A mastite, considerada a enfermidade mais prevalente e mais onerosa entre os rebanhos leiteiros dos países desenvolvidos, e a alta contagem de células somáticas (CCS), conseqüência desta inflamação, leva a um decréscimo da qualidade do leite cru, o que determina menor processabilidade da matéria-prima. Má qualidade higiênica e, mais especificamente, a alta CCS têm implicações na cadeia produtiva do leite, processamento, tempo de vida de prateleira e qualidade sensorial do produto, e indiretamente sobre a preocupação do consumidor no que diz respeito à saúde pública. Essa perda monetária e de confiabilidade no produto é transferida ao produtor, que acaba por receber menores preços pelo leite entregue. Muitas vezes, ainda, penalizações são adotadas, tais como a exclusão temporária do produtor como fornecedor ou deduções de seu pagamento, fatores que prejudicam todo o mercado.
Desta forma, os programas de pagamento por qualidade incentivam financeiramente o produtor a fornecer leite de melhor qualidade. Mas, a despeito destes programas bonificarem o produtor com um incentivo monetário para a manutenção da qualidade, sobretudo a baixa contagem de células somáticas do tanque, o grau em que esses indutores monetários influenciam a qualidade não é conhecido. Sobre este aspecto, simulações preliminares realizadas em 1990 e 1992, com os dados sobre a qualidade do leite holandês e canadense sugeriram que rebanhos com baixa média anual de CCS são menos susceptíveis a variação de suas contagens, enquanto que propriedades com média de CCS anual alta eram mais variáveis. Esses estudos permitiram concluir que incentivos financeiros sob a forma de programas de premiação por qualidade, poderiam motivar uma ação em prol da redução do número de produtores com alta CCS.
Para demonstrar a maneira como os produtores são influenciados pelos prêmios oferecidos nos programas de pagamento por qualidade, pesquisadores avaliaram a qualidade do leite fornecido a uma grande cooperativa norte-americana, após a implantação de um programa de bonificações pela qualidade de leite, e durante seu processo de implementação. Para tanto, buscaram estimar o impacto das bonificações adotadas pelo programa da cooperativa sobre a subseqüente qualidade de leite dos seus cooperados individualmente, sobre a qualidade do leite total recebido pela cooperativa, e sobre a probabilidade de um produtor fornecer leite com CCS<100.000 céls/mL num determinado mês.
A cooperativa em questão era responsável pela captação de aproximadamente 1% do leite daquele país durante o período do estudo, que ocorreu entre abril de 1998 e dezembro de 2005. Para tanto, os pesquisadores registraram o volume de leite captado de cada propriedade (que somaram, ao final do estudo, 36.930 observações), o preço recebido pelo leite entregue (US$/100 kg), e a contagem de células somáticas.
Apesar de agressiva, a política de pagamento adotada pela cooperativa era bastante variável para o parâmetro CCS - que variava de US$ 0,15 a US$ 1,00 para cada 100 kg de leite captado com baixa CCS (<100.000 células/mL) - o que permitiu aos pesquisadores a avaliação do impacto do programa sobre a CCS do tanque de seus cooperados durante o estudo. Durante este período, as bonificações seguiram o seguinte cronograma de adoção: de abril de 1998 a fevereiro de 1999, bonificação de US$ 0,15/100 kg com CCS<100.000 céls/mL; US$ 0,50/100 kg de prêmio entre fevereiro de 1999 e julho de 2001; US$ 1,00/100 kg entre agosto de 2001 e julho de 2002; e US$ 0,60/100 kg a partir de agosto de 2002. Bonificação aos produtores com contagens entre 100.000 e 150.000 céls./mL; entre 150.000 e 200.000 céls/mL; e entre 200.000 e 300.000 céls./mL também eram oferecidas, com deduções proporcionalmente menores.
Os pesquisadores levaram em consideração, inclusive, as variações sazonais, de rebanho, a produção individual do produtor e a bonificação adotada na época. Foi demonstrado que o programa de premiações teve forte influência tanto na CCS média dos produtores, quanto na probabilidade de um produtor, num dado mês, fornecer um leite com CCS<100.000 céls./mL.
A partir dos resultados ilustrados na Figura 1, pode-se observar que as médias ponderais mensais (CCS ponderal) do leite recebido pela cooperativa e as médias individuais de tanque (CCS do produtor) dos cooperados seguem a mesma tendência. As médias ponderais mensais permitem visualização da tendência da CCS para o leite captado em sua totalidade pela cooperativa, enquanto que as médias individuais demonstram as tendências da CCS ao nível do produtor.
Figura 1: Variação temporal da CCS média dos produtores (□) e CCS ponderal (■), por mês. (Adaptado de Nightingale et al. 2008).
Fonte: Nightingale et al. Journal of Dairy Science, 2008.