Apesar de todo o câmbio desfavorável, e a falta de tradição nas exportações, a cadeia agroindustrial do leite deverá computar novo saldo positivo no comércio internacional, mantendo-se como a "caçulinha" dentre as atividades agropecuárias que contribuem para o espetacular superávit do agronegócio brasileiro. O agronegócio é o grande setor da economia que mesmo em crise segue dando resultados e impulsionando o Brasil.
Outubro foi o mês em que o Brasil mais exportou produtos lácteos em sua história, tanto em volume como em faturamento. Em volume, transformando todos os produtos lácteos em equivalente-litros de leite, o Brasil exportou 81,2 milhões de litros no mês. O faturamento atingiu US$15 milhões. Em novembro, no entanto, as exportações caíram pela metade. Em grande parte, a causa foi a greve dos fiscais agropecuários, que atravancou as exportações. Um custo elevado para o Brasil.
No acumulado de 2005, a indústria brasileira já exportou mais de 2,3% da produção brasileira, um faturamento que atingiu a nunca alcançada cifra de US$111,12 milhões, no período de janeiro a novembro.
Em 2004, primeiro ano que as exportações superaram as importações, o superávit foi de US$11,46 milhões. No entanto, até outubro de 2004, a balança comercial de lácteos era desfavorável. O déficit totalizava US$985,3 mil. Comparando o déficit de 2004 com o superávit de 2005, o resultado do período de janeiro a outubro de 2005 é US$1,83 milhão melhor que o do ano anterior.
Não fosse a greve dos fiscais em novembro, e os resultados acumulados de 2005 seriam ainda melhores. A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) ainda trabalha com expectativa de que os resultados de dezembro recuperem as perdas de novembro. Em volume, as exportações de novembro de 2005 foram 48% inferiores às de novembro de 2004.
Com o câmbio baixo e a indústria anunciando que não compensa exportar, parece surpreendente que o Brasil continue batendo recordes e ampliando as vendas no mercado externo. No entanto, analisando de maneira mais detalhada, pode-se dizer que os primeiros passos foram dados e a importância do comércio externo já passa a ser fundamental para a pecuária leiteira. O superávit de 2004 não foi fogo de palha; não tem volta, o Brasil passa a depender do mercado externo para o sucesso do futuro da pecuária leiteira.
O país chegou na auto-suficiência, já produzindo excedentes de leite. É provável que o Brasil continue aumentando a produção no médio e longo prazo e rume para, definitivamente, ocupar um lugar de destaque tanto em produção, como em participação no mercado internacional.
Trabalhos desenvolvidos por "tradings", como a Serlac, ou mesmo por iniciativas individuais de diversas indústrias nos últimos anos vêm garantindo os resultados crescentes. Vale lembrar que o mercado internacional também vive um momento favorável, o que configura uma excelente oportunidade para o Brasil se consolidar internacionalmente. Evidentemente, que todas estas oportunidades consistem, num primeiro momento, em grandes desafios. Recentemente, em artigo publicado sob o título de "Fundo do Poço" (MilkPoint, 21/11/2005), o Dr. Paulo do Carmo Martins, pesquisador da Embrapa, resumiu o cenário para os próximos anos: a produção tende a crescer mais que o consumo; por maior exigência e competição, o Brasil terá mais dificuldades em aumentar as exportações; e, evidentemente, haverá cada vez menos apoio governamental para os lácteos.
Portanto, seja em marketing para o consumo interno ou em pesquisa, adaptação e melhoria de qualidade dos produtos para atender os mercados internacionais, o ambiente da pecuária leiteira, e todos os seus desafios, passa a ser outro. Ou o setor se adapta, ou a tragédia econômica não terá fim.
Em 2005, o câmbio por si só transformou-se num grande entrave para as exportações. Não só para a pecuária leiteira, mas todas as atividades agropecuárias sofrem com a valorização do real, em relação à moeda americana.
Em 2005, considerando o dólar comercial-venda, a cotação média da moeda americana ficou 16,5% abaixo da média observada em 2004. Atualmente, o dólar vale 23,8% menos em relação à média de 2004. Exportar, portanto, tem sido mais difícil, correto? De fato, mas mesmo assim o desempenho em 2005, quando comparado a 2004, tem sido melhor. Observe, na figura 1, as exportações de leite e derivados brasileiros no período de janeiro a novembro.
Na tabela 1 estão as variações porcentuais entre as exportações de 2005 e as de 2004.
Tabela 1: Evolução porcentual do faturamento em dólares, reais e nos volumes de equivalente litros de leite exportados pelo Brasil, no período de janeiro a outubro de 2005 em relação ao mesmo período de 2004.
Mesmo com resultados positivos na balança comercial ainda se argumenta que o faturamento em reais não favorece a exportação, pois houve a valorização do real ante o dólar americano.
Pois bem, tanto na figura como na tabela 1, pode-se observar que o faturamento, em reais, foi superior em 13,19% em 2005. Em dólares, o faturamento foi 36,6% superior, evidenciando a valorização da moeda nacional.
No entanto, no mesmo período de comparação com o ano de 2004, o preço do leite ao produtor variou apenas 4,16% em reais nominais. Ou seja, a indústria exportadora ainda está com saldo positivo. Observe, na figura 2, a evolução dos preços médios nacionais do litro de leite em dólares, no período de 2004 e 2005.
Para os últimos meses do ano, período que em 2004 registrou-se o grosso das exportações, o valor do leite brasileiro chega nos mesmos patamares observados em 2004. Mesmo com o câmbio cerca de 19% inferior ao mesmo período de 2004, os preços do leite em dólares deverão ficar apenas 2% superiores aos valores do mesmo período do ano anterior.
É o efeito das significativas quedas nos preços do leite ao produtor no mercado interno, o que evidencia quem realmente está garantindo os resultados da balança comercial. Quem está bancando é o produtor rural, que teve seus preços significativamente reduzidos.
Em 2005, de fato, a indústria segurou o "rojão" nos meses de abril e maio, quando o leite brasileiro realmente estava em valores mais altos, não compensando a exportação. Nesta época, honrando contratos, a indústria trabalhou com resultados inferiores. Mas no balanço do ano, as exportações consistiram em bons negócios para as indústrias. O mercado internacional está em alta, o que explica elevação dos preços em diversas regiões como Estados Unidos, Nova Zelândia e Europa. A intenção das indústrias é manter e investir nas exportações, especialmente as que participam da Serlac, lideradas pela Itambé.