Este texto é parte da palestra apresentada por José Eduardo Portela Santos, no XIV Curso de Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, realizado em Uberlândia em março de 2010.
ResumoA nutrição tem importante impacto sobre o desempenho reprodutivo dos bovinos. A energia é o principal nutriente de que os bovinos adultos necessitam e a ingestão inadequada de energia tem impacto prejudicial sobre a atividade reprodutiva das fêmeas. As vacas em balanço energético negativo têm longos períodos de anestro, que é ampliado pela perda de condição corporal durante o período pós-parto inicial.
A retomada dos ciclos ovulatórios está associada ao balanço energético, e os mecanismos determinantes parecem estar associados a sinais metabólicos e hormônios reguladores, principalmente insulina e o fator de crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF-I). Estes conectam o status nutricional à secreção de gonadotropina, reacoplamento do sistema hormônio de crescimento-IGF, maturação do folículo e ovulação. O uso de dietas que promovem aumentos nos níveis plasmáticos de glicose e insulina pode melhorar o status metabólico e endócrino das vacas no início da lactação. Ainda assim, administrar excesso de amido para promover aumentos na insulina e na glicose poderia suprimir a ingestão em vacas leiteiras no início da lactação, impedindo desta forma os benefícios para a ciclicidade.
O comportamento de ingestão de ração de vacas leiteiras durante o período de transição, particularmente a diminuição no consumo de ração antes da parição, está associado a risco de doença uterina no pós-parto. Como a metrite e as formas mais crônicas de doenças uterinas têm profundos efeitos negativos sobre a prenhez em vacas leiteiras, proporcionar espaço adequado no cocho e um ambiente que maximize o consumo poderia potencialmente melhorar a fertilidade das vacas leiteiras. Nutrientes específicos e ingredientes da dieta têm sido incriminados em aspectos reprodutivos de bovinos. Foi sugerido que o excesso de proteína na dieta é prejudicial para a fertilidade, ainda que a evidência seja fraca. A adição de teores moderados de gordura suplementar à dieta melhora o consumo de energia, modula a secreção de PGF2α pelo útero, afeta a dinâmica ovariana, melhora a função lútea e a qualidade embrionária, e tem efeitos positivos moderados sobre a fertilidade.
Mais especificamente, alguns ácidos graxos (AG) podem ter impacto em vacas leiteiras sobre a taxa de fertilização e a qualidade embrionária. Por outro lado, alguns ingredientes da dieta, como o gossipol, diminuem a fertilidade de vacas leiteiras quando ingeridos em grandes quantidades por causa de seus efeitos negativos sobre a qualidade embrionária e a manutenção da prenhez.
IntroduçãoA seleção de bovinos leiteiros para a produção de leite correlacionou os controles endócrino e metabólico do balanço nutricional e os eventos reprodutivos, de tal forma que a reprodução em bovinos de leite fica comprometida durante períodos de escassez de nutrientes, como no início da lactação. O custo energético para sintetizar e secretar hormônios, ovular um folículo e sustentar o desenvolvimento inicial do embrião provavelmente é mínimo se comparado às necessidades energéticas para a manutenção e a lactação. As indicações metabólicas e endócrinas associadas ao balanço energético negativo (BEN) interferem na retomada dos ciclos ovulatórios, qualidade do ovócito e do embrião, e o estabelecimento e manutenção da prenhez em gado de leite.
À medida que aumentam as demandas pela síntese de leite, as funções reprodutivas podem ser deprimidas quando não se consegue uma ingestão compensatória de nutrientes. Numerosos estudos relatam que o desempenho reprodutivo é comprometido pelas demandas nutricionais associadas a altos níveis de produção. A produção de leite aumenta mais rapidamente nas primeiras 4 a 6 semanas depois da parição do que a ingestão de energia. Como consequência, as vacas de alta produção terão algum grau de balanço negativo de nutrientes durante o período inicial após o parto. Quando as vacas passam por um período de BEN, as concentrações sanguíneas de ácidos graxos não esterificados (NEFA) aumentam ao mesmo tempo em que IGF-I, glicose e insulina estão baixos. Estas alterações nos metabólitos sanguíneos e hormônios podem comprometer a função ovariana e a e fertilidade. Há relatos também de que o balanço energético e a ingestão de matéria seca (IMS) poderiam afetar as concentrações plasmáticas de progesterona (Vasconcelos et al., 2003; Villa-Godoy et al., 1988), que podem interferir com o desenvolvimento folicular e a manutenção da prenhez.
Durante as últimas décadas, a seleção genética e o melhor manejo dos rebanhos aumentaram de forma dramática a produção das vacas leiteiras, ao mesmo tempo em que a fertilidade diminuiu (Butler, 2003). A seleção para uma produção maior de leite em bovinos leiteiros mudou os perfis endócrinos das vacas, aumentando as concentrações sanguíneas de somatotropina bovina e prolactina, ao passo que a insulina diminuiu (Bonczeck et al., 1988). Estas alterações hormonais e a maior demanda nutricional para a produção poderiam ter impacto negativo sobre a reprodução das vacas leiteiras. Contudo, foi demonstrado que uma nutrição adequada e um bom manejo compensam a queda na fertilidade dos rebanhos, com a produção média de leite ultrapassando 12.000 kg/vaca/ano (Nebel e McGilliard, 1993; Jordan e Fourdraine, 1993).
Várias estratégias nutricionais têm sido propostas para melhorar a reprodução de bovinos leiteiros sem efeitos prejudiciais sobre o desempenho da lactação. Espera-se que a reprodução destes bovinos se beneficie da maximização da IMS durante o período de transição, da minimização da incidência de problemas no periparto, da utilização de dietas que promovam maiores concentrações de insulina no início da lactação e da adição de gordura suplementar às dietas e da manipulação do teor de AG das fontes de gordura.
Entretanto, fatores como a alta incidência de doenças metabólicas no início do pós-parto, baixo escore de condição corporal (ECC) na primeira inseminação e concentrações plasmáticas excessivas de gossipol são prejudiciais para a fertilidade de bovinos leiteiros.
Retomada da ciclicidade pós-parto O início da lactação resulta em intensa drenagem de nutrientes nas vacas leiteiras de alta produção e, em muitos casos, isto antagoniza a retomada dos ciclos ovulatórios. Durante o início do período após o parto, a reprodução é retardada em favor da sobrevivência individual. Assim, no caso da vaca leiteira, a lactação torna-se prioritária em detrimento das funções reprodutivas.
Durante os períodos de restrição de energia, os combustíveis oxidáveis consumidos na dieta são prioritariamente direcionados para os processos essenciais como a manutenção celular, circulação e atividade neural (Wade e Jones, 2004). No início da lactação, os controles homeorréticos asseguram que os tecidos do organismo, principalmente as reservas adiposas, serão mobilizados para apoiar a produção de leite. Por isso, a vaca leiteira que no início da lactação não é capaz de consumir nutrientes suficientes para suprir energia suficiente para atender as necessidades de produção e manutenção, irá manter alta produção de leite e de componentes do leite à custa de tecidos orgânicos. Isto representa um problema para a reprodução, uma vez que o retardo da ovulação tem sido repetidamente correlacionado com o status energético (Butler, 2003). A escassez de energia reduz a frequência de pulsos do hormônio luteinizante (LH), assim comprometendo a maturação do folículo e a ovulação. Além disso, a desnutrição inibe o comportamento estral pela redução da responsividade do sistema nervoso central ao estradiol porque reduz o teor de receptor α de estrogênio no cérebro (Hileman et al., 1999).
Em geral, a primeira ovulação pós-parto ocorre no gado leiteiro de 10 a 14 dias após o ponto mais baixo de BEN (Butler, 2003). Nas vacas leiteiras, as perdas acentuadas de peso e ECC causadas pela alimentação inadequada ou doenças estão associadas à condição de anovulação e anestro. De fato, as vacas com baixo ECC 65 dias após o parto têm maior probabilidade de estar em condição anovulatória (Santos et al., 2008); o que compromete o desempenho reprodutivo na primeira inseminação pós-parto.
A anovulação ou anestro prolongado após o parto prolonga o período entre o parto e a primeira IA, e reduz a fertilidade durante o primeiro serviço pós-parto (Santos et al., 2008). Na verdade, vacas em condição anovulatória têm redução na detecção de estro e taxas de concepção e também o comprometimento da sobrevida do embrião (Santos et al., 2004b). Por outro lado, um retorno precoce à ciclicidade é importante para a concepção precoce. O momento da primeira ovulação após o parto determina e limita o número de ciclos estrais que ocorrem antes do início do período de inseminação. Em geral, na maioria dos rebanhos leiteiros, menos de 20% das vacas devem estar anovulatórias no dia 60 do pós-parto (Santos et al., 2008). A expressão do estro, a taxa de concepção e a sobrevivência do embrião melhoraram quando as vacas estavam ciclando antes de um programa de sincronização de estro para a primeira inseminação no pós-parto (Santos et al., 2004 a,b).
A retomada da atividade ovariana em vacas leiteiras de alta produção é determinada pelo status energético do animal. Por isso, o manejo do arraçoamento que minimiza a perda de condição corporal no início do período pós-parto e a incidência de transtornos metabólicos durante o início da lactação deve aumentar o número de vacas que têm a primeira ovulação durante as primeiras 4 a 6 semanas após o parto.
Proteína e ReproduçãoAs vacas leiteiras em lactação demandam grandes quantidades de aminoácidos metabolizáveis para a síntese da proteína do leite. É comum que as rações para lactação contenham níveis de proteína bruta de 16 e 18% de sua matéria seca total. As dietas com proteína bruta limitada podem comprometer o crescimento microbiano e a fermentação ruminal, que muitas vezes se refletem em diminuição do consumo de ração e da produção de leite. Por outro lado, a proteína em níveis acima do que as vacas necessitam tem sido envolvida em aumentos nas concentrações de amônia e ureia no leite e no sangue, que são usadas como marcadores de fertilidade reduzida (Butler, 1998). A sugerida diminuição na fertilidade em bovinos alimentados com excesso de proteína é causada por alterações na fisiologia uterina, com uma queda no pH uterino durante o início da fase lútea do ciclo estral (Butler et al. 1998). Um ambiente uterino mais ácido contribui menos para a manutenção da prenhez em bovinos (Ocon e Hansen, 2003). Este efeito parece estar restrito aos estágios iniciais do desenvolvimento embrionário (Rhoads et al. 2006).
Como durante a lactação as vacas leiteiras de alta produção são mais eficientes na utilização de fontes de proteína quando as dietas têm níveis moderados de proteína bruta e são balanceadas para fornecer proteína metabolizável e aminoácidos limitantes (Noftsger e St. Pierre et al., 2003), não se justifica utilizar dietas com concentrações de proteína que irão aumentar o nitrogênio ureico e prejudicar a fertilidade.
Energia e reproduçãoA ingestão de energia parece ter o maior impacto sobre o status energético de vacas leiteiras em lactação. Villa-Godoy et al. (1988) relataram que a variação no balanço energético de vacas Holandesas após o parto foi influenciada principalmente pela IMS (r = 0,73) e menos pela produção de leite (r = -0,25). Por isso, as diferenças entre as vacas com relação à gravidade do BEN estão mais relacionadas com o teor de energia que consomem do que com a quantidade de leite que produzem. Durante os períodos de BEN, as concentrações de glicose, insulina e IGF-I no sangue são baixas, assim como a frequência de pulsos de GnRH e LH. As concentrações plasmáticas de progesterona também são afetadas pelo balanço energético das vacas leiteiras. Foi demonstrado que estes metabólitos e hormônios afetam a foliculogênese, a ovulação e a produção de esteróides in vitro e in vivo. O exato mecanismo pelo qual a energia afeta secreção de hormônios de liberação e gonadotropinas não é bem conhecido, mas está claro que níveis mais baixos de glicose, IGF-I e insulina no sangue podem mediar este processo.
Tem sido sugerido que o BEN influencia a reprodução de vacas leiteiras por seu impacto sobre a qualidade e a viabilidade do ovócito do folículo ovulatório e do CL resultante da ovulação deste folículo. Como há evidências substanciais de que os fatores metabólicos podem influenciar o início do desenvolvimento folicular, é possível que as alterações no metabolismo durante períodos de BEN poderiam influenciar os folículos pré-antrais destinados a ovular algumas semanas mais tarde, durante o período de monta. Para testar esta hipótese, Kendrick et al. (1999) dividiram aleatoriamente 20 vacas entre 2 tratamentos formulados para que as vacas consumissem 3,6% (alto nível de energia) ou 3,2% (baixo nível de energia) de seu peso corporal. Os folículos foram aspirados por via transvaginal duas vezes por semana, e os oócitos foram classificados com base na densidade do cumulus e homogeneidade do ooplasma. Vacas em melhor balanço energético (alto nível de energia) tiveram níveis intrafoliculares de IGF-I e níveis plasmáticos de progesterona mais elevados, e tenderam a produzir mais ovócitos classificados como bons. Por isto, o BEN não apenas retarda a retomada dos ciclos ovulatórios, mas também poderia influenciar a qualidade dos ovócitos quando as vacas são inseminadas.