Para quem não sabe, o período de transição compreende 3 semanas pré-parto até 3 semanas pós-parto. Trata-se de uma fase crítica, em que as vacas sofrem grandes alterações metabólicas e fisiológicas, pois estão se preparando para o parto e para a futura lactação, estando sujeitas, ainda, a algumas doenças, como: a hipocalcemia, retenção de placenta, cetose, entre outras. É um curto espaço de tempo em que as vacas precisam de muita atenção para garantir boa produção, bons índices de reprodução e ausência de doenças. Conforto e manejo são primordiais para um parto tranquilo, além de estratégias nutricionais para minimizar possíveis distúrbios metabólicos.
A estratégia nutricional mais utilizada é a dieta aniônica no pré-parto, a qual ainda tem um efeito positivo prolongado sobre a produção e saúde da vaca leiteira, que se estende por boa parte da lactação. O balanço cátion-aniônico da dieta (BCAD) diz respeito à diferença entre os cátions e os ânions presentes na dieta. Assim, dietas com maior proporção de cátions são chamadas catiônicas ou positivas, e provocam alcalose metabólica; inversamente, dietas com maior proporção de ânions são chamadas de aniônicas ou negativas e provocam acidose metabólica. Esses estados podem ser manipulados através do balanço cátion-aniônico da dieta. A inter-relação entre o BCAD e o equilíbrio ácido-base fisiológico pode levar a diferenças significativas na redução de distúrbios metabólicos e no desempenho do animal.
O conceito de BCAD em nutrição animal não é novo e vem sendo aplicado na formulação de rações para frangos, devido à constatação de que os minerais devem ser ajustados na dieta, não apenas pelos níveis de exigência em si, mas também pelo seu balanço, que seria essencial a um desempenho ótimo. O BCAD exerce vários efeitos sobre o metabolismo animal, sendo sua principal ação: atuar no mecanismo de regulação do equilíbrio ácido-base.
MONGIN (1981) foi o primeiro a propor as inter-relações entre Na, K e Cl, e, também, que a ingestão de ácidos poderia ser extrapolada através da soma de Na + K – Cl em mEq/100g de MS. Em geral, para ruminantes, o BCAD é calculado em mEq de (Na+K) – (Cl+SO4)/kg ou 100 gramas de matéria seca (MS). O BCAD pode ser calculado da seguinte maneira:
BCAD (mEq/100g): [(%Na/0,023)] + [(%K/0,039)] – [(%Cl/0,0355)] + [(%S/0,016)]
Elemento |
Peso atômico (g/mol) |
Valência (carga) |
Peso em miliequivalentes |
Na |
23 |
+1 |
0,023 |
K |
39 |
+1 |
0,039 |
Cl |
35,5 |
-1 |
0,0355 |
S |
32 |
-2 |
0,016 |
Tabela 1. Informações da tabela periódica necessárias ao cálculo do BCAD (Adaptado de HORST et al. (1994))
Com o progresso da lactação, o pH e a concentração de bicarbonato do sangue aumentam, sugerindo que vacas no final da lactação são mais susceptíveis à alcalose, enquanto vacas no início da lactação são mais susceptíveis à acidose (ERDMAN, 1982). Desse modo, o BCAD para vacas deveria ser alto no início da lactação e diminuir no seu decorrer, de tal forma a ser negativo, de 3 a 4 semanas antes do parto, com a finalidade de se evitar a hipocalcemia subclínica, também conhecida como febre do leite ou paresia puerperal (BYERS ,1994). Esta é uma desordem metabólica, que acomete vacas leiteiras logo após o parto, sendo caracterizada pela inabilidade de algumas em suprir o rápido aumento da demanda do cálcio pela glândula mamária, ocasionando queda brusca no nível sérico deste mineral.
A hipocalcemia é considerada de grande importância econômica na atividade leiteira, sendo capaz de trazer grandes prejuízos aos produtores de leite, principalmente pelos gastos com o tratamento, queda na produção, morte de animais e, também, pelas diversas doenças que podem ocorrer em decorrência da deficiência de cálcio. Em geral, quando a vaca apresenta um quadro de hipocalcemia, há aumento da incidência de outras desordens metabólicas, como a retenção de placenta (o Ca tem participação na contração uterina). Ocorre também a queda na ingestão de matéria seca, podendo ocasionar cetose e deslocamento de abomaso (o Ca participa de processos que envolvem a contração celular, refletindo na motilidade gastrointestinal), além de metrite e mastite (o Ca pode reduzir a capacidade das células do sistema imune de responder a estímulos). Segundo Chapinal (2012) uma vaca com hipocalcemia tem sua produção diária reduzida em até 2,9kg/leite, ou seja, 884,5kg/leite em uma lactação de 305 dias.
Figura 1: Relação entre hipocalcemia e outras desordens metabólicas (adaptado de De Blas et al. 1998)
O uso de dieta aniônica no pré-parto induz na vaca uma acidose metabólica que facilita a reabsorção óssea e a absorção intestinal de Ca. As dietas aniônicas são compostos acidogênicos, que baixam o pH do sangue e estimulam a ação do paratormônio (PTH) e 1,25(OH)2D3, que causarão desmineralização dos ossos, aumento da absorção intestinal e redução da excreção urinária de Ca.
Figura 2. Efeito da dieta aniônica no metabolismo do Ca (adaptado de De Blas et al. 1998)
Segundo Patience (1991), o pH da urina é um indicador muito útil da carga ácida ou alcalina, eliminada por essa via. Dessa forma, o pH da urina pode ser utilizado para monitorar o BCAD, sem a necessidade de rigorosos testes de alimentos. Em geral, o pH urinário de ruminantes é básico, variando de 7,4 a 8,4, e, valores entre 6,0 e 7,0, para vacas da raça holandesa, já indicam eficiência na acidificação da dieta. A resposta dos animais à adição de sais aniônicos à dieta no pré-parto é rapidamente observada. Em geral, depois de 48 horas após o início do fornecimento da dieta, o pH sanguíneo já se encontra levemente acidificado. Entretanto, acredita-se que seja necessário de cinco a sete dias para que o efeito da redução do pH sanguíneo se manifeste nos mecanismos de homeostase do cálcio (Santos el al. 2011). Nos sistemas de produção, o uso da dieta aniônica é geralmente indicado, no mínimo, durante 21 dias, uma vez que as vacas podem adiantar o parto.
Leno et al. (2017) avaliaram a redução do BCAD nas dietas de vacas holandesas no pré-parto, sobre aspectos do metabolismo mineral e desempenho. Os 3 tratamentos foram:
- CON (baixo K, sem adição de ânions e BCAD de +183 mEq/Kg de MS);
- MED (baixo K, adição parcial de ânions e BCAD de +54 mEq/Kg de MS) e;
- BAIXO (baixo K, adição de ânions e BCAD de -74 mEq/Kg de MS).
O pH da urina diminuiu conforme redução do BCAD (CON = 8,22; MED = 7,89 e BAIXO = 5,96). Concentrações plasmáticas de Ca no período pós-parto (de 0 a 14) aumentaram linearmente com a redução do BCAD no pré parto (CON = 2,16; MED = 2,19 e BAIXO = 2,27 mmol / L). Nesse trabalho, vacas mais velhas tiveram a maior resposta à dieta de baixo BCAD e vacas mais velhas alimentadas com tratamento BAIXO tiveram diminuição da prevalência de hipocalcemia após o parto. A produção de leite nas primeiras 3 semanas pós-parto aumentou linearmente com a diminuição do BCAD (CON = 40,8; MED = 42,4 e BAIXO = 43,9 kg / d) e a IMS (ingestão de matéria seca) neste período também tendeu a aumentar linearmente (CON = 20,2; MED = 20,9 e BAIXO = 21,3 kg / d). Esse estudo demonstra que a alimentação com dietas de baixo BCAD no pré-parto melhoram o status de Ca plasmático no período pós-parto imediato e resultam em aumento da IMS e produção de leite nas 3 semanas após o parto. As melhores respostas foram observadas para a dieta que manteve o pH urinário entre 5,5 e 6,0.
O uso dietas aniônicas no pré-parto é uma ferramenta nutricional bastante eficaz. Entretanto é importante levar em consideração que somente a manipulação do BCAD não é suficiente. A dieta deve estar bem balanceada, principalmente com relação a minerais e vitaminas, deve-se verificar se a quantidade ingerida da dieta está correta, se não falta água, se não há consumo de volumoso com alto teor potássio que afete o balanço aniônico e se há conforto para os animais. Com a união desses fatores tem-se a redução de distúrbios metabólicos no rebanho, e, além do produtor gastar menos com medicamentos, os animais ficam sadios, refletindo em um melhor ciclo produtivo e reprodutivo.
Referências disponíveis mediante solicitação.
Lisia Correa
Lisia Correa é nutricionista na área de bovinos na Agroceres Multimix.
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