Introdução
De acordo com os registros em 10 estados americanos, a primeira ou segunda principal causa de descarte de vacas leiteiras dos rebanhos foi o mau desempenho reprodutivo (Hadley et al., 2006). Em média, 19% dos descartes foram atribuídos ao desempenho reprodutivo. É provável que muitas destas vacas produzissem pouco leite enquanto vazias e foram descartadas tanto pelo baixo rendimento leiteiro quanto por questões reprodutivas.
Nos últimos 30 anos, a indústria leiteira nos EUA tem observado o declínio do desempenho reprodutivo dos rebanhos (ou seja, baixas taxas de concepção) (Lucy, 2001). Já se levantaram inúmeras hipóteses para explicar este declínio na eficiência reprodutiva, inclusive maior incidência de doenças no período pós-parto (cetose, mastite, retenção de placenta, ovários císticos, fígado gorduroso, etc.), aumento do tamanho dos rebanhos, o que gera desafios de manejo, maior índice de endocruzamento e aumento da produção de leite (Lucy, 2001).
A influência da nutrição sobre o desempenho reprodutivo é um tema que tem gerado muito interesse entre os pesquisadores, inclusive a avaliação dos efeitos da suplementação de gorduras. Caso a gordura possa melhorar as taxas de prenhez, contribuirá para aumentar a longevidade das vacas no rebanho e, portanto, a rentabilidade para o produtor.
Definição das Gorduras
Muitos tipos diferentes de gorduras têm sido fornecidos a vacas leiteiras em lactação. A Tabela 1 traz a listagem de algumas fontes de gordura. Cada fonte de gordura é composta de uma mistura de diferentes ácidos graxos individuais. As gorduras de graxaria compreendem o sebo animal e a gordura amarela (óleo reciclado de cozinha) e são compostas principalmente de ácido oleico (~43%). As gorduras granuladas são gorduras secas, compostas principalmente de ácido palmítico (36-50%). Exemplos seriam o Energy Booster 100, EnerG-II e Megalac. O óleo de canola é rico em ácido oleico. O óleo de caroço de algodão, de safflower (cártamo - Carthamus tinctorius), girassol e soja são ricos em ácido linoleico. O óleo de linhaça é rico em ácido linolenico. Os óleos de peixe contem ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA), que são ácidos graxos encontrados em tecidos de peixes resultantes do consumo de plantas marinhas. O ácido linoleico, abreviado como C18:2, é um ácido graxo essencial tipo ômega-6. O ácido linolenico, abreviado como C18:3, é um ácido graxo essencial tipo ômega-3. Dois outros ácidos graxos tipo ômega-3 são EPA (C20:5) e DHA (C22:6). Os ácidos linoleico e linolenico são essenciais para bom desempenho reprodutivo e devem ser incluídos na dieta para atender às necessidades nutricionais da vaca leiteira.
As gorduras da dieta são modificadas por bactérias ruminais
Os micróbios ruminais convertem os ácidos graxos essenciais em ácidos graxos não essenciais através da substituição das duplas ligações por ligações simples entre os carbonos (processo denominado biohidrogenação). Alguns cientistas especulam que a biohidrogenação pelas bactérias do rúmen ocorre para conferir proteção à microbiota, uma vez que estes ácidos graxos podem ser tóxicos, especialmente para as bactérias que metabolizam fibras.
Grande parte dos ácidos graxos essenciais tipo C18:2 e C18:3 consumidos através da dieta são convertidos pelas bactérias em C18:0. As vacas leiteiras em lactação alimentadas com uma dieta típica consomem diariamente cerca de 20 g de C18:0, 280 g de C18:2 e 40 g de C18:3 e aproximadamente 370 g de C18:0, 40 g de C18:2 e 4 g de C18:3 deixam o rúmen diariamente devido à biohidrogenação.
Várias formas intermediárias de ácidos graxos, denominadas ácidos graxos trans, também são formadas durante a biohidrogenação. Alguns destes ácidos graxos trans, como o trans-10, cis-12 ácido linoleico conjugado (CLA), podem influenciar o metabolismo da vaca leiteira, inclusive levando à depressão da síntese da gordura do leite. Esta intervenção por bactérias ruminais, transformando os ácidos graxos essenciais da dieta em outros ácidos graxos, tem dificultado os estudos sobre os efeitos das gorduras da dieta.
Suplementação de gordura e taxas de concepção
De acordo com a literatura científica, os suplementos de gordura melhoram as taxas de concepção de vacas leiteiras em lactação (Tabela 2). Na literatura, os relatos sobre taxas de concepção se referem algumas vezes à primeira inseminação ou a inseminações acumuladas. Em media, a melhora é de 12 unidades percentuais quando os dados são ajustados para os diferentes números de vacas nos experimentos (48 vs. 60%). Isto não implica que o fornecimento de uma destas gorduras às vacas de um rebanho leiteiro comercial irá elevar a taxa de concepção do rebanho como um todo em 12 unidades percentuais. Os benefícios obtidos em condições comerciais serão provavelmente inferiores devido à interação de uma série de fatores biológicos e de manejo que afetam a possibilidade de se obter uma prenhez. Outros estudos não observaram resultados positivos com a suplementação de gorduras, com taxa média de prenhez de 42%, tanto para o grupo controle quanto para o grupo suplementado com gordura (Tabela 3).
A partir dos estudos listados na Tabela 2, fica bastante difícil determinar quais tipos de suplementos de gordura ou quais ácidos graxos poderiam ser os mais eficazes. Quando vacas receberam gorduras contendo principalmente ácidos palmítico e oleico (sebo, Energy Booster e sais de Ca de óleo de palma) e foram comparadas a um grupo recebendo a dieta basal sem suplementação de gordura, apresentaram melhora nas taxas de concepção. Em 4 comparações pareadas de suplementos de gordura, vacas alimentadas com sais de cálcio de óleo de palma não conceberam tão bem quanto as alimentadas com sementes de linhaça tratadas com formaldeído (Petit et al., 2001), uma mistura de sais de cálcio de óleo de soja e ácidos graxos trans mono-insaturados (Juchem et al., 2004), uma mistura de sais de cálcio de óleo de palma e óleo de peixe (Silvestre et al., 2008), ou CLA (Castaneda-Gutierrez et al., 2005; Tabela 2). Portanto, gorduras contendo principalmente ácidos palmítico e oleico podem não ser tão eficazes quanto as contendo ácidos graxos ômega-6 e/ou ômega-3. Quatro estudos utilizaram mais de 250 vacas cada para avaliar a semente de linhaça. Nenhum deles relatou melhora nas taxas iniciais de prenhez. Entretanto, a sobrevida embrionária pode ser sido melhorada pela semente de linhaça.
A inclusão óleo ou farinha de peixe na dieta melhorou a taxa de prenhez ao primeiro serviço ou a taxa de prenhez como um todo em 5 estudos. Em estudo recentemente concluído envolvendo 1069 vacas holandesas em granja comercial na Flórida, as vacas alimentadas com um sal de cálcio enriquecido com óleo de peixe (1,5% da MS da dieta) a partir dos 30 dias de lactação apresentaram melhores taxas de prenhez aos 60 dias pós-IA que as vacas alimentadas com sal de cálcio de óleo de palma (53 vs. 46%), quando os dados foram ajustados para 2 IATFs (Silvestre et al., 2008b). As perdas embrionárias entre 32 e 60 dias pós-IA foram significativamente menores no grupo de vacas suplementadas com óleo de peixe (6 vs. 12%).
Existem poucos trabalhos avaliando as sementes oleaginosas e seu potencial de melhorar a concepção em vacas leiteiras. Embora o óleo de muitas oleaginosas contenha mais de 50% de C18:2 (Tabela 1), o teor de C18:2 que passa o rúmen e chega ao intestino delgado varia entre diferentes fontes. De acordo com o teor de C18:2 na gordura do leite, a soja parece ser a mais eficaz e o caroço de algodão totalmente incapaz de fornecer C18:2 aos tecidos. As sementes de girassol e cártamo também parecem elevar os teores de C18:2 na gordura do leite, mas não de maneira tão eficaz quanto a soja. O processamento dos grãos também pode alterar a capacidade de fornecer gorduras insaturadas de passagem ruminal. A tostagem da soja e a rolagem da semente do girassol parecem aumentar a disponibilidade de C18:2. Embora a semente de linhaça integral a 10% da dieta possa fornecer C18:3 aos tecidos, a trituração das sementes aumenta a disponibilidade de C18:3. Obviamente, mais pesquisas são necessárias para a identificação das melhores fontes de gordura, se sementes, óleos ou sais de cálcio.
Tabela 1. Composição de ácidos graxos de fontes de gordura.
Tabela 2. Estudos que relatam melhora das taxas de concepção (ao primeiro serviço ou taxas acumuladas de vários serviços) em vacas leiteiras em lactação suplementadas com ácidos graxos (P < 0,10). A menos que seja indicado de outra forma através de uma nota de rodapé, a dieta controle não continha suplemento de gordura.
Tabela 3. Estudos que relataram efeito negativo ou ausência de melhora nas taxas de concepção (ao primeiro serviço ou taxas acumuladas de vários serviços) em vacas leiteiras em lactação suplementadas com ácidos graxos. A menos que seja indicado de outra forma através de uma nota de rodapé, a dieta controle não continha suplemento de gordura.