Os motivos para esse comportamento do mercado foram basicamente a redução do consumo de leite longa vida no em função dos altos preços (houve valorização de 71% no atacado, segundo dados do Cepea) e do aumento da produção em função do maior fornecimento de ração e silagem para o gado em período de preços elevados do leite. Desta forma, as denúncias de fraude de leite em duas cooperativas mineiras não foram, inicialmente, os fatores que causaram a queda de preços nacionais.
Oferta nacional
De acordo com o Cepea, a captação veio aumentando constantemente nos últimos meses, chegando a níveis recordes desde junho de 2004, quando foram iniciadas as pesquisas do centro. Observa-se, pelo Gráfico 1, que os índices de captação obtidos em agosto e setembro ultrapassaram inclusive os índices apurados no período de plena safra do leite, entre novembro e dezembro.
De maio a setembro, período em que os preços pagos pelo leite aos produtores tiveram aumentos mais significativos, a captação aumentou 32%, segundo o Cepea, frente aos 15% registrados em 2006.
Assim, pode-se falar que houve uma antecipação da safra de leite no país, em função do maior estímulo de produção por causa dos altos preços do leite ao produtor, apesar da seca ocorrida no Centro-Oeste e Sudeste.
Gráfico 1. Evolução do Índice de Captação de Leite do Cepea (Base 100 em junho de 2004).
O aumento da produção foi mais visível no Sul do país, em função do período de safra da região. Conforme os dados do Cepea, a captação de leite no Rio Grande do Sul aumentou 10% em setembro em relação ao mês anterior. Em Minas Gerais, apesar da seca prolongada, a produção aumentou 4% entre agosto e setembro.
O "vácuo" de oferta previsto para meados de outubro - em que, com a estiagem no Sudeste e Centro-Oeste, mesmo a chegada das chuvas atrasaria a produção de pasto, que demoraria de 20 a 30 dias para ser formado e, portanto, comprometeria o crescimento da produção, ou até reduziria a mesma - acabou não causando impacto de forma significativa na oferta da região, de acordo com agentes de mercado. A produção chegou a ser reduzida entre o final de outubro e início de novembro, mas acabou se recuperando na maior parte das regiões produtoras.
A tendência, segundo agentes de mercado, é que a produção continue aumentando no país, visto que o período chuvoso já chegou nos principais estados produtores - Minas Gerais e Goiás - o que deve proporcionar uma maior produção de pastagens nas próximas semanas.
No entanto, o ritmo de crescimento da produção ainda dependerá do estímulo dos produtores quanto aos preços obtidos pela matéria-prima e pelos aumentos dos custos de produção, principalmente de grãos utilizados na ração animal. De acordo com o Cepea, a captação no país entre janeiro e setembro aumentou 7,2% em relação aos mesmo período de 2006.
Consumo interno
O consumo interno de lácteos aparentemente vem aumentando nos últimos meses. Isso é observado em função de uma maior captação de leite (aumento de 7,2% de janeiro a setembro em relação ao mesmo período de 2006, segundo o Cepea) e diminuição do volume exportado (25% a menos de janeiro a outubro frente ao mesmo período do ano passado, de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC).
Considerando os dados de captação de leite, com a subtração do equivalente em leite exportado e adicionando o equivalente em leite importado, obtém-se o consumo aparente de lácteos, como pode ser visto na Tabela 1.
Tabela 1. Consumo aparente de lácteos.
Conforme os cálculos, o consumo aparente per capita aumentou, em média, 1,6% em relação ao ano passado. Isso em um ano em que os preços para os lácteos subiram significativamente, indicando que o crescimento econômico e, principalmente, da renda média do trabalhador, teve efeito favorável. De fato, segundo o IBGE, a renda real média em 2006 subiu 7,2% sobre 2005, o segundo ano de aumento consecutivo.
Efeito-fraude
As denúncias de adulteração do leite em duas cooperativas mineiras provocaram um receio do consumidor e, consequentemente, uma redução das vendas de leite longa vida. Nas primeiras semanas, a queda foi de 10%, com elevação do consumo de leite pasteurizado e, provavelmente, leite em pó. O leite longa vida já vinha com estoques elevados e absorvendo a maior parte do excedente de produção. Com a denúncia de fraude, essa situação tende a se intensificar, com aumento dos estoques do produto nas indústrias, podendo pressionar uma redução de preços.
Porém, o fato é que ainda é difícil dimensionar os efeitos da crise de fraude no setor, em termos de preços e vendas. Os estoques de leite UHT e os preços do mesmo deverão ser balizados pela oferta e pelo comportamento do consumo. Há quem acredite que dentro de um curto espaço de tempo - de dois a três meses - o consumo se normalize.
Alguns produtores de grande porte reportam que, em meio à tendência de queda de preços e aumento da produção, estão sendo assediados inclusive com a opção de contratos de maior duração, em função do volume e, principalmente, da qualidade.
Mercados varejista e atacadista
A pressão do varejo para reduzir os preços do leite longa vida em função de um menor consumo (causado pela grande valorização do produto nos primeiros 8 meses do ano) impactou nos outros elos da cadeia. Segundo o Cepea, entre julho - quando ocorreu o pico de R$ 1,90 do litro do longa vida integral no atacado de São Paulo - e setembro houve uma redução de R$ 0,55/l (ou queda de 29%).
Gráfico 2. Evolução dos preços do leite UHT no atacado de São Paulo e dos preços pagos aos produtores, em reais por litro.
O queijo mussarela e o leite em pó integral também seguiram a tendência de redução de preços, após significativo aumento, entre abril e agosto. No entanto, a variação negativa desses produtos ocorreu em menor proporção que o leite longa vida no atacado de São Paulo, como pode ser visto no Gráfico 3.
Gráfico 3. Evolução dos preços de leite em pó integral (400 gramas), queijo mussarela (1 Kg) e leite UHT (1 litro) no atacado de São Paulo.
Com a queda de preços do leite longa vida no varejo e atacado em função do menor consumo (ocasionados pelo aumento de preços), boa parte da matéria-prima que seria destinada a esse mercado acabou sendo utilizada para a fabricação de queijos e leite em pó, o que ajudou a reduzir os preços.
Segundo agentes, no caso do mercado de queijos, a expectativa é de nova redução até dezembro.
Mercado spot
Em Minas Gerais, o leite vendido no mercado spot (comercialização entre as empresas) ficou em cerca de R$ 0,78/l, com ICMS. Em Goiás, o valor passou de R$ 0,76/l (sem ICMS) no mês passado para cerca de R$ 0,72/l (sem ICMS). Segundo agentes do setor, o mercado está lento em função da redução do ritmo de aumento da produção no Sudeste, tendo em vista a seca prolongada - e a expectativa é de nova queda para a segunda quinzena de novembro e dezembro em função do aumento da oferta, sendo que o preço pode ficar, no mínimo, em R$ 0,60/l. Há, no entanto, informações a respeito de leite disponível a valores mais baixos do que isso. Porém, de qualidade duvidosa, não tendo tantos compradores como antes. Um saldo positivo dessa situação toda poderá ser, afinal, a valorização da qualidade.
Preços ao produtor
Em outubro, o recuo médio de preços pagos aos produtores foi de R$ 0,05/l, de acordo com os dados do Cepea. No entanto, assim como os preços aumentaram nos últimos meses em diferentes proporções (dependendo da indústria ou da região produtora), a redução ocorreu de modo similar. Houve recuo de R$ 0,03/l a R$ 0,12/l, por exemplo. Em Minas Gerais, por exemplo, os preços permaneceram elevados, fruto principalmente das empresas exportadoras, como a Itambé, menos afetadas pela conjuntura interna de queda de preços no longa vida. Além disso, em alguns casos, empresas que acabaram comprando um maior volume de leite no mercado spot, que também está com valores mais baixos, não precisaram reduzir muito o preço ao produtor, trabalhando com o conceito de mix de preços. Também, algumas indústrias já haviam diminuído o preço do leite mesmo em setembro, e, portanto, reduziram menos ou mantiveram os preços em outubro.
Segundo agentes do setor, a tendência é de que haja nova redução de preços ao produtor em novembro, porém, sem ainda haver um padrão definido. As empresas que subiram mais o preço ao produtor nos últimos meses devem verificar reduções mais altas. Em consequência do período de safra no Sudeste e Centro-Oeste, espera-se também que os preços de dezembro ainda possam ter leve redução. De qualquer forma, a expectativa é de preços para a safra mais elevados do que no ano passado.
Custos de grãos para ração animal
Os custos da matéria-prima para ração animal continuam relativamente elevados. Segundo dados do Cepea, em outubro, o preço médio da saca de 60 quilos de soja no atacado do Paraná ficou em R$ 39,91, ou seja, 30% a mais que o mesmo mês do ano passado. No começo de novembro, o preço era de R$ 39,96/sc de 60kg.
A saca de 60 quilos de milho chegou em outubro à média de R$ 27,36 no atacado de Campinas (SP), o que representa um aumento de 60% frente a outubro de 2006.
O Gráfico 4 mostra a evolução de um índice que apura a quantidade, em litros de leite, necessária para se adquirir uma saca de 60 quilos de milho ou soja. Nos últimos meses a situação foi desfavorável ao produtor de leite em função do aumento dos preços de grãos. A partir de outubro, o quadro piora porque, aliado a esse fator, está a redução do preço do leite.
Gráfico 4. Evolução do índice de relação de troca - quantos litros de leite são necessários para comprar uma saca de soja ou milho (Base 100 em janeiro de 2006).
Mercado internacional
Os preços de leite em pó no mercado internacional começaram a cair, após consecutivas altas. No entanto, ainda permanecem em patamares elevados, bem acima dos verificados nos últimos anos. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o preço médio do leite em pó integral exportado da Europa, após atingir o pico de US$ 5.600/t, caiu 5% até a última quinzena de outubro.
No mercado doméstico dos principais países produtores e exportadores, o valor do leite também foi reduzido nos últimos meses. Nos Estados Unidos, o leite classe III já caiu quase 6 centavos por litro desde julho, quando atingiu seu valor máximo, de acordo com o USDA.
Na Nova Zelândia, o preço médio do leite já diminuiu 4 centavos por litro desde julho, segundo dados da LTO Nederland. Apenas na Europa o preço do leite continua aumentando, e ficou em US$ 0,5117/kg em setembro.
De certo modo, o mercado brasileiro se desvinculou dos fatores externos nos últimos meses. Isso ocorreu em função de um aumento da oferta interna, estimulada pelos elevados preços do leite, sem que se conseguisse exportar a quantidade necessária para manter a transmissão de preços. Com isso, a redução do preço do leite longa vida, que influenciou os preços praticados no mercado doméstico, vem sendo refletida na matéria-prima
As exportações ainda representam pequena parcela do destino da produção de leite e, até outubro deste ano, foram ainda - em volume - cerca de 12% inferiores à do mesmo período do ano passado. No entanto, em outubro houve o maior volume exportado do ano, de 11,7 mil toneladas vendidas a US$ 36 milhões. Esse número representou um aumento de 87,8% em relação à média do volume enviado ao mercado externo entre janeiro e setembro.
Caso para os próximos meses a tendência continue nesta linha, as exportações em equivalente leite podem aumentar de 375 milhões de litros em 2006 para 492 milhões de litros neste ano, cerca de 31%, considerando os produtos do capítulo 04 da Nomenclatura Comum do Mercosul (leite UHT, leite em pó desnatado e integral, creme de leite, leite condensado, iogurte, soro de leite, manteiga e queijos).