A situação do mercado é de fato preocupante. O Cepea divulgou os dados de agosto, mostrando queda de preços de 3,5 centavos, ou 4,66% a menos do que para o pagamento de julho. Porém, a sinalização é de que mais virá, sugerindo que o que o Cepea captou até agora não é a acomodação definitiva. Há leite spot a valores abaixo de R$ 0,60/litro no mercado, pois muitas empresas reduziram ou interromperam a compra de leite nessa modalidade, seja porque passam por grandes dificuldades e procuram se reestruturar (como é o caso da Parmalat, que reduziu muito a captação e isso tem efeito no mercado), seja porque estão com as fábricas cheias, seja porque as vendas estão baixas e os estoques, elevados. O spot normalmente precede baixas ao produtor, pois o valor recebido pelo spot, em seqüência, é repassado às cooperativas e produtores.
Os preços no atacado permanecem ruins. Fala-se em leite longa vida a valores de R$ 1,10 a R$ 1,30 por litro; queijo entre R$ 6,20 e R$ 8,50/kg; pó de R$ 5,00 a 9,00/kg, para o produto embalado em 25 kg.
No mercado externo, como já comentado no editorial (Clique aqui para ler), o cenário não é melhor. A Fonterra acabou de fazer novo leilão de leite, vendendo por cerca de US$ 3300/tonelada, o que daria um preço de equivalência abaixo de R$ 0,60/litro, para indústrias brasileiras que queira exportar sem perder dinheiro.
Outros países passam por ajustes semelhantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o USDA divulgou o Milk/Feed Ratio desse mês, que nada mais é do que uma relação de troca do leite em relação ao alimento consumido pelas vacas, como o RMCR que o MilkPoint publica em algumas de suas análises. O valor foi de 1,89 - 40% menor do que o do mesmo período no ano passado, em que o Milk/Feed Ratio foi acima de 3,19. Para efeito de análise, eles consideram que acima de 3,00 a atividade é lucrativa. Os produtores norte-americanos já recebem, hoje, 15% a menos do que no mesmo período do ano passado. A bolha também estourou por lá.
Em contraposição a essa situação, o Dieese divulgou os preços dos alimentos na cesta básica de agosto e - surpresa - o leite longa vida subiu ao consumidor em 7 das 16 capitais avaliadas! Em outras palavras, o mercado para a indústria e para o produtor está em queda e o leite longa vida, um dos principais formadores de preço, ainda encontra forças para subir em diversas capitais.
O gráfico abaixo traz a variação do preço no atacado, de janeiro a maio, de acordo com o Cepea, e a variação no varejo de janeiro a agosto, de acordo com o Dieese, em quatro importantes capitais. Em uma primeira análise, estamos sendo injustos: o preço no atacado subiu mais do que o preço de varejo, até maio. De acordo com o Cepea, o longa vida no atacado subiu 17% de janeiro a maio, ou R$ 0,22/litro. No varejo, houve pouca alteração. Em São Paulo, por exemplo, o aumento foi de apenas 3,3% ou 6 centavos; em Belo Horizonte, o maior preço do país fora Belém, caiu de R$ 2,05 para 2,01/litro, ou 1,95%; já em Porto Alegre, a elevação foi maior: 11,3%.
O problema vem após maio, em que infelizmente ainda não temos os dados no atacado. Porém, a julgar pelas informações passadas pelas empresas, os valores deverão apresentar redução, principalmente em julho e agosto. Já no varejo, praticamente não houve alteração, como o gráfico mostra.
Em São Paulo, o consumidor pagou pelo longa vida em agosto 1,88/kg; em Belo Horizonte, 2,01/kg; em Goiânia, 1,72/kg, e em Porto Alegre, somente R$ 1,33/kg. Note que Goiânia vem apresentando elevações substanciais no varejo, sempre de acordo com a metodologia do Dieese.
Em levantamento realizado em Piracicaba, pelo MilkPoint, outros derivados apresentam preços de varejo bem superiores aos valores de atacado. Mussarela e queijo prato, por exemplo, estão cotados entre R$ 12 e 14/kg, ao passo que no atacado, como já mencionado, os valores giram em torno de R$ 8,00/kg. Uma diferença grande.
Informações divulgadas na mídia a partir de levantamentos de institutos de pesquisa indicam que o consumo de leite fluido teria caído 8% no primeiro semestre. Se o setor tem dificuldades de comercializar seu produto, reportando estoques elevados e tendo de amargar reduções de preços, se o governo preocupa-se com a inflação, em especial dos alimentos, porque os lácteos não caem na mesma proporção (ou não caem, como aponta o DIEESE) no varejo?
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Ainda que pese a escassez crônica de informações de mercado nesse setor, e ainda que os preços no varejo venham a cair agora, parece evidente que a situação vivenciada pelas indústrias e produtores não resultou, até agora, em preços mais baixos no varejo, o que poderia auxiliar no aumento do consumo e no restabelecimento de uma condição de normalidade no mercado. Se isso for verdade, o varejo está com margens maiores e, curiosamente, ninguém, nem indústria nem produtores, levantou até agora publicamente essa questão.
Aliás, apesar de ser o principal canal de vendas, o varejo parece não fazer parte da cadeia de laticínios. Raramente participa de discussões, que me lembre não atua ativamente da Câmara Setorial, a ele não se imputa qualquer responsabilidade. É um ente à parte, e a criação dessa condição é, em parte, responsabilidade do próprio setor.
Há dois meses, noticiamos um protesto de produtores de leite na Alemanha, envolvendo derramamento de leite no campo e, principalmente, protesto junto aos supermercados. Há alguns anos, na Inglaterra, detectou-se que, ao longo do tempo, os supermercados estavam ficando com uma parcela cada vez maior de cada litro de leite gerado, em detrimento do produtor (a indústria em maior ou menor grau, mantinha sua margem). Isso resultou em protestos, ações na mídia e, em última análise, de um reposicionamento das principais redes de supermercados, que inclusive passaram a desenvolver uma relação direta com fornecedores de leite, pagando preços até 30% maiores para produtores selecionados, tomando o cuidado inclusive de não selecionar apenas os grandes produtores, mas sim um mix de produtores nos vários estratos de tamanho, visando ganhos de imagem. Em um evento recente que participei na Escócia, sobre leite e meio ambiente, notei a participação da diretora de compras de lácteos da Waitrose, uma das principais cadeias de supermercados do Reino Unido, que não só assistiu ao evento, mas fez colocações interessantes.
A mensagem aqui não é que se façam protestos nos supermercados. A questão é que enquanto o varejo não tomar parte ativa nas discussões setoriais, e não for responsabilizado pelas suas práticas, teremos um ponto frágil - e muito - na cadeia de laticínios.
Fazer isso não é fácil, nem imediato, mas também não é impossível nem algo a se perder de vista. O princípio de tudo é a representação setorial, que precisa ser reforçada. Junto dela, o levantamento de informações que possam subsidiar um posicionamento consistente. Enquanto isso, o comportamento do varejo passará sempre despercebido ao grande público, exceto quando se manifesta pró-consumidor, reclamando dos aumentos abusivos praticados por produtores e indústrias.