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Leite clandestino: um problema real!

ESPAÇO ABERTO

EM 01/12/2000

7 MIN DE LEITURA

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Elizabeth M.M.Q.Farina, Marcos Sawaya Jank, André Meloni Nassar e Fátima A. Ferreira Ribeiro

Vários estudos têm apontado o mercado informal como um dos fatores que dificultam a modernização do sistema agroindustrial do leite no Brasil, afetando negativamente a sua competitividade. Esse mercado tem duas origens: a evasão fiscal e o leite clandestino, sem inspeção higiênico sanitária. O primeiro gera problemas de concorrência desleal e o segundo agrega riscos à saúde pública.

O Prof. Sebastião Teixeira Gomes, da Universidade Federal de Viçosa, tem questionado a importância real da produção clandestina e seus efeitos deletérios sobre o agronegócio do leite. Seu argumento baseia-se na revisão da metodologia até hoje utilizada para calcular a quantidade de leite comercializado sem inspeção federal. Segundo diversas matérias publicadas na imprensa, a metodologia despreza o leite consumido na própria empresa rural, o chamado autoconsumo. Isso porque o leite informal tem sido calculado como sendo a diferença entre a produção total e o leite vendido no mercado formal.

Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (1995/96), a produção total de leite era de 17,93 bilhões de litros ano, e a produção vendida 14,21 bilhões. Com base nesses números, o Prof. Sebastião conclui que o autoconsumo corresponde a 21% da produção nacional. Em seguida, o professor subtrai 11,41 bilhões de litros que corresponderiam à venda de leite inspecionado, utilizando, para isso os dados da Pesquisa Mensal do Leite, também do IBGE, adicionados a 4% de venda de leite inspecionado em nível estadual. O professor chega a conclusão de que o Bicho Feio (mercado clandestino) não passaria de 15,6% do volume total de leite produzido no País e, por isso, influenciaria muito pouco o agregado doméstico (tabela 1).
 


(1) (2) (6) Dados fornecidos pelo Censo Agropecuário 1995-96.
(4) Média aritmética da Pesquisa Mensal do IBGE dos anos de 1995 e 1996 (10,97 bilhões de litros) adicionada a 4% do volume total "inspecionado" de mini-usinas em nível estadual.
(7) (8) Calculado pelo PENSA, considerando famílias de 4 membros.

No entanto, o Prof. Sebastião comete alguns erros fundamentais que comprometem as boas intenções de suas estimativas: o autoconsumo está superestimado e o cálculo do mercado informal está errado.

O autoconsumo do Prof. Gomes está claramente superestimado. Com base no Censo Agropecuário de 1995/96, o Prof. Gomes estima o autoconsumo como a subtração do leite vendido (14,21 bilhões de litros) da produção total estimada (17,93). No entanto, parte do leite não vendido na forma in natura é transformada em queijos, doce de leite e outros derivados na propriedade rural e também comercializada. O Censo Agropecuário de 95/96 informa a venda de derivados de leite fabricados e vendidos por proprietários rurais, e que o Prof. Sebastião erroneamente contabiliza como autoconsumo. Sendo assim, deveriam ter sido subtraídos do total da produção não somente os 14,21 bilhões de litros vendidos como leite in natura, mas também 1,22 bilhões de litros equivalentes à produção vendida de queijos pelos próprios produtores de leite. Isso resulta num autoconsumo de 2,49 bilhões de litros em 1995/96, e não de 3,72 bilhões estimados pelo Prof. Gomes (tabela 2). Dessa forma, a produção destinada ao autoconsumo em 1995/96 corresponderia a 13,9% da produção, e não aos 20,7% calculados pelo Prof. Sebastião. Note-se que se os cálculos forem feitos da forma correta (tabela 2), o autoconsumo estimado da família do produtor (considerando quatro membros por família) seria de 259 litros/pessoa/ano em 1985 e 344 litros/pessoa/ano em 1995/96, ao nosso ver bem mais realista do que os 513 litros (!!) por membro da família do pecuarista estimados pelo Prof. Gomes. Saliente-se que o consumo per capita no Brasil em 1995/96 foi de 132,4 l/habitante/ano, quase quatro vezes menor do que o decorrente dos números do nosso estimado colega.
 


(1) (2) (3) Dados fornecidos pelo Censo Agropecuário 1995-96
(7) (8) Calculado pelo PENSA, considerando famílias de 4 membros
Elaboração: PENSA, 2000

O cálculo do mercado informal está errado. Uma vez estimada a produção de leite comercializada pelos estabelecimentos rurais, o Prof. Gomes erra novamente ao calcular o que vai para o mercado formal e informal. Até 1996, a Pesquisa Mensal do IBGE não correspondia ao mercado formal e, portanto, não poderia ser subtraída da produção total para estimar o mercado informal. Pelo contrário, a Pesquisa era censitária e incluía, portanto, estabelecimentos inspecionados e não inspecionados, com base no cadastro do Censo Industrial de 1985. O Prof. Sebastião incorre no mesmo equívoco de Jank, Farina & Galan (1999), que também utilizaram, inadvertidamente, a Pesquisa Mensal do IBGE como se correspondesse a estabelecimentos sujeitos à inspeção federal, para calcular o mercado informal. Note que a diferença não é a produção inspecionada pelo Estado ou Município, conforme afirma o Prof. Sebastião. O IBGE incluía o leite recebido por estabelecimentos sem qualquer tipo de inspeção sanitária.

Somente a partir de 1997, com a Pesquisa Trimestral do Leite, é que o IBGE passou a divulgar estatísticas levantadas exclusivamente com base em estabelecimentos inspecionados (Federal, Estadual e Municipal). O IBGE informa que as duas séries simplesmente não podem ser comparadas!

É possível estimar a participação do mercado informal. Uma vez que conhecemos a produção formal a partir de 1997, podemos estimar o mercado clandestino. Considerando que de um ano para outro a variação na proporção do autoconsumo deva ser desprezível, e adotando as porcentagens relativas dos dois últimos Censos Agropecuários para o cálculo da distribuição da produção entre autoconsumo e leite comercializado para os anos subseqüentes, pode-se chegar a uma estimativa do mercado informal conforme demonstrado na tabela 3.
 


(1) CNA/Decon e Leite Brasil
(2) Pesquisa Trimestral de Leite do IBGE
(3) Calculado à partir do coeficiente estimado pelos Censos Agropecuários de 1985 e 1995 (79% da produção total)
(4) Calculado à partir do coeficiente estimado pelos Censos Agropecuários de 1985 e 1995 (6,8% da produção total)
(5) Produção Vendida de Leite + Produção Vendida de Queijo e outros derivados (em equivalente leite)
(6) Produção Total de Leite - Produção Total Vendida
(7) Produção Total de Leite - Produção de Leite Inspecionado - Autoconsumo
(8) (9) (10) Estimado pelo PENSA
Elaboração: PENSA 2000

Com base nas estimativas realizadas, o mercado clandestino corresponderia a algo entre 28% e 29% do total desde 1997 (e não aos 16% calculados pelo Prof. Sebastião Gomes). Ademais, 28% ainda é uma estimativa conservadora do leite não inspecionado, uma vez que a participação do autoconsumo na produção total deve declinar à medida em que a produção aumenta. Da argumentação anterior segue que o mercado informal alimentado pela comercialização clandestina representa quase 1/3 da produção total de leite do País, o que confirma a sua importância como fator de instabilidade do preço ao produtor no Brasil, conforme apontamos de maneira contundente em Jank, Farina e Galan (1999).

Vale destacar, ainda, que o leite dirigido ao autoconsumo na propriedade leiteira não pode deixar de ser também classificado pela sociedade e pelo poder público como clandestino (ou informal), já que ele também não é inspecionado por qualquer órgão de fiscalização, podendo estar totalmente contaminado por tuberculose, brucelose e outras doenças. É por isso que muitos países desenvolvidos (a Suécia e a Dinamarca, por exemplo) literalmente proíbem o autoconsumo de leite na propriedade rural. Outros países como a Holanda costumam não recomendar o autoconsumo, mesmo considerando que na totalidade dos países desenvolvidos as fazendas são periodicamente inspecionadas pelos agências fiscalizadoras, ao contrário do que ocorre no nosso País.

O leite informal tem efeitos perversos sobre a modernização e a competitividade do leite brasileiro porque exacerba o comportamento oportunista e a ruptura de relações contratuais estáveis, amplia as variações de preço típicas da atividade e, por último, agrega um elemento espúrio de concorrência: a sonegação fiscal. A produção clandestina não tem compromissos com o consumidor, nem com seus fornecedores. Sua vantagem competitiva está calcada em vantagens de custo advindas de baixos investimentos em controle de qualidade e da sonegação fiscal. Desfruta, ainda, de custos menores para entrar e sair da atividade industrial e comercial. Não se restringe à oferta do pequeno produtor de leite, como acredita o Prof. Sebastião, nem à pequena empresa industrial. Não temos boas estatísticas sobre a dinâmica do mercado informal, exatamente porque é informal e não se esgota no leite sem inspeção.

O lado mais preocupante, entretanto, dessa tentativa de redução da importância da produção clandestina está em subestimar os impactos sobre a segurança do alimento em um volume de leite que corresponde a mais de 40% da produção brasileira!!. Pesquisa recente, realizada por Heloísa Rios, mostra que o consumidor estimula o desenvolvimento do mercado informal, porque acredita que o produto seja puro e natural, além de ser mais barato. Esse resultado traz a prova inconteste da necessidade da ação fiscalizadora do Estado, por meio da Agência de Vigilância Sanitária e a necessidade de informar o consumidor dos riscos a que está exposto, tema aliás colocado na centro da agenda de ações da recém criada Associação Láctea Brasil.

Por último, subestimar a importância do mercado informal impede que providências sejam tomadas para reduzir a elevada carga tributária que incide sobre um produto básico de alimentação, além de reduzir os incentivos para ação coordenada no SAG brasileiro do leite no sentido de melhorar sua competitividade, por meio do investimento em qualidade e custos.

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1 Professora Titular da FEA-USP e coordenadora adjunta do PENSA-USP
2 Professor Doutor da ESALQ-USP e atualmente Professor Visitante nas Universidades de Missouri e de Georgetown nos EUA.
3 Doutorando pela FEA-USP e Pesquisador Sênior da FIPE e do PENSA-USP.
4 Engenheira Agrônoma e Pesquisadora Júnior do PENSA-USP.

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