É inegável a importância atual dos antimicrobianos como ferramenta para manutenção as saúde das vacas leiteiras, tanto por sua utilização para tratamento ou mesmo como estratégia de prevenção de algumas doenças. Não se pode esquecer que o uso destes medicamentos é também uma medida fundamental para a garantia do bem estar dos animais, em particular quando estes são acometidos por doenças infecto-contagiosas. No entanto, o emprego de antimicrobianos em animais de produção tem sido incriminado como possível origem de resistência bacteriana, além de apresentar aumento do risco de resíduos de antimicrobianos em alimentos de origem animal, principalmente no leite. Com base nestas preocupações, foi criado um grupo de pesquisadores de renome internacional para apresentar, com base nos trabalhos científicos disponíveis, uma posição sobre a ocorrência de resistência de microrganismos causadores de mastite com relação à utilização de antimicrobianos em fazendas leiteiras. Este grupo de pesquisadores produziu um documento que foi publicado nos Anais do Encontro Anual do National Mastitis Council de 2004. Entre as questões investigadas, destaca-se o impacto de mais de quatro décadas de utilização de tratamentos antimicrobianos para vacas secas e em lactação sobre a emergência de resistência antibacteriana dos patógenos causadores de mastite e se existem evidências científicas para a necessidade de mudança dos produtos de vacas secas para evitar a ocorrência de resistência microbiana.
Com base nesta extensa revisão da literatura científica sobre resistência bacteriana, pode-se afirmar que a ocorrência de bactérias resistentes foi descoberta tão logo começou o uso de drogas antimicrobianas, tanto em medicina humana quanto veterinária. Os trabalhos demonstrando a resistência bacteriana datam de mais de 30 anos atrás. Desta forma, uma maneira de verificar se a resistência é emergente ou mesmo progressiva seria comparando a resistência atual e a anterior. No entanto, este tipo de comparação não é possível na maioria das vezes pelo uso de técnicas diferentes, o que torna a comparação não válida. Adicionalmente, muitos estudos não apresentam resultados classificados quanto à espécie bacteriana e sim agrupam microrganismos em coliformes ou estreptococos. Como esperado, existe grande variação entre a concentração inibitória mínima (MIC) entre espécies do mesmo gênero, podendo variar em até 30 vezes para a mesma droga.
Entre os microrganismos causadores de mastite, o Staphylococcus aureus é o que possui o maior número de estudos investigando a ocorrência de resistência. Uma importante característica deste agente é a sua capacidade, em algumas cepas, de produção de beta-lactamase, quando expostas a drogas beta-lactâmicas (penicilina e ampicilina, por exemplo). A ocorrência de beta-lactamase aumenta a resistência do S. aureus aos beta-lactâmicos. Entretanto, de acordo com os estudos atuais, não existe evidência de que este tipo de adaptação ou resistência do S. aureus seja diferente do que era há 30 anos atrás. Outra evidência que reforça este fato é que os valores de MIC para agentes isolados da glândula mamária de vacas em lactação não são diferentes daqueles dos agentes isolados de glândulas mamárias de novilhas, ainda que os microrganismos isolados de novilhas tivessem pouco ou nenhuma exposição a drogas antimicrobianas. Em humanos, uma grande preocupação é a ocorrência de cepas de S. aureus resistentes a meticilina e a vancomicina. Estes tipos de resistência não foram identificados em amostras de origem de vacas leiteiras em estudos realizados nas décadas de 80 e 90, o que indica que não existe evidência da presença destas cepas como agentes causadores de mastite em vacas leiteiras.
Poucos estudos investigaram a freqüência de resistência bacteriana dentro de uma região geográfica ao longo do tempo utilizando o mesmo laboratório e técnica. Em estudo realizado na Inglaterra sobre a resistência de S. aureus de vacas com mastite subclínica e clínica não foi verificada nenhuma tendência ao longo do tempo. Por outro lado, em estudo comparando amostras de vacas com mastite na Finlândia entre 1988 e 1995, observou-se aumento da proporção de amostras resistentes a penicilina de 32 para 52%. Em outros dois estudos nos EUA, não foi observada tendência de aumento da resistência de amostras de patógenos causadores de mastite. Sendo assim, em quatro estudos apenas um apresentou aumento da resistência (penicilina), enquanto os demais não apresentaram qualquer tendência de aumento.
Uma conclusão definitiva sobre os padrões de resistência dos patógenos causadores de mastite é muito difícil de ser apresentada, em função das limitações da literatura científica. Ainda que possa ser considerada um risco, não existe evidência de que a resistência bacteriana é um processo emergente para os microrganismos causadores de mastite. Adicionalmente, não existem evidências científicas de que o uso do tratamento de vaca seca aumente a ocorrência de resistência bacteriana.
Fonte: NMC Annual Proceedings, p. 400-414, 2004.