A forte concorrência entre as indústrias processadoras de leite tem elevado os preços. Segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, o valor máximo cotado pelo leite em junho foi de R$ 0,7838/l, na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Alguns agentes do setor acreditam que para o pagamento em julho, os valores ultrapassem os R$ 0,80/l. Há informações de cooperativas no Triângulo Mineiro anunciando que vão pagar, para o leite de junho, entre R$ 0,82 e R$ 0,92/litro. Os valores são tão diferentes das expectativas que um experiente comprador de leite, com 30 anos de mercado, nos confessou que não têm condições de fazer qualquer previsão futura.
Em junho, os preços, em média, ficaram em R$ 0,6244/l, atingindo o mesmo patamar de 2005, e a variação em relação a dezembro de 2006 foi de 24% considerando a inflação. A média de preços obtida no primeiro semestre deste ano foi de R$ 0,5463/l, considerando o IGP-DI. Em 2006, no mesmo período, o preço médio foi de R$ 0,4826/l, mostrando uma recuperação nos valores de 13,2% nesse intervalo.
Gráfico 1. Evolução da média de preços de leite nacionais, deflacionados pelo IGP-DI, em real por litro.
Em dólar, o valor médio pago pelo leite aos produtores em junho ficou em US$ 0,3235/l, e, no mês anterior, em US$ 0,2955/l. Segundo dados da LTO Nederland, em maio, o preço médio na Europa foi de US$ 0,3662/l, nos Estados Unidos foi de US$ 0,4333/l (leite Classe III) e na Nova Zelândia de US$ 0,2445/l.
Gráfico 2. Preços pagos pelo leite aos produtores em dólar por litro no mês de maio de 2007.
O aumento de preços ocorre desde janeiro deste ano, em função da oferta de leite insuficiente para atender a demanda no país. De acordo com o Cepea, a captação de leite do início do ano até maio caiu quase 16%. No entanto, esse recuo, apesar de maior do que nos últimos 2 anos, está dentro do que ocorreu desde 1997 (gráfico 3), segundo dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. De janeiro a maio, entre os anos de 1997 e 2006, a redução média da captação de leite foi de 14,6%. Os preços médios, por sua vez, tiveram um aumento um pouco superior ao dos últimos anos.
Gráfico 3. Redução da captação formal de leite de janeiro a maio, em porcentagem, e aumento dos preços no mesmo período, em termos nominais, em porcentagem.
*2007 - Dado da variação da captação do Cepea - redução de 16% no volume adquirido pelas indústrias de janeiro a maio
Gráfico 4. Captação de leite entre janeiro e maio, em mil litros.
*2007 - Aumento de 3% na captação em relação ao mesmo período de 2006, segundo pesquisa do Cepea
Considerando normal a captação deste período do ano (gráfico 4) e a redução da mesma desde janeiro em virtude da entressafra (gráfico 3), parece claro que a situação atual, de escalada de preços, se dá muito mais em função de um possível aumento de demanda do que por uma grande crise de oferta. Isso não quer dizer que a oferta não esteja ajustada - o que é diferente de dizer que há queda absoluta na produção.
As exportações pouco têm contribuído para o escoamento da produção nacional. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), apenas os preços médios dos láteos exportados aumentaram neste ano. Em volume, no primeiro semestre houve uma queda de cerca de 12% em relação ao mesmo período.
Analisando o consumo aparente desse setor no mercado interno, através da dedução do equivalente em leite das exportações e soma do equivalente em leite das importações à captação formal de leite até maio (considerando o índice de captação do Cepea de aumento de 3% no volume adquirido pelos laticínios nos cinco primeiros meses do ano), obtém-se uma variação pouco significativa em relação à média mensal de 2006 (0,7%), permitindo inferir, por essa análise, que a disponibilidade interna não está tão baixa quanto poderia se supor e que, portanto, o aquecimento da demanda poderia de fato ser a variável mais relevante para explicar o momento atual, além das cotações externas, que puxaram os preços de leite em pó (e da matéria-prima) nesses primeiros meses do ano.
Há indícios da demanda estar aquecida. Segundo reportagem da revista Exame, em função de um aumento da renda e do emprego formal, de janeiro a abril houve um aumento de 16,5% no faturamento deflacionado das vendas de lácteos em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos (Abia).
É importante alertar que para o cálculo da disponibilidade aparente foi utilizado o índice de captação de leite do Cepea, uma vez que a captação oficial do IBGE só está disponível até março. Utilizando-se os dados do IBGE, a disponibilidade interna provavelmente seria menor do que em 2006. Afinal, no primeiro trimestre do ano, a amostragem do Cepea resultou em mais do dobro de aumento quando comparado a pesquisa trimestral do leite do IBGE: 1,7 x 4,7%. E, pelo IBGE, de janeiro a março, 2007 foi perdendo volume em relação a 2006, o que faz supor que em abril, maio e junho a situação de oferta relativa ao ano passado possa ter piorado.
Na tabela 1, foi utilizado o volume equivalente em leite das exportações e importações de lácteos do capítulo 4 da Nomenclatura Comum do Mercosul (leites UHT, leites em pó, cremes de leite, leite evaporado, leite condensado, iogurtes, manteigas, soro de leite e queijos), e o doce de leite.
Tabela 1. Consumo aparente de lácteos no mercado interno.
Segundo agentes do setor, o mercado de leite está como um "leilão". Em função do volume de leite insuficiente para a demanda, as indústrias acabam oferecendo mais pela matéria-prima necessária para sua produção e o produtor vende para "quem der mais".
No mercado spot de Minas Gerais, a média de preço é de R$ 0,90/l, sendo que o valor pode chegar a R$ 1,00/l (com ICMS), segundo agentes de mercado. Vale ressaltar que em janeiro o valor do leite no mercado spot girava em torno de R$ 0,50/l.
Em São Paulo, agentes de mercado afirmam que no mercado spot o valor do leite já ultrapassou R$ 1,00/l, em função da elevada demanda pela matéria-prima.
De acordo com agentes do setor, os estoques das indústrias são baixos e esse cenário pode requerer certo tempo para mudar. Isso porque a resposta da produção frente aos melhores preços obtidos pelo leite ainda não é suficiente para abastecer o mercado. Nesse ponto, alguns analistas se perguntam por que a oferta ainda não subiu como estímulo aos preços elevados. As vendas de ração estão bastante aquecidas, mas a produção é insuficiente.
Três possíveis fatores estão atuando: primeiro, a seca no Sudeste e Centro-Oeste afeta a disponibilidade de forragens, havendo um limite para o máximo de ração a ser fornecida; segundo, fruto dos baixos preços do leite em 2006 e dos altos preços do milho nesse início de ano, muitos produtores não fizeram reserva de volumoso suficiente; terceiro, também em função dos baixos preços, é possível supor que muitas vacas não estão em condição de responder da forma que responderiam em uma situação de manejo e nutrição adequados (sem contar os efeitos de mais longo prazo da utilização de rebanhos de corte em vacas leiteiras).
A alteração desta situação poderá vir, alternativamente, através da redução do consumo, principalmente de leite longa vida, em função do aumento dos preços ao consumidor. Essa é uma questão que o setor está avaliando de perto, uma vez que os preços ao consumidor se elevaram substancialmente nos últimos 2 meses.
De fato, a valorização do leite longa vida tem sido bastante noticiada pela mídia e fica a expectativa sobre como o consumidor vai se comportar frente aos preços mais altos. Enquanto no início do ano o leite UHT estava, em média, a R$ 1,11/l no atacado de São Paulo, segundo dados do Cepea, e em maio passou para R$ 1,63/l. No varejo, os valores já ultrapassam R$ 2,50/l em algumas capitais.
Apesar disso, agentes de mercado acreditam que os preços do leite longa vida ao consumidor ainda podem aumentar até setembro, em função da insuficiente quantidade de leite disponível.
No mercado externo, os preços de exportação no Oeste da Europa e na Oceania continuam em patamares elevados. Segundo dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), no início de julho, o leite em pó desnatado no Oeste da Europa ficou entre US$ 4.900/t e US$ 5.250/t e na Oceania entre US$ 5.000/t e US$ 5.300/t.
No caso da manteiga, no Oeste da Europa, a variação no início de julho frente ao mesmo período do ano anterior foi de 184%, ficando em US$ 5.150/t, em média, na primeira semana deste mês.
Assim, altas de preços têm influenciado uma maior atratividade de exportação do leite em pó. O preço médio obtido pela exportação do leite em pó desnatado brasileiro em junho foi de US$ 3,47/kg. No mesmo período do ano passado, o valor médio era de US$ 2,10/kg.
Próximos meses
Como o período é de entressafra, em função do clima mais seco, e a resposta da produção aos atrativos preços no mercado não é imediata, espera-se que esse aumento ainda demore alguns meses para ocorrer. Isso deve sustentar os preços do leite ao produtor, provavelmente até meados de setembro, quando aumenta o volume de chuvas e, assim, a produção de pastagens. O que fica no ar é que o estímulo que está sendo dado à produção com os preços atualmente praticados é muito significativo e poderá promover um grande aumento na produção a partir de outubro, com efeitos ainda incertos.
Mercado regional
No Sudeste e em Goiás, a oferta permanece em baixa em função do clima mais seco e da falta de produção de pastagens. A tendência é de aumento de preços enquanto a produção não se recuperar (com a chegada da época das águas) e os estoques nas indústrias continuarem em baixa. Isso porque a concorrência entre as indústrias nessas regiões é bastante acentuada, o que estimula, no mínimo, uma estabilidade dos preços.
No Rio Grande do Sul, a seca ainda compromete o desenvolvimento de pastagens em algumas regiões. No entanto, já se observa um crescimento da produção, porém, aquém do esperado para essa época do ano, em função do baixo volume de chuvas.
A tendência no estado é de aumento de produção nos próximos meses em função do desenvolvimento das pastagens de inverno. Entretanto, o acréscimo na oferta regional não deve influenciar de forma significativa o mercado nacional.
No Paraná, a expectativa dos agentes é de aumento de preços em função do atraso de desenvolvimento das pastagens, em função das geadas ocorridas na região, seguidas da falta de chuvas.
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