Por ser a raça bovina de maiores produções de leite, tem sido a raça de escolha em diversas regiões, tanto no Brasil como em outros países. No Brasil, além das regiões de clima mais ameno onde a raça Holandesa já é explorada há muitas décadas, poderíamos citar a escolha da raça Holandesa em novos projetos leiteiros no estado de Goiás, hoje o segundo maior produtor de leite nacional, ou ainda no sudoeste paranaense, regiões até pouco tempo atrás consideradas inóspitas para uma raça européia especializada.
Em outros países poderíamos mencionar a predominância de rebanhos Holandeses hoje nos EUA e em outros países de pecuária leiteira mais intensiva. Como está descrito na Figura 1, a raça Holandesa constituía 60% do rebanho leiteiro norte-americano em 1940. Hoje, mais de 90% da população de vacas leiteiras nos Estados Unidos é de gado Holandês. Percebam que todos os demais grupamentos raciais perderam espaço, particularmente a raça Guernsey.
Figura 1. Principais raças bovinas leiteiras nos Estados Unidos em 1940 e em 2005.
Fonte: Hoard´s Dairyman (2006)
Pontos fortes
A raça Holandesa originalmente era uma raça de dupla aptidão (Frísia), e passou a ser selecionada exclusivamente para aptidão leiteira na América do Norte, a partir do fim do século XIX.
A principal qualidade da raça Holandesa é a sua extraordinária capacidade de produzir grandes volumes de leite. Por causa do seu sucesso como uma raça de altas produções leiteiras, por longos períodos de lactação, a raça Holandesa tem uma demanda crescente em todo o mundo.
Outro ponto a ser destacado é o notável melhoramento alcançado na raça Holandesa em volume (ou quilogramas) dos componentes gordura e proteína. Embora a raça Holandesa seja corretamente associada com a produção de leite com os mais baixos teores de gordura e de proteína é importante salientar que o mais importante para a indústria são volumes de componentes, e não seus percentuais. Como pode ser constatado na Tabela 1, a raça Holandesa é a raça leiteira que produz as maiores quantidades de gordura e de proteína, até mesmo superiores a raças reconhecidas pela excepcional composição do seu leite.
Tabela 1. Produções médias de leite, gordura e proteína nas principais raças leiteiras nos Estados Unidos em 2006, oriundas de rebanhos em controle leiteiro.
Fonte: USDA, Summary of Herd Averages (2007)
Um último ponto que gostaríamos de destacar é a diversidade de material genético existente hoje na raça Holandesa e a possibilidade de escolher sêmen de centenas de reprodutores provados de distintas famílias e linhagens. Em contraste, para criadores das raças Jersey e Pardo-Suíço as opções de sêmen provado são em menor número no mercado. Basta abrir qualquer catálogo de Central de I.A. com sêmen comercializado no Brasil para constatarmos que esta afirmação não é exagerada. Portanto, nestas raças de menor população, e com número reduzido de opções de reprodutores provados, os riscos de consangüinidade são maiores.
Limitações
O tamanho atual de uma típica vaca Holandesa é considerado excessivo por muitos. Vacas demasiadamente grandes apresentam de fato maiores exigências energéticas de mantença e, portanto precisam ter altos consumos de alimentos para atender esta alta demanda. Vacas demasiadamente grandes não produzem mais leite do que vacas medianas. E por outro lado, estas vacas excessivamente grandes apresentam longevidade 15% inferior às vacas medianas.
Para os (poucos) criadores que têm uma fatia significativa de sua receita oriunda da comercialização de animais e dependem de participações em exposições e leilões, há suficiente variabilidade na raça Holandesa para escolher indivíduos com avaliações genéticas positivas para tipo e características corporais. Mas para o produtor que basicamente depende da comercialização de leite, as características de conformação que deveriam receber maior ênfase são as de sistema mamário e pernas & pés. Para este produtor "comercial" vacas Holandesas de porte médio, com 625 kg PV são mais eficientes e lucrativas.
Criadores e técnicos da raça Holandesa devem ter uma preocupação crescente com o aumento nas incidências de distocia e de natimortos em rebanhos especializados. Natimortos são os bezerros que nascem mortos ou que morrem poucos minutos após o nascimento. A meta é limitar esta proporção de natimortos em 4%. Sabemos que a incidência de natimortos é particularmente alta em partos distócicos e em novilhas de primeira cria que não receberam a devida atenção no período pré-parto.
Segundo dados recentemente publicados (março de 2007) pelo Laboratório de Melhoramento Animal do USDA, a raça Holandesa tem as maiores taxas de partos distócicos (ou dificuldade de parto) entre novilhas de primeira cria: 7,9%, em relação as primíparas Pardo-Suíço e Jersey, com 4,7 e 0,8%, respectivamente.
A raça Holandesa tem que continuar a se preocupar com características de saúde, resistência e conformação que afetam a lucratividade vitalícia da vaca leiteira. É evidente que para dar retorno econômico a um produtor exige-se que esta vaca permaneça um tempo mínimo no rebanho.
O tempo entre o nascimento e o primeiro parto é um longo período, onde os animais ainda não entraram na sua vida produtiva e, portanto, não estão gerando receitas. Considerando o fato que muitas vacas leiteiras somente completam três ou menos lactações na sua vida produtiva, muitos animais passam praticamente metade das suas vidas como novilhas!
Um dos parâmetros mais aceitos na avaliação de longevidade é a chamada "vida produtiva em meses"; hoje nos EUA uma vaca Holandesa tem em média somente 28,2 meses de vida produtiva. Como uma novilha tem idade média a primeira parição de 26,8 meses, podemos afirmar que a idade média que a vaca é descartada nos EUA é 55 meses (ou 4,5 anos). Este dado impressiona porque mostra que hoje a pressão e o estresse associado às altas produções são tão grandes, que a maioria das vacas não tem a oportunidade de alcançar a idade de máxima produtividade, 6-7 anos, segundo referências clássicas.
Mas há diferenças entre raças na longevidade dos rebanhos? Parece que sim: hoje nos EUA vacas Jersey e Pardo-Suíço permanecem no rebanho 35,0 e 31,6 meses, respectivamente, em contraste com os 28,2 meses da vaca Holandesa (Cassell, 2006). Ainda não foi determinado se esta menor longevidade da raça Holandesa é um "preço" a ser pago pelas altas produções ou se a vaca Holandesa é intrinsecamente mais frágil ou menos robusta que as outras raças.
Por que vacas leiteiras deixam os rebanhos? Segundo dados de outros países (Figura 2), a maioria das vacas é descartada por três principais razões: baixa produção de leite (descarte voluntário), problemas reprodutivos e mastite/problemas de úbere. Neste ano começamos a coletar estes dados junto aos cooperados da Capal Cooperativa Agroindustrial, em Arapoti-PR, e esperamos ter novidades sobre este assunto no próximo ano!
Figura 2. Principais razões de descarte de vacas na província de Quebec, Canadá.
Fonte: Quebec Dairy Herd Analysis Service (2003)
Segundo dados preliminares, a mortalidade explica 25% dos descartes de uma propriedade leiteira. Em outras palavras, de cada 4 vacas que deixam os rebanhos, 1 morre e 3 são na verdade descartadas.
Em uma pesquisa recente com 20 grandes rebanhos confinados norte-americanos determinou-se uma média de 8% na taxa de mortalidade anual, com uma variação entre rebanhos de 3,5 a 16,8% (Stone et al., 2006). Esta é uma outra área que criadores e produtores comerciais de gado Holandês, particularmente em sistemas de produção mais intensivos, têm que começar a se preocupar. A meta para rebanhos confinados são taxas inferiores a 4%.
Outro fato que tem gerado preocupação, particularmente em rebanhos de maior produtividade, é a queda da eficiência reprodutiva de rebanhos leiteiros.
Nas décadas de 50 e 60, taxas de concepção estavam em torno de 60 a 65%. Hoje, 50 anos mais tarde, muitos rebanhos se dão por satisfeitos se alcançam taxas de concepção de 30-35%. Aqui no Paraná, chegamos ao ponto que alguns rebanhos leiteiros de alta produção já nem estão tentando re-inseminar as vacas antes dos 150 dias pós-parto. Estes (ainda poucos) rebanhos constataram que em rebanhos de alta persistência e com somatotropina bovina é mais lucrativo um intervalo entre partos de 15 meses (ao invés dos tradicionais 12-13 meses).
Em grande parte, esta queda do desempenho reprodutivo pode ser atribuída às maiores produções de leite: vacas de alta produção têm menores taxas de concepção, maior perda de prenhez, maior taxa de múltipla ovulação e redução do estro comportamental (Wiltbank et al., 2006). Mas neste caso não parece ser correto associar a raça Holandesa com baixa fertilidade! Se muitos rebanhos Holandeses estão se deparando com baixa eficiência reprodutiva, isto não parece estar associado com a raça em questão, mas sim com as altas produções típicas deste grupamento racial.
Também acredito ser este o caso na crescente incidência de mastite e de desordens metabólicas no pós-parto (febre do leite, retenção de placenta, metrite, cetose, fígado gorduroso, deslocamento do abomaso, laminite, etc.). Não acredito que uma vaca Holandesa de 25 kg/dia tem mais mastite ou é menos resistente que vacas Jersey e Pardo, também produzindo os mesmos 25 kg/dia. Mas concordo que vacas Holandesas produzindo 40 kg/dia estão sob maior risco do que vacas Jersey e Pardo produzindo 25 kg/dia. Em outras palavras, parece que temos que pagar um "preço" se quisermos produções cada vez mais altas...
Por último há uma crescente preocupação com os limites térmicos que afetam a produção de leite. Neste verão de 2007 acredito que todos os criadores nacionais de raças leiteiras européias especializadas se depararam com muitos dias de estresse calórico e produção deprimida pelo baixo consumo alimentar. Embora todas as raças européias tenham sua termoneutralidade (temperatura de conforto) entre 5 e 20°C, há evidências que a raça Pardo-Suíço e principalmente a raça Jersey tenham limites térmicos um pouco mais altos que a raça Holandesa.
Para rebanhos Holandeses de alta produção será cada vez mais importante investir em instalações, práticas nutricionais e de manejo para amenizar o impacto das altas temperaturas que certamente teremos nos próximos verões.
Conclusões
Esta preocupação em discutir as limitações ou fragilidades da raça Holandesa não é idéia original minha. No ano passado a própria Associação de Gado Holandês dos EUA (Holstein Association USA) se reuniu e convocou uma "força-tarefa" para discutir os pontos fortes e fracos da vaca Holandesa de hoje. Este comitê de criadores e técnicos, denominado "Breed of the Future", relacionou alguns pontos que representam oportunidades de melhora e todos eles foram aqui brevemente discutidos.
Este artigo não teve como objetivo criticar a raça Holandesa, meramente relacionando seus pontos fracos e suas fragilidades. Admiro a raça Holandesa e seus criadores. Mas acredito que a seleção da raça Holandesa pode ser aperfeiçoada, em busca de um animal mais balanceado, em que a produção de grandes volumes de leite continuará a ser importante, mas sem esquecer que nosso produtor precisa de uma vaca saudável, longeva e fértil para ter lucro e permanecer na atividade leiteira.