O problema. Levantamentos de granjas leiteiras nos Estados Unidos relatam constantemente que cerca de 15% das vacas apresentarão um ou mais cistos ovarianos durante a lactação. Essas não são as clássicas vacas "ninfomaníacas" que apresentam comportamento de estro ou que montam em outras vacas como víamos no passado.
Atualmente, as vacas císticas costumam ser identificadas quando é feito o diagnóstico de gestação, uma vez que não apresentam comportamento de estro por intervalos de tempo mais longos. O custo econômico dos cistos decorre do aumento nos dias em aberto. O valor dos dias em aberto é uma função complexa do nível de produção, dias de lactação e outros fatores, mas é certamente maior do que USD 2,00/dia após 100 dias.
O que são cistos ovarianos? Em termos simples, o cisto ovariano é um folículo que não ovula. A ovulação é o rompimento de folículo liberando o oócito (óvulo) para fertilização. Ela normalmente ocorre 24 a 40 horas após o início do comportamento de estro. Os folículos costumam ovular quando atingem um diâmetro de 12 a 18 mm (Figura 1). Por outro lado, o cisto folicular não ovula e continua crescendo até pelo menos 20 mm de diâmetro (Figura 2). Não é incomum encontrar dois ou mais cistos em um ovário de uma vez. Para entender como um folículo deixa de ovular e forma um cisto é interessante revisar um pouco sobre os padrões de crescimento folicular em vacas vazias. Logo após o final do período de estro, as vacas ovulam. O folículo ovulatório estava inibindo o crescimento dos demais folículos. No entanto, quando ele ovula, ele perde essa capacidade de inibição e um novo grupo de folículos começa a crescer (Figura 3).
Essa é a denominada primeira "onda" folicular do ciclo. O maior deles se torna o folículo dominante e quando atinge 8 a 10 mm de diâmetro começa a secretar hormônios que inibem o crescimento dos outros folículos. A primeira "onda" folicular normalmente exerce seu efeito por cerca de 5 a 6 dias e depois regride. Isso permite o crescimento de uma nova onda de folículos (Figura 4).
Mais uma vez, surge um folículo dominante que inibe o crescimento dos outros folículos. Como antes, ele permanece dominante por 4 a 6 dias e depois regride. Isso permite o crescimento de uma terceira onda de folículos, e um deles se torna dominante. Nesse ponto, a vaca já está com 18 a 20 dias do estro anterior. As condições endócrinas já estão corretas para que esse folículo ovule. A única diferença em uma vaca que forma cistos é que o folículo, nesse caso o da terceira "onda" (Figura 5) não ovula e continua crescendo.
Por que se formam cistos? Cistos ovarianos são formados devido a uma falha no eixo reprodutivo (Figura 6). O eixo reprodutivo consiste de três órgãos. Na base do eixo ficam os ovários onde os folículos são formados. O crescimento folicular e a ovulação são controlados pelas gonadotrofinas, hormônios secretados pela hipófise, a segunda parte do eixo. O hormônio mais importante quanto à formação do cisto é o LH (hormônio luteinizante). A secreção de LH pela hipófise é regulada por outro hormônio, o GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) que vem do hipotálamo. O hipotálamo é a porção basal do cérebro. Os cistos se formam quando os folículos não ovulam.
Teoricamente, é possível que cistos se formem quando há um defeito em qualquer um dos três pontos do eixo reprodutivo. Pesquisadores conduziram experimentos para estudar todas as possibilidades e viram que tanto os folículos/ovários quanto a hipófise podem estar funcionando perfeitamente em vacas com cistos ovarianos. O problema está no hipotálamo que controla muitos aspectos da função da hipófise e também é responsável por alguns comportamentos instintivos, como o estro.
E como se testa a função do hipotálamo? Folículos sadios secretam estradiol (1), o hormônio esteróide que prepara a vaca para a inseminação. O estradiol tem muitas funções na vaca, como a indução do comportamento de estro, a produção de muco cervical, o relaxamento da cérvix, o tônus uterino associado ao estro, e a estimulação do hipotálamo para a liberação de uma quantidade grande de GnRH (2) que vai sinalizar para a hipófise que ela deve produzir um pico de LH (3) e desencadear a ovulação. Pelo menos é isso que acontece em vacas normais. Nas vacas císticas, entretanto, o estradiol não consegue estimular a liberação de GnRH pelo hipotálamo e por isso não ocorre o pico de LH (e a ovulação).
O papel da progesterona. Por que o hipotálamo não responde ao estradiol? Observamos que mais de 2/3 das vacas com cistos muitas vezes tem uma quantidade incomum ou anormal de progesterona circulante. A concentração de progesterona nesses animais fica na faixa intermediária (INT) de 0,1 a 1,0 ng/ml (Figura 7). Vacas normais têm progesterona em níveis mais altos, entre 1 e 7 ng/ml durante a fase luteal de seus ciclos estrais (quando um corpo lúteo é detectável por palpação ou ultrassom), ou mais baixos (menos de 0,1 ng/ml) em outros estágios do ciclo (proestro, estro).
Elas raramente têm progesterona na faixa intermediária (incomum). Talvez a progesterona nessa faixa anormal interfira com a capacidade do estradiol estimular o hipotálamo a liberar GnRH. Experimentos anteriores mostraram que a progesterona é capaz de bloquear a capacidade do estradiol de induzir a liberação de GnRH. Entretanto, nesses experimentos a progesterona foi administrada em doses maiores do que 1 ng/ml. Até pouco tempo atrás não sabíamos se a progesterona poderia bloquear a ovulação quando presente nessa faixa incomum, anormal. Existem dois tipos de experimentos que nos fazem acreditar que esse nível anormal de progesterona seja responsável pelo defeito no hipotálamo.
A primeira evidência é associativa. Estudamos o crescimento folicular em mais de 30 vacas císticas. Esses animais frequentemente apresentam um fenômeno chamado "turnover", onde vários folículos formados na presença de um cisto também se transformam em cistos. Em outras palavras, é muito comum um cisto ovariano ser reposto no ovário por novo cisto. Sendo assim, ao monitorarmos vacas císticas estamos estudando animais que com frequência formam novos cistos. Medimos a progesterona diariamente, examinamos essas 30 vacas císticas com ultrassom três vezes por semana e estudamos o destino dos novos folículos formados. Um exemplo de uma das vacas desse experimento está apresentado na Figura 8.
Os folículos formados na presença de concentrações incomuns de progesterona muito frequentemente formam cistos. Já aqueles formados na presença de concentrações normais baixas do hormônio normalmente ovulam. Os resultados desse experimento estão resumidos na Figura 9.
Os dados apresentados até agora são evidências circunstanciais de que os cistos se formam devido a concentrações anormais de progesterona. Conduzimos um teste diferente para avaliar o papel de concentrações anormais de progesterona na formação de cistos. Vacas normais receberam progesterona através do CIDR (dispositivo intravaginal para liberação de progesterona fabricado pela Pfizer.). CIDRs novos liberam cerca de 1,5 ng/ml de progesterona no sangue. Essa dose era alta demais para testar nossa teoria, então pré-incubamos os CIDRs por 14 ou 28 dias em outras vacas para "gastar" a progesterona. Como se pode ver na Figura 10, os CIDRs pré-incubados por 14 dias liberaram apenas 0,7 ng/ml. Os CIDRs pré-incubados por 28 dias liberaram 0,4 ng/ml, ambos dentro da faixa anormal de interesse. A administração de progesterona nessas doses anormais reduziu de maneira significativa a ocorrência de picos de LH e de ovulações. Portanto, a administração de doses anormais de progesterona, uma dose frequentemente observada em vacas com cistos, induz uma condição semelhante à de uma vaca cística.
Qual é a origem dessa progesterona anormal em vacas com cistos? Como acabamos de ver, vacas com cistos ovarianos frequentemente têm concentrações anormais de progesterona que podem prevenir a ovulação levando à formação de novos cistos. Quando um cisto é reposto por outro se dá o que chamamos de "turnover", um fenômeno razoavelmente comum. Obviamente, gostaríamos de eliminar essa concentração anormal de progesterona e romper essa cadeia de turnover de cistos.
Para isso precisamos identificar a origem da progesterona. Conduzimos diversos experimentos para estudar várias possibilidades. Após a conclusão desses experimentos, acreditamos que a origem seja o ovário, provavelmente o próprio cisto. Em um experimento foram removidos os ovários de vacas císticas ou foi feito um procedimento cirúrgico para simular essa condição, mas deixando os ovários nas vacas (Figura 11).
A retirada dos ovários resultou na completa e imediata eliminação da progesterona do sistema. Em estudos histológicos conduzidos na década de 1970, pesquisadores observaram que havia células luteais (células que produzem progesterona) na parede folicular. Portanto, suspeitamos que o próprio cisto seja a origem da progesterona. Essa secreção anormal de progesterona contribui para a reposição do cisto por outro cisto. Com base nesses resultados, podemos ver como a produção anormal de progesterona por um cisto pode levar à formação de outro cisto. No entanto, ainda não conseguimos identificar o motivo para formação do primeiro cisto. Existe uma concentração anormal de progesterona presente no momento em que o primeiro cisto é formado? Essa provou ser uma pergunta muito difícil de responder. Temos dados muito limitados , mas parece que o folículo destinado a formar o primeiro cisto pós-parto muitas vezes começa a secretar uma quantidade pequena de progesterona logo antes de chegar ao tamanho ovulatório, prevenindo sua própria ovulação e transformando-o em um cisto.
Tratamentos. Até agora foram descritas pesquisas recentes sobre a base biológica da formação, manutenção e turnover de cistos ovarianos em vacas leiteiras. Toda essa pesquisa foi conduzida na esperança de que levaria a novas abordagens para prevenir a formação de cistos ou tratamentos para cistos já formados. Obviamente, seria muito melhor conseguir prevenir a formação de cistos do que precisar tratá-los. Infelizmente, a causa biológica de base para a formação dos cistos ainda não á conhecida. Não sabemos o que leva o hipotálamo a ficar insensível ao estímulo do estradiol em primeiro lugar. Talvez seja a progesterona, mas pode ser algo completamente diferente.
Até que essa pergunta essencial seja respondida, é improvável que consigamos prevenir a formação de cistos de maneira eficiente. Um dos motivos para otimismo nessa área é que a propensão para formação de cistos é uma característica herdável, sugerindo que existe um componente genético envolvido. No futuro, talvez consigamos reduzir a incidência de cistos através da seleção. Talvez possamos selecionar touros para inseminação artificial que carreguem genes que tornarão sua progênie menos propensa ao desenvolvimento de cistos. Teoricamente poderíamos comparar os genes de touros "normais" e "resistentes a cistos" para identificar a causa biológica da formação dos cistos. Essa abordagem talvez esteja disponível nos próximos 10 anos. A "próxima geração" da tecnologia de sequenciamento do genoma já está bastante rápida e com melhor custo benefício.
Até que sejam desenvolvidas abordagens preventivas teremos que nos contentar em tratar os cistos formados. Felizmente, há esperança nessa área. O procedimento mais comum para tratar os cistos nos Estados Unidos é administrar GnRH (100 μg), seguido por uma aplicação de prostaglandina (PG) F2α (25 mg) 7a10 dias mais tarde. As vacas são inseminadas quando apresentam comportamento de estro, normalmente de 3 a 5 dias depois do fim do tratamento. Esse método tem sido usado com diferentes graus de sucesso. O GnRH é administrado para acabar com a capacidade funcional do cisto. A estrutura pode permanecer por várias semanas, mas não é mais capaz de inibir a maturação dos outros folículos. O GnRH também faz com que o cisto fique suscetível ao efeito regressivo da PGF2α. O GnRH parece ser razoavelmente eficiente nesse ponto. O problema com esse método é que muitas vezes o folículo não ovula e acaba formando um novo cisto. Mais uma vez o problema de base continua. O hipotálamo continua resistente ao efeito estimulante do estradiol necessário para desencadear a ovulação. Uma abordagem para corrigir esse problema é induzir a ovulação do novo folículo com GnRH. Um protocolo típico seria o seguinte:
1) GnRH (100 μg) no diagnóstico do cisto (dia 0)
2) PGF2α (25 mg) 7 dias após o GnRH (dia 7)
3) GnRH (100 μg) e inseminação 2 dias após a PGF2α (dia 9)
Muitos de vocês talvez reconheçam esse protocolo como COSYNCH, uma variação do OVSYNCH, o famoso protocolo de sincronização para inseminação a tempo fixo. Esse método é usado para rebanhos grandes para eliminar a necessidade de detecção de estro. Muitos veterinários e pesquisadores relatam taxas de concepção da ordem de 30 a 40% em vacas císticas quando usam esse protocolo.
Vários pesquisadores têm testado a progesterona como alternativa ao GnRH para eliminar o cisto. Observamos que uma única injeção de progesterona (500 mg) encurta a vida de um cisto em 7 dias (Figura 12). Isso pode parecer estranho, principalmente depois de eu ter dito que a progesterona pode contribuir para a formação de cistos. A progesterona é um potente inibidor da secreção de LH e os cistos dependem do LH para sobreviverem. A progesterona ainda tem a vantagem adicional de reajustar o hipotálamo e pode restabelecer sua sensibilidade ao estradiol. Infelizmente, a única forma de progesterona disponível comercialmente nos Estados Unidos é o CIDR, um implante intravaginal que libera progesterona. Conduzimos várias pesquisas usando CIDR e vimos que ele libera progesterona em concentrações relativamente baixas. Em um experimento recente, observamos que mesmo dois CIDRs não produziam uma quantidade de progesterona suficiente para inibir a secreção de LH. Parece que será necessária uma nova formulação de CIDR com uma concentração muito mais alta de progesterona para inibir suficientemente a secreção de LH e eliminar a função do cisto.
Outra abordagem é tratar o cisto com PGF2α. Como discutido anteriormente, os cistos são provavelmente a origem das baixas concentrações de progesterona que contribuem para formação de novos cistos. Estudos histológicos mostraram que os cistos têm uma pequena quantidade de tecido luteal que produz progesterona. O corpo lúteo em si é composto por tecido luteal. Podemos provocar a regressão do corpo lúteo usando PGF2α e parece haver um efeito semelhante com os cistos. O tratamento dos cistos com uma dose padrão de PGF2α consegue interromper a secreção de progesterona.
Acredita-se que a progesterona ou a PGF2α podem servir como ponto de partida para uma nova abordagem terapêutica para o tratamento de cistos ovarianos. Será importante acompanhar o crescimento e o desenvolvimento folicular após a aplicação de cada uma dessas substâncias. Quando isso for conhecido poderemos administrar GnRH no momento adequado para induzir a ovulação. Isso poderá ser feito junto com a inseminação a tempo fixo. Estarão sendo avaliando esses protocolos ao longo dos próximos anos.
Figura 1. Imagem ultrassonográfica (à esquerda) de um ovário com um folículo normal (estrutura grande e preta no centro da imagem) logo antes da ovulação. Ele tem cerca de 16 mm de diâmetro. A imagem da direita foi incluída para ajudar na interpretação da imagem ultrassonográfica. Trata-se da mesma imagem com os contornos do ovário (cinza) e do folículo (preto).
Figura 2. Imagem ultrassonográfica (à esquerda) de um ovário com um cisto folicular (estrutura preta grande). Está na mesma escala que a imagem da Figura 1. O folículo tem aproximadamente 24 mm de diâmetro. Os contornos do ovário (cinza) e do folículo (preto) estão representados na imagem à direita.
Figura 3. Padrões de crescimento dos folículos durante a primeira onda folicular de um ciclo estral.
Figura 4. Padrão de crescimento do folículo dominante durante o ciclo estral. Apenas o folículo dominante de cada onda está representado. O * indica a ovulação.
Figura 5. Padrão de crescimento do folículo dominante em uma vaca que forma um cisto ovariano. Apenas o folículo dominante de cada onda está representado.
Figura 6. Representação esquemática do eixo reprodutivo.
Figura 7. Porcentagem de vacas leiteiras císticas (n=32) divididas em três categorias de concentração de progesterona no momento do diagnóstico do cisto.
LOW = BAIXA < 0,1 ng progesterona(P)/ml
INT = Intermediária> 0,1 and < 1,0 ng P/ml
HIGH = ALTA > 1,0 ng P/ml
Figura 8. Esses são dados de uma vaca de nosso experimento. Monitoramos o crescimento e o desenvolvimento folicular por mais de 50 dias. Os diâmetros dos folículos individuais estão representados por ◊,♦, e ▲. A progesterona está representada pela linha vermelha. ♦ é o cisto presente no início do período de observação. ◊ é um folículo que se desenvolveu na presença de uma concentração anormal de progesterona. Como se pode ver, ele não ovula e forma outro cisto. ▲ é um folículo que ovulou. As concentrações de progesterona saíram da faixa anormal durante seu desenvolvimento.
Figura 9. Destino de folículos que se desenvolvem na presença de concentrações anormais de progesterona, ou quando a progesterona cai para níveis baixos. 16 de 18 folículos (89%) que se desenvolveram na presença de concentrações anormais de progesterona formaram cistos. Claramente, níveis anormais de progesterona levam à formação de cistos. 17 de 29 folículos (59%) que se desenvolveram na presença de níveis baixos de progesterona ovularam. Entretanto, 12 folículos formaram cistos. Devem existir outras causas para cistos além de níveis anormais de progesterona.
Figura 10. Concentrações de progesterona (quadrados em preto) e porcentagem de vacas ovulando (barras em vermelho) após receberem CIDRs que haviam sido pré-incubados em outras vacas por diferentes períodos de tempo. Os animais controle não receberam CIDRs e apresentaram as concentrações mais baixas de progesterona; todas as vacas desse grupo ovularam normalmente. As vacas que receberam CIDRs novos (CIDR-0) apresentaram as concentrações mais altas de progesterona e nenhuma delas ovulou. Vacas que receberam CIDRs pré-incubados em outras vacas, por 14 ou 28 dias, apresentaram concentrações intermediárias de progesterona, semelhantes às observadas na maioria das vacas císticas, e muitas delas não ovularam.
Figura 11. Efeito da ovariectomia sobre a concentração de progesterona em vacas com cistos ovarianos.