Resumo
Há muita discussão em torno do possível antagonismo entre alta produção de leite e desempenho reprodutivo. Este artigo revisa métodos de mensuração do desempenho reprodutivo e da associação entre produção de leite e taxa de prenhez entre indivíduos e rebanhos. A principal questão é se a fertilidade (a capacidade de manutenção da função reprodutiva e da prenhez) das vacas leiteiras de fato declinou, em contraste com o sucesso dos sistemas e práticas de manejo em atender as necessidades metabólicas, de alojamento e sociais de animais com produção crescente e se isto pode ser atribuído ao aumento da produção de leite. Não há dúvidas de que a produção por vaca aumentou, mas não se sabe quanto desse aumento pode explicar o aparente declínio da fertilidade. É importante separar a biologia da função reprodutiva dos efeitos de decisões de manejo (descarte) baseadas em fatores econômicos. A maioria dos parâmetros reprodutivos tradicionais (intervalo entre partos, taxa de concepção, taxa de não retorno ao cio) corresponde a medidas de resultados incompletos ou tendenciosos. Tanto os dados de rebanho quanto os individuais devem incluir a maior quantidade de informação possível a respeito dos fatores de confundimento que podem interferir na relação entre produção e reprodução. Dados populacionais ou de rebanho não devem ser extrapolados para associações individuais. A qualidade dos dados e dos métodos analíticos disponíveis na literatura não permite o estabelecimento de associação clara entre alta produção de leite e probabilidade e momento de ocorrência da prenhez, considerando-se vacas de vários níveis de produção de uma mesmo população em um dado momento, ou o aumento da produção ao longo do tempo.
Introdução
A produção de leite e o desempenho reprodutivo são os principais fatores determinantes da lucratividade em vacas leiteiras. O possível antagonismo entre alta produção de leite e desempenho reprodutivo é um dos principais assuntos discutidos entre produtores de leite e pesquisadores. Alguns se preocupam com a seleção genética para fertilidade, ou questionam se o manejo é capaz de satisfazer as necessidades das vacas em termos de alta produção e obtenção de prenhez no momento adequado. Este artigo é uma revisão dos métodos de mensuração do desempenho reprodutivo e da associação entre nível de produção de leite e taxa de prenhez, tanto no nível de rebanho como no nível individual.
Muitos artigos mencionam declínio da fertilidade em vacas leiteiras ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, mas faltam dados confiáveis que possam embasar tais afirmações. Alguns conjuntos de dados bastante citados [2, 3, 4] indicam declínio do risco de concepção ao longo dos últimos 50 anos, intervalo em que houve aumento considerável da produção de leite por vaca. Tais dados devem ser avaliados com cuidado. Associações temporais não implicam causalidade. Além disso, muitos aspectos da produção leiteira sofreram mudanças durante as duas últimas gerações, portanto devemos ter cautela ao inferir relação de causa e efeito entre alta produção e redução do desempenho reprodutivo em situações com grande potencial de ocorrência de fatores de confundimento.
Revisando estudos sobre a associação entre produção de leite e reprodução, Morton [5] destacou alguns pontos fracos: a) muitos estudos ignoraram outras variáveis que sofreram alteração ao longo do tempo de acordo com a produção e a reprodução, tornando-se vulneráveis ao efeito de confundimento e, portanto, superestimando o efeito da produção; b) possíveis vieses na associação aparente, devido a redução da produção de leite em relação a prenhez em si ou as decisões de manejo relacionadas ao momento da primeira inseminação em função da produção de leite, ou a ambos, podem não ter sido considerados e c) pode haver influência de uma falácia ecológica, isto é, inferências equivocadas no nível individual, a partir de dados de rebanho ou populacionais.
Acredita-se que a maior produção de leite seja a causa do aparente declínio do desempenho reprodutivo porque isso parece plausível e ambos ocorreram ao mesmo tempo; outras variáveis potenciais de confundimento da probabilidade e do momento de ocorrência da prenhez (adequação da dieta e do manejo nutricional, alojamento, mão-de-obra qualificada, etc.) são ignoradas, ou consideradas, mas não analisadas, por serem dados difíceis de obter. A principal questão é se a fertilidade (a capacidade de manutenção da função reprodutiva e da prenhez) das vacas leiteiras de fato declinou, em contraste com o sucesso dos sistemas e práticas de manejo no atendimento das necessidades metabólicas, de alojamento e sociais de animais de produção crescente dotados de boa capacidade reprodutiva, e se a fertilidade de fato caiu a ponto que possa ser atribuído ao aumento da produção de leite. Não há dúvidas de que a produção por vaca aumentou, mas não se sabe quanto desse aumento pode explicar o aparente declínio da fertilidade. É importante separar a biologia da função reprodutiva dos efeitos de decisões de manejo (descarte ou manutenção da reprodução) baseadas em fatores econômicos. Animais de maior produção tendem a ser inseminados e têm menor chance de descarte [6]. Não se sabe se a taxa de prenhez (isto é, a probabilidade da vaca emprenhar por unidade de tempo; literalmente, a velocidade com que a vaca emprenha) vem caindo nos diversos sistemas de produção de leite mundiais.
A herdabilidade estimada da fertilidade é baixa (abaixo de 5%, comparada a 25 a 50% para características produtivas) [9]. Foram relatadas correlações genéticas e fenotípicas de baixa a moderada entre produção e reprodução, mas geralmente em direção desfavorável (dados resumidos por Pryce et al [10]). Entretanto, é difícil saber como aplicar essa informação, uma vez que ela se baseia em dados tendenciosos ou incompletos.
Referências
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