Fonte: adaptado do CEPEA / ESALQ / USP, 2010.
Figura 1 - Comportamento do preço do leite nos principais estados brasileiros produtores de leite de janeiro de 2000 a julho de 2010.
A sazonalidade do preço do leite pode ser explicada por três argumentos: i) a memória do produtor safrista cria o clima para redução do preço no início da época chuvosa, mesmo que a produção não tenha aumentado significativamente, ii) o menor custo de produção no verão devido abundância de pastagens em relação ao inverno, quando o consumo de concentrado é maior e iii) as imperfeições do mercado em nível industrial que potencializa os efeitos da memória safrista e do menor custo de produção na época das águas (Marin, Cavalheiro et al., 2011).
Além da influência sazonal comum dos produtos agropecuários, como o leite, outros fatores, como o comportamento do consumo de produtos lácteos no mercado, devem ser considerados na variação do preço do leite pago ao produtor. O excesso de leite no mercado provoca queda dos preços. No Rio Grande do Sul, os preços do leite tendem a ser menores nos seis primeiros meses do ano devido ao baixo consumo e a alta oferta de leite no mercado. Neste período, de altas temperaturas, o consumo de leite é menor e a disponibilidade de pastagens é maior em relação ao inverno (Marin, Cavalheiro et al., 2011).
A mudança de hábitos alimentares do consumidor pode influenciar o valor do leite e de seus componentes em sistemas de remuneração ao produtor em função da qualidade. O valor da gordura do leite pode diminuir como consequência da menor demanda por alimentos com maior teor de gordura, como a manteiga, em detrimento do aumento da preferência do consumidor por alimentos com menor teor de gordura, como as pastas lácteas ("dairy spreads"), ricas em proteína. Na Irlanda, o consumo de leite integral e de manteiga diminuiu enquanto que a demanda por produtos lácteos com menor teor de gordura, como leite desnatado, queijos, iogurtes e pastas lácteas, aumentou no período compreendido entre 1989 e 1999, acarretando em desvalorização da gordura do leite em relação à proteína. Essa tendência nos hábitos alimentares do consumidor leva a indústria láctea a investir no aumento da produção de alimentos lácteos ricos em proteína, acarretando em valorização deste nutriente em relação aos outros componentes sólidos do leite, e o sistema de pagamento deve refletir essa valorização (Breen, 2001). A mudança de preferência de leite integral para leite desnatado nos consumidores foi uma das razões para se estabelecer o pagamento dos componentes do leite na Califórnia (Gruebele, 1979). Em avaliação de quatro sistemas de pagamento (preço fixo com diferencial para gordura, preço fixo com diferencial para gordura e proteína, preço fixo com diferencial para gordura e sólidos desengordurados e preço ajustado pelo valor do queijo), foi observado que a crescente demanda por queijo levou à introdução do preço diferencial para proteína (Cragle, Murphy et al., 1986).
Além dos constituintes sólidos do leite, as indústrias consideram características qualitativas, como contagem de células somáticas (CCS), para determinação do valor do leite devido à influência desta variável ser tão importante quanto a das quantidades de proteína, gordura e lactose no rendimento do produto lácteo final, como queijo (Norman, Wright et al., 1991). Em estudo avaliando os efeitos da sazonalidade dos teores de proteína e gordura do leite de propriedades de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo sobre o sistema de pagamento apresentado na Tabela 1, foi observado que as maiores bonificações ocorreram no outono (7,87%), quando os teores de gordura (3,65%) e de proteína (3,21%) foram os maiores e a contagem bacteriana total (CBT = 57 mil ufc/mL) foi a menor dentre as estações do ano devido aos menores índices de conforto (16,46 oC; UR = 79,06%; 0,6 mm/dia e ITU = 66) registrados nessa época. Por outro lado, as menores bonificações (média = 2,92%) ocorreram na primavera e no verão, quando foram registradas as maiores médias de CCS (552,5 mil céls./mL) e CBT (148 mil ufc/mL) devido aos maiores índices médios de conforto (24,5 oC; UR = 82,47%; 5,16 mm/dia e ITU = 74,5) (Roma, Montoya et al., 2009).
Tabela 1 - Tabelas de valores de bonificação/penalização em função dos parâmetros de qualidade do leite, como gordura, proteína, contagem de células somáticas e contagem bacteriana total.
A distância entre a indústria e o produtor é fator importante na determinação do preço do leite. O transporte representa entre 4% a 25% do preço do leite recebido pelo produtor, chegando, em algumas regiões do Brasil, a 40%. Essa diferença é determinada pela baixa densidade de produção, que é a relação da quantidade produzida pela quantidade de quilômetros percorridos pelo veículo, das fazendas às plataformas de recepção (Silva, Reis et al., 2000).
A política econômica também influencia o comportamento dos preços dos produtos agropecuários. A cadeia agroindustrial leiteira brasileira sofreu grandes transformações motivadas pela desregulamentação do mercado, pela abertura da economia nacional ao mercado internacional e pela implantação do Plano Real que estabilizou os preços, elevou os juros e valorizou o câmbio desprotegendo mais o setor primário na década de 1990 (Marin, Cavalheiro et al., 2011).
Na década de 1970, havia baixo nível tecnológico e despreocupação com o setor leiteiro do agronegócio enquanto que a década de 1980 foi caracterizada pelo intervencionismo governamental no setor (Marin, Cavalheiro et al., 2011). Até a década de 1990, a política leiteira brasileira focou na formação dos preços ao longo da cadeia (Farina, Gutman et al., 2005). A fixação dos preços foi baseada em cálculos de custos de produção pela Sindicatos Rurais (antes conhecidos como Federações da Confederação Nacional da Agricultura) e as associações de produtores (Farina, Gutman et al., 2005). Estes cálculos não refletiam os custos dos produtores mais eficientes, mas sim o dos menos eficientes (Farina, Gutman et al., 2005). Isto resultou em consumidores pagando preços do leite maiores do que os preços internacionais e no não fornecimento de incentivo para a qualidade ou melhorias de produtividade e investimentos em exploração (Farina, Gutman et al., 2005). O sistema acima deixou a cadeia leiteira desequilibrada no final da década de 1980 (Farina, Gutman et al., 2005).
O primeiro ato, em 1990, foi eliminar o sistema de fixação de preços e instituir outras desregulamentações (Farina, Gutman et al., 2005). O Estado deixou de regulamentar os preços ao longo da cadeia produtiva e o mercado se encarregou de suprir a demanda da população brasileira bem como de diminuir os custos de produção para o controle da inflação (Marin, Cavalheiro et al., 2011).
Após a introdução do Plano Real em 1994, que possibilitou a estabilização econômica, os efeitos da sazonalidade sobre os preços do leite foram menores que os observados no período anterior a 1994, quando havia altas taxas de inflação. Ou seja, a estabilização da economia parece ter colaborado para diminuir os efeitos sazonais sobre o preço do leite pago ao produtor (Marin, Cavalheiro et al., 2011).
Atualmente, o Brasil é considerado o sexto maior produtor de leite do mundo (27,5 bilhões de litros), ficando atrás dos Estados Unidos (86,1 bilhões de litros), Índia (44,1 bilhões de litros), China (35,8 bilhões de litros), Rússia (32 bilhões de litros) e Alemanha (28,6 bilhões de litros) (Fao, 2008). Em dez anos, a produção brasileira de leite aumentou aproximadamente 8,4 bilhões de litros (Rodrigues, 2008). Devido a esta elevação de produção, a balança comercial no mercado leiteiro foi invertida pela primeira vez em 2006, exportando mais do que importando (Rodrigues, 2008).
A produção leiteira brasileira concentra-se nos estados de Minas Gerais, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. A estrutura de mercado é considerada atomizada devido à pulverização da produção nas diferentes regiões do país com participação de pequenos, médios e grandes produtores. Esta pulverização da produção leiteira eleva os custos de captação e armazenamento do leite. No entanto, tem ocorrido aumento na captação de leite cru para processamento devido ao crescimento da participação de pequenas empresas no mercado. As empresas maiores têm perdido receita em detrimento de perdas de pequenas parcelas do mercado para as empresas menores (Barros, De Lima et al., 2010).
Diante desses cenários, é necessário estar atento aos diversos fatores e possíveis eventos que podem impactar os preços do leite e o planejamento de empreendimentos leiteiros.
Fonte:
BARROS, F. L. A.; DE LIMA, J. R. F.; FERNANDES, R. A. S. Análise da estrutura de mercado na cadeia produtiva do leite no período de 1998 a 2008. Revista de economia e agronegócio, v. 8, n. 2, p. 22, 2010. ISSN 1679-1614.
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