Amparado por incertezas climáticas e queda dos preços ao produtor desde maio, o que reduziu os investimentos na produção, o mercado doméstico de lácteos se estabilizou em setembro. No âmbito internacional, o aumento das importações da Rússia (também por razões climáticas) e forte demanda da China, parecem ter firmado o mercado, como se pode observar nos resultados dos últimos leilões da Fonterra e análise do Rabobank.
No Brasil, a estabilidade pode ser traduzida segundo pesquisa realizada no varejo e informações de agentes do mercado consultados pelo MilkPoint. Pode parecer uma análise pontual, contudo, coincidentemente desde maio os preços de leite em pó e leite integral UHT estavam em queda no varejo de Piracicaba/SP. Entretanto, nessa 1ª quinzena de setembro houve reajuste positivo de 4,8% no preço médio do leite em pó e estabilidade (+0,7%) para o UHT, frente à 2ª quinzena de agosto.
Gráfico 1. Preços do leite longa vida, leite em pó e mussarela no varejo de Piracicaba-SP.
Esses dados confirmam as expectativas de agentes do mercado de melhora ou estabilidade nos mercados de leite em pó e longa vida, principalmente após a segunda quinzena de agosto. As vendas no atacado começaram a reagir com negócios entre R$ 1,40 e 1,56/litro para o leite longa vida, em razão, segundos agentes consultados pelo MilkPoint, de que muitas indústrias estão com estoques baixos do produto. O leitor Sávio Santiago, administrador da usina de leite e derivados Leite Resende, em Resende/RJ, também confirma essa reação em carta: "A produção diminuiu por conta da seca prolongada. Já houve uma reação no UHT e agora nos subprodutos. Essa reação permitiu que os preços não caíssem mais. Hoje o preço médio do UHT gira entre R$ 1,50 a 1,60/litro. Apesar das informações darem conta que o estoque de giro permanece em 47 dias, na prática, indústrias da região têm passado até por "apagão" de matéria prima (parando suas fábricas por algumas horas por conta do déficit de captação)".
Em relação ao leite em pó, o cenário não é tão favorável. Os estoques ainda estão altos e a leve melhora nas vendas tem servido para regulá-los. Nesse sentido, os preços no atacado mantiveram-se praticamente estáveis frente a agosto, entre R$ 7,40 e 8,20/kg, mas com perspectivas de recuperação para o restante do mês devido ao estímulo nos preços internacionais. No caso dos queijos, a alta no varejo vem desde maio (Gráfico 1), e também confirma a opinião dos agentes de que o mercado de queijos, entre os três produtos citados, é o que se apresenta melhor e com tendência de preços mais favorável, em razão dos baixos estoques.
Vale ressalvar que no Rio Grande do Sul, devido às importações de países vizinhos e boas condições climáticas em agosto, a oferta de leite foi alta, apresentando-se, o Estado, com um cenário um pouco mais adverso que o acima citado.
Outras duas informações que merecem destaque referem-se ao comportamento do leite spot (entre as indústrias) e a previsão de preços ao produtor. Todos os agentes de mercado consultados pelo MilkPoint apontaram tendência de manutenção do preço pago ao produtor e do preço do leite spot (negociado entre R$ 0,68 e 0,75/litro) para o mês de setembro. Alguns até apontaram um viés de alta para o spot, o que significa que a queda dos preços pagos aos produtores deve chegar ao seu fim, ao menos nos próximos 30-60 dias.
"Será que existe, analisando o mercado atual, espaço para melhora do preço pago ao produtor já em outubro próximo?" A pergunta que fez o leitor Paulo Maurício Furtado de Oliveira Dantas, produtor de leite em Valença/RJ, referente à notícia "Mercado firme reflete nos preços do leilão da Fonterra", é a mesma dúvida de vários de nossos leitores nesse momento do mercado.
Em termos globais, a forte seca em boa parte da Europa e, principalmente, na Rússia, tem determinado melhora dos preços. No caso da Rússia a seca teve efeito não só na produção de grãos, mas também nas pastagens do país. O maior importador de lácteos do mundo teve, portanto, de aumentar suas importações para preencher a lacuna na oferta deixada pela baixa produção doméstica. Tal fator, aliado ao aumento da demanda da China por produtos lácteos, fez com que os preços internacionais sinalizassem melhora, como se pode observar nos dois leilões de setembro da Fonterra - altas de 16,9 e 1,9%.
Gráfico 2. Preço médio por tonelada de leite em pó integral (WMP) e leite em pó desnatado (SMP).
No Brasil, a atuação do La Niña tem atrasado as chuvas na maior parte do país. Entretanto, as condições de seca foram intensificadas por outro fenômeno meteorológico, o El Niño. Segundo Celso Oliveira, da Somar Meteorologia, "o verão de 2010 foi mais seco que o normal porque ficamos sob atuação do El Niño, o que implicou na diminuição da umidade do solo. À medida que caminhamos pelos meses mais secos do ano, a umidade do solo diminui e chega a valores bem mais baixos que o normal".
Segundo ele, a seca nos vários Estados do Sudeste e Centro-Oeste deve perdurar até pelo menos fim de setembro. "Como agora estamos sob influência de uma La Niña, que empurra as frentes frias para alto-mar, o processo de volta de chuvas acontecerá de forma bem mais lenta. Será necessário a floresta amazônica (que é responsável pela emissão de umidade para o continente) voltar a registrar chuvas fortes e generalizadas para aí, sim, esta umidade migrar lentamente pelo país e trazer chuvas. Não dá para contar com as frentes frias acelerando este processo, já que elas não estão avançando pelo continente".
Portanto, respondendo as questões do Paulo e do José Ronaldo Borges, produtor de leite em Cuiabá/MT, de: "qual será a perspectiva de preço ao produtor se a seca prolongar até o final de novembro no Sudeste e Centro-Oeste?", podemos dizer que no pior dos cenários climáticos teríamos alguma possibilidade de reação de preços nos próximos dois meses, lembrando que, a partir de novembro, a oferta do Sudeste e do Centro-Oeste aumenta novamente e o cenário fica mais incerto.
No momento, são dois os fatores que têm refletido na redução da oferta: o clima e a piora na relação de troca. As adversidades climáticas têm prejudicado e devem atrasar a safra no Sudeste e Centro-Oeste. O clima também é responsável pela alta nos preços dos insumos, o que nos remete ao segundo fator. A combinação de preços de dieta mais altos e preço do leite mais baixo resultam numa piora da relação de troca, o produtor deixa de investir em alimentação para seu rebanho, reduzindo a produção.
Outro fator que possivelmente ocasionou uma redução da oferta de leite no último mês foi a redução dos preços no mercado interno e, em consequência, diminuição da atratividade do produto importado - que nos últimos meses vinham crescendo e gerando preocupação no setor.
Falando sobre balança comercial, as importações recuaram significativamente em agosto, 39,2% em valor e 47,1% em volume, frente ao mês de julho. O leite UHT, principalmente quando proveniente do Uruguai, que teve suas importações observadas com muita atenção, não foi comercializado no mês de agosto. Para o leite em pó, o volume importado foi 47,3% frente a julho, e para o queijo o decréscimo foi de 36,5%.
Gráfico 3. Importações de leite UHT, leite em pó e queijos em 2010.
A estabilidade de preços no mês de setembro, ao que tudo indica, refere-se a um reajuste do equilíbrio entre oferta e demanda, que andava meio desregulado por parte da oferta, com excesso de leite no primeiro semestre do ano. Resta saber se a instabilidade do clima irá se manter para que tenhamos menos "surpresas" nos preços do leite num futuro próximo.