice de captação do Cepea. Portanto, a redução na captação ao longo do semestre teve seu papel, mas não foi o único fator responsável pela elevação dos preços.
Gráfico 1. Comparação entre a redução na captação entre janeiro e junho e o aumento de preços do leite, em porcentagem.
O mercado externo em alta em função da oferta mundial insuficiente para cobrir o crescimento da demanda, foi um fator que ajudou a elevar os preços internos. É importante lembrar que não necessariamente as exportações precisam ser incrementadas para que haja efeito nos preços internos. De fato, mesmo com preços mais altos, as vendas externas até julho foram cerca de 1% inferiores em volume se comparadas a 2006, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Nesse período de alta do leite e elevada procura, o segmento de leite longa vida foi o principal balizador do mercado doméstico, pois abrange cerca de 20% da produção total do Brasil. Este foi o produto que apresentou maior sensibilidade ao comportamento altista que ocorreu no campo, e passou de R$ 1,11/l no atacado paulista em janeiro, segundo dados do Cepea, para valores em torno de R$ 2,00/l em julho, de acordo com agentes do setor.
Porém, do jeito que subiu, o longa vida começa a dar sinais de perda de fôlego. Após sucessivas altas, o mercado de lácteos no atacado e varejo parece começar a desacelerar e entrar numa fase de estabilidade ou queda. O leite longa vida passou de cerca de R$ 2,10/l no mercado atacadista de São Paulo para R$ 1,95/l, segundo agentes de mercado, sendo que algumas marcas já chegaram a ser vendidas a R$ 1,60/l. No varejo, os preços também tiveram redução.
Isso, segundo agentes de mercado, pode ser explicado por alguns fatores. O primeiro deles se deve às férias escolares durante o mês de julho, que contribuiu para uma redução nas vendas. Isso pode ter favorecido um acúmulo dos estoques do varejo, que possibilitou uma diminuição de preços. Com a retenção das compras, o setor varejista comprou menos, ou a preços mais baixos, o que favoreceu um efeito "dominó", estendendo a queda de preços ao atacado.
Outra estratégia do setor varejista, segundo agentes, foi a venda do produto a preços mais baixos na tentativa de pressionar uma redução generalizada de preços. A medida do varejo provavelmente foi tomada em virtude de uma queda no consumo devido ao aumento de preços, que chegou com força ao mercado consumidor nos últimos 30 dias, a ponto de resultar em diversas matérias na mídia.
No Paraná, o Conseleite captou no início do mês um momento de estabilidade ou ligeira queda no mercado atacadista e projetou os preços pagos aos produtores para agosto já carregando esse efeito, de acordo com os cálculos.
Os indicadores da FGV mostram também desacelerações nos aumentos de preços de leite e derivados no atacado uma desaceleração de aumentos de preços no varejo em agosto, indicando um possível fim do comportamento altista dos preços.
No mercado spot (leite comercializado entre as empresas), a tendência é de estabilidade, mas, segundo agentes de mercado, a possibilidade de queda já é cogitada. Em Minas Gerais, o valor negociado ficou em torno de R$ 0,95/l com ICMS. Esse preço chegou a R$ 1,10/l em negociações anteriores e já houve oferta a R$ 0,90/l.
Em São Paulo, o leite spot está sendo negociado a valores em torno de R$ 1,00/l, mas chega a R$ 1,15/l. Fontes ligadas ao setor acreditam que não há mais espaço para alta de preços.
O mercado está bastante especulativo quanto a esse momento por que passa o setor, e agentes da cadeia afirmam que há indústrias que estão comprando menos ou deixando de comprar leite no mercado spot. O mecanismo é conhecido: as grandes compradoras começam a descartar o leite realmente spot, sem grandes consequências no relacionamento de longo prazo. Esse leite precisa encontrar novo destino e começa a movimentação.
Em função da elevação assustadora dos preços ao produtor - em alguns casos, de R$ 0,40/l desde janeiro - a tendência, caso se confirme um período de transição, é de alguma queda de preços. Porém, a expectativa é que os valores não se reduzam significativamente em função da disputa entre as indústrias pelo leite, visto que as indústrias não podem reduzir o volume adquirido.
A produção nacional também vem aumentando em diversas regiões, principalmente em função do maior estímulo com os melhores preços do leite, como é o caso do estado de Minas Gerais. Em outros casos, como no Rio Grande do Sul, o aumento se deu em função da maior quantidade de pastagens de inverno disponível para o gado.
As pesquisas do Cepea mostraram um acréscimo na captação de leite de 10,4% entre maio e junho no Rio Grande do Sul e de 7,3% no Paraná. No primeiro semestre do ano, o volume produzido no estado gaúcho representou um aumento de 12,6% em relação ao mesmo período de 2006.
A expectativa é de aumento da produção de leite, tendo em vista que nos próximos meses normalmente há maior produção de pastagens. Além disso, agentes do setor acreditam que o bom momento para o setor produtivo de leite está impulsionando muitos investimentos, e as empresas do ramo estão vendendo uma grande quantidade de equipamentos para a produção.
Outro indicador de estímulo para a produção é a falta de vacas para venda, o que valorizou o animal. Segundo dados da empresa Embral Leilões Rurais, no primeiro semestre foram vendidos mais animais do que no total de 2006 - 13 mil vacas contra 12,8 mil no ano passado. Além disso, uma vaca valia entre R$ 2,5 mil a R$ 3 mil em janeiro, hoje é comercializada entre R$ 3,5 mil a R$ 4 mil.
Dados do Sindirações (Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal) previram ainda que a quantidade de rações destinada à bovinocultura leiteira aumentará neste ano 3,9% em relação ao ano passado.
Se, por um lado, há uma maior pressão do varejo para negociação do leite UHT (principal item direcionador do mercado neste momento) e uma tendência de aumento da produção leiteira, por outro, há uma saída: as exportações de leite em pó. Os preços externos continuam elevados e o dólar vem se valorizando frente ao real, o que favorece a competitividade do produto brasileiro no mercado externo.
No oeste da Europa e na Oceania, os preços do leite em pó continuam em patamares elevados, apesar de uma leve queda na primeira quinzena deste mês. Os valores do leite em pó integral exportado pelo Brasil ficaram, em média, a US$ 4,10/l em julho, frente aos US$ 1,98/l obtidos no mesmo mês de 2006.
Resta saber se a crise econômica internacional, que já afeta o preços das commodities, atingirá também os lácteos no mercado internacional. Essa é uma variável nova que deve ser acompanhada.
Por enquanto, o mercado externo firme deve favorecer uma sustentação de bons preços de exportação, viabilizando as negociações.
Alguns agentes afirmam que não há capacidade industrial por enquanto para aumentar a produção de leite em pó, além de não haver muitas empresas com condições de exportar.
No mercado internacional, não há sinais de queda de preço significativa, segundo previsões do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). De acordo com o departamento, os fatores que promoveram a rápida escalada nos preços persistem e as ofertas para exportações não devem crescer significativamente na Oceania, União Européia e Estados Unidos.
Em resumo, é possível que tenhamos algum ajuste de preços para os próximos meses, mas nada indica que os patamares anteriores de preços retornarão.
Envie seu comentário sobre o mercado de leite através da seção de cartas do leitor.