Em definição encontrada num dicionário “on-line”, placebo é “a substância ou preparado inativo que administrado ao paciente pode trazer efeitos terapêuticos por fazê-lo acreditar que está sendo tratado”.
Recentemente, o Ministro da Agricultura anunciou a suspensão de concessão de licenças de importação para os lácteos vindos do Uruguai, até que aquele país comprove a origem do leite que vem exportando ao nosso mercado. De fato, como mostra o artigo “Exportações do Uruguai: tem gato nesta tuba?”, publicado no MilkPoint Mercado no dia 02/05/2017 (sim, levantamos esta “lebre” há bastante tempo!), os números de produção, consumo e comércio exterior dos uruguaios indicam que há pontos a esclarecer. Por isso a necessidade das autoridades acompanharem movimentações anormais de mercado, como ocorreu em 2016.
Mas, o objetivo aqui é tratar da medida anunciada pelo ministro no contexto de mercado que vivemos hoje. Anunciada no momento em que foi, a medida parece ser um placebo, destinado somente a aplacar as gritas do setor (notadamente dos produtores de leite, que tem visto seu preço despencar nos últimos meses). Alguns pontos a levantar indicam aspectos importantes de nossa realidade de mercado:
“Podemos estar errando o alvo”
O gráfico 1 mostra a participação do Uruguai e da Argentina no volume total importado de produtos lácteos pelo Brasil desde janeiro de 2016; juntos, os dois países do Mercosul têm representado quase 90% do volume importado de derivados lácteos.
Gráfico 1. Participação do Uruguai e da Argentina no volume de importações brasileiras de lácteos.
Como se observa no gráfico 1, o Uruguai realmente alterou bastante sua participação nos volumes que importamos, passando de 17% em janeiro do ano passado a 62%, 4 meses depois (em maio do mesmo ano). Porém, se o objetivo é tratar a conjuntura de mercado e o problema atual, o foco deveria estar voltado para as exportações argentinas, cuja participação vem crescendo e que representaram, em setembro deste ano, 64% do volume importado (contra “apenas” 19% do Uruguai), um fato interessante, uma vez que a Argentina esbarra em um limite para exportar produtos lácteos no Brasil, ao contrário do Uruguai.
“O problema não são as importações!”
O gráfico 2 apresenta o crescimento (ou queda) mensal na produção brasileira de leite e nas importações e exportações lácteas (todos em milhões de litros de leite equivalente), nos 9 primeiros meses deste ano (as variações da produção de julho a setembro são estimativas do MilkPoint Mercado).
Gráfico 2. Variações mensais de volumes de leite (2017 vs. 2016).
Fonte: elaborado pelo MilkPoint Mercado com base em dados do IBGE, MDIC e MilkPoint Mercado (estimativas para julho a setembro).
Num mercado em que os volumes de venda caem, a produção de leite cresce cerca de 840 milhões de litros (quase +5%) entre janeiro e setembro e as importações decrescem quase 380 milhões (-26%) no mesmo período. Onde estaria então o problema do leite brasileiro?
Para não dizer que o Uruguai não é preocupação, é importante verificar o que está acontecendo naquele país em relação a produção e exportações de leite. A produção uruguaia de leite vem crescendo forte este ano – cerca de 8,3% nos primeiros 9 meses do ano e 10,5% somente no mês de agosto (em relação a agosto de 2016). Ao mesmo tempo, as exportações do país estão caindo – cerca de 23,5% menos volume do que no ano passado. A não ser que o consumo uruguaio esteja crescendo fortemente (o que, dado o já elevado nível de consumo, não deve estar acontecendo), o país deve estar acumulando estoques de lácteos (são cerca de 40 mil toneladas de exportações a menos e o equivalente a 10 mil toneladas de leite em pó de produção adicional de leite).
Mas, voltando às nossas mazelas de mercado, o “pior dos mundos” é que, muito possivelmente, o “placebo” ao qual nos referimos aqui tende a mostrar efeito, dando a (falsa!) impressão de que atacamos o problema correto, o que pode não ser o caso.
Como estamos mostrando semanalmente no MilkPoint Mercado, os preços dos lácteos estão caindo, no varejo e no “atacado” (por exemplo, o leite UHT fechou em setembro com a menor média histórica de preços dos últimos 6 anos no varejo da cidade de São Paulo!), o que deve começar a trazer uma reação de consumo. Por outro lado, a queda (forte!) de preços ao produtor e o aumento dos custos de produção (principalmente nos preços de milho e farelo de soja) devem reduzir o ritmo de crescimento da produção nacional. Os dois efeitos trazem a real solução do problema: um novo equilíbrio de oferta & demanda no mercado.