Telma da Mata Martins
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal - EV/UFMG
Nilson Dornellas de Oliveira
Instrutor de Cursos de Doma, Apresentação e Manejo de Bovinos - ABCZ
Diferentes sistemas de produção caracterizam a atividade leiteira no Brasil, com predomínio dos manejos extensivo e semi-intensivo de vacas mestiças, produtos do cruzamento entre o gado taurino e o gado zebuíno. Em torno de 70% da produção de leite do Brasil é proveniente de vacas mestiças. Para o ano de 2013, a produção nacional de leite fluido foi estimada em 32.380 toneladas, o que corresponde à produtividade de 1.580 litros de leite por vaca. Em comparação aos maiores produtores mundiais, cujos sistemas de produção de leite são compostos principalmente por vacas especializadas, a produtividade do rebanho leiteiro nacional é considerada muito baixa (Tabela 1).
Entre outros fatores, essa diferença é justificada pela ocorrência de falhas nos manejos nutricional, reprodutivo e sanitário, instalações inadequadas e limitado potencial genético dos rebanhos leiteiros do Brasil (Ferreira e Teixeira, 2000; Facó et al., 2002; 2005). Dois fatores muito importantes, que interferem diretamente na produtividade das vacas mestiças Holandês x Zebu, mas ainda não são considerados relevantes nas pesquisas, são o processo de amansamento e a adaptação desses animais às salas de ordenha. Nesses quesitos, as novilhas com maior grau de sangue Zebu merecem atenção especial. As fêmeas mestiças F1 ou meio sangue Holandês x Zebu produzem menor quantidade de leite nas primeiras lactações e aumento gradativo nas lactações subsequentes (Figura 1).
Figura 1. Média diária (MELAC), pico de produção (PILAC) e produção total de leite (TOLAC) nas nove primeiras lactações de vacas F1 Holandês x Zebu, mantidas em sistema semi-intensivo. Fonte: Fazenda Experimental da EPAMIG, Felixlândia-MG (2011). Gráfico cedido pelo Dr. José Reinaldo Mendes Ruas.
A baixa produtividade na primeira lactação, geralmente, é justificada pelo fato das primíparas se encontrarem em fase de crescimento. Porém, a não adaptação aos sistemas de ordenha (mecanizado, balde ao pé ou manual) pode ser um dos fatores que está contribuindo para a menor produção nas primeiras lactações das vacas mestiças. Independente das bases genéticas adotadas (cruzamentos da raça Holandês com as raças Gir, Guzerá, Nelore, Brahman, Nelogir, Guzonel, etc), o temperamento de animais mestiços F1 e ¾ Holandês x Zebu é mais “arisco”, quando comparado às vacas Holandesas puras. Como, geralmente, a cria e a recria desses animais são realizadas de forma extensiva (a pasto), eles têm pouco contato com humanos. Somente durante os procedimentos de vacinação, controle de parasitas e medicação, esses animais são manejados no pasto e no curral, sendo que essas oportunidades de contato são interpretadas como negativas pelos animais. Portanto, é natural que as fêmeas mestiças se comportem de maneira mais “arisca” em relação aos humanos, apesar desse comportamento não ser compatível com um bom desempenho na produção de leite.
O aumento do tamanho dos rebanhos leiteiros mestiços, a restrição de mão de obra e a necessidade de intensificar a produção têm levado à adoção crescente de ordenhas mecanizadas. Porém, o desempenho produtivo das vacas mestiças nesses sistemas de ordenha ainda não é satisfatório. Para aumentar a produção de leite, alguns recursos têm sido adotados nas propriedades de gado mestiço com ordenha mecanizada. Nas propriedades maiores, a aplicação de ocitocina exógena para possibilitar a ejeção do leite tem sido adotada em larga escala. Na maioria das propriedades pequenas e médias, o estímulo proporcionado pela mamada do bezerro é adotado com o objetivo de induzir a liberação de ocitocina endógena no início da ordenha (Figura 2). Em seguida, o bezerro continua mamando um dos tetos enquanto os outros são adaptados às teteiras. Ou, dependendo da idade dos bezerros, a mamada é interrompida e eles são amarrados ao lado das vacas para continuar estimulando a ejeção do leite.
Figura 2. Estímulo da ejeção do leite pela mamada do bezerro. Fonte: Fazenda Experimental da EPAMIG, Felixlândia-MG (2008). Foto cedida pelo Prof. Álan Maia Borges.
Ao considerar a necessidade de aumentar a produtividade, juntamente com a crescente preocupação em adotar recursos para proporcionar bem-estar aos animais, verifica-se que essas práticas precisam ser reconsideradas. Uma das soluções para esse conflito pode ser o amansamento dos animais e a adaptação à sala de ordenha antes da primeira lactação. Porém, como os estudos nessa área ainda são bastante incipientes, vários questionamentos podem ser feitos: como deve ser realizado o amansamento dos animais? Quando devemos começar adaptar as novilhas à sala de ordenha? É viável produzir leite de vacas meio sangue e ¾ Holandês x Zebu sem a presença do bezerro e sem ocitocina?
Para tentar responder a essas perguntas, escrevemos um artigo que será publicado nesse radar técnico (Bem-estar e comportamento animal) em quatro partes.
Referências bibliográficas
FACÓ, O.; LÔBO, R. N. B.; MARTINS FILHO, R. et al. Análise do desempenho produtivo de diversos grupos genéticos Holandês x Gir no Brasil. Rev. Bras. de Zootec., v. 3, p.1944-1952, 2002.
FACÓ, O.; LÔBO, R. N. B.; MARTINS FILHO, R. et al. Idade ao primeiro parto e intervalo de partos de cinco grupos genéticos Holandês x Gir no Brasil. Rev. Bras. Zootec., v. 34, p. 1920-1926, 2005.
FERREIRA, A. M.; TEIXEIRA, N. M. Estimativas de mudanças na produção de leite com a variação do intervalo de partos em rebanhos bovinos. Rev. Bras. Reprod. Anim., v. 24, p. 177-181, 2000.
UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE - FOREIGN AGRICULTURAL SERVICE. Washington, Dairy: World Markets and Trade, 2012. Disponível em: <https://usda01.library.cornell.edu/
usda/current/dairy-market/dairy-market-12-14-2012.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2013.
MilkPoint Pergunta: Você produtor, o que faz para amansar as vacas mestiças na sua propriedade? Usa o artifício da ocitocina no momento da ordenha?