Mesa solene na abertura do evento
O painel da manhã contou com um debate sobre sistemas de produção para a região Sul, em que técnicos das cooperativas CCGL, Aurora e Castrolanda apresentaram suas visões de futuro e números a respeito de custos. Wagner Beskow, pesquisador da CCGL TEC, foi taxativo ao comentar a discrepância de custos de produção entre o Brasil e outros países: "temos de produzir com custo de até US$ 0,30/kg, caso contrário estaremos fora do mercado". Beskow foi polêmico ao propor que só com a abertura do nosso mercado ao produto importado do Mercosul, Nova Zelândia e outros países teremos um choque de eficiência que fará com que a produção brasileira se desenvolva. "Vivemos uma situação artificial", comentou.
Selvino Giesel, da Aurora, mostrou que é possível em Santa Catarina produzir a esse custo, porém há ainda muita heterogeneidade na produção. Giesel comentou sobre a dificuldade da indústria de lidar com custos crescentes da matéria-prima, em um ambiente em que não se consegue repassar integralmente os custos ao mercado. "Mesmo assim, Santa Catarina está crescendo a 9% ao ano", refletiu ele.
Hernani Alves da Silva, da Castrolanda, mostrou o crescimento de quase 10% ao ano nos últimos 10 anos na região paranaense, porém com um custo de produção mais alto, na casa dos R$ 0,75/litro. Mesmo assim, diante dos bons preços dos últimos anos o retorno sobre o capital investido chegou a 20%, competitivo com a agricultura. Quando questionado sobre se a diferença da região de Castro está no clima ou na organização, Hernani comentou que ambos os fatores são relevantes - o clima favorável ao azevém auxilia em muito o sistema de produção, mas a organização da cooperativa, investindo em assistência técnica, pagamento por qualidade e verticalização são os fatores que determinam o resultado atual da região.
Na ordem da esquerda para direita: Wagner Beskow, Marcelo Carvalho, Selvino Giesel e Hernani da Silva.
Verticalizar ou não: o leite ainda é o "patinho feio" do agronegócio
O painel da tarde teve apresentações e rico debate entre Alexandre Mendonça de Barros, da MBAgro, Paulo do Carmo Martins, da Embrapa Gado de Leite, Fábio Ribas Chaddad, do Insper e da Universidade do Missouri, e Marcelo Pereira de Carvalho, do MilkPoint.
Pela primeira vez nos Interleites, uma das palestras foi previamente gravada, já que Fábio Chaddad não pode estar presente pessoalmente no evento. Na hora do debate, Chaddad, que estava na Austrália, contribuiu com a discussão via skype. A metodologia apresentou uma ótima repercussão e a "ausência" física do palestrante não prejudicou o rendimento e a qualidade da palestra e das discussões.
Barros colocou que não há razão para que o setor leiteiro não tenha o destaque que outros setores do agronegócio têm. "Vocês estão fazendo alguma coisa errada", provocou. Para Chaddad, o calcanhar de aquiles está na coordenação da cadeia, onde a relação entre indústria e produtor é de curto prazo, apresenta altos custos de transação, dificuldade de coordenar oferta e demanda e problemas de qualidade. Segundo Chaddad, que com suas intervenções provocou a reflexão no público, o fato da Fonterra decidir produzir seu próprio leite na China, na Índia e agora no Brasil é um sinal de que o mercado não funciona bem no Brasil.
Nesse sentido, Marcelo Carvalho comentou criticamente a possibilidade de integração vertical, a exemplo do que ocorre em suínos e aves, como uma possível solução para melhorar essa coordenação. "Para a indústria, pode ser uma alternativa, mas demanda investimentos muito elevados (mais do que nas indústrias), além das dificuldades de se implantar, pois leite não é igual a aves e suínos". Segundo ele, independentemente de se ter ou não integração vertical mudando as relações de mercado, o fato é que diante de custos mais elevados e com a nossa ineficiência exposta, a captação de leite precisará ser encarada como algo mais estratégico pelas indústrias, e não simplesmente como mais um centro de custos. "Será preciso desenvolver o fornecedor", prevê.
Marcelo ainda mostrou os dados da pesquisa sobre o ambiente de investimentos no setor, feita em parceria com Paulo do Carmo Martins, da Embrapa Gado de Leite. Chama a atenção o baixo nível de endividamento dos produtores, quando comparado a produtores de outros países. "O baixo endividamento implica em alavancagem reduzida, o que não é necessariamente bom", comentou Paulo Martins. Apesar de dever cerca de 3 vezes a produção anual, o produtor neozelandês, por exemplo, cresceu 61% nos últimos 10 anos. Airton Spies, sub-secretário da Agricultura de Santa Catarina e que moderou os paineis da tarde, complementou dizendo que essa dívida não se refere a custeio, mas sim a investimentos. Sobre o custeio, Spies colocou que é necessário rever o modelo: "porque o dinheiro não fica com o produtor, sendo pagos apenas os juros da dívida?".
Alexandre Barros comentou ainda a respeito das razões do baixo endividamento e alavancagem. Para ele, é errado concluir que falta dinheiro: "O que falta é saber fazer as contas para justificar o investimento no setor, o que é piorado pela incerteza", avalia.
Público participante
Cooperativas predominam em países com excedentes
A polêmica final ficou por conta das cooperativas. Chaddad finalizou sua apresentação dizendo que em todos os países com excedentes de produção, as cooperativas dominam o mercado. "O que vem primeiro, excedentes que estimulam os produtores a se organizar em cooperativas, ou o setor cooperativo forte, gerando excedentes exportáveis?" Chaddad, especialista no setor cooperativista, colocou que as cooperativas de leite brasleiras estão comendo poeira quando comparadas com outros países. Marcelo Carvalho comentou que em um mercado marcado pela demanda maior do que a oferta, os produtores são assediados pela indústria, diminuindo os estímulos para que fortaleçam as cooperativas.
Por fim, Chaddad colocou que o produtor também tem responsabilidade sobre seu destino. "Porque a indústria é que tem que fazer todo o papel de coordenação da cadeia?", provocou. "Temos de parar com essa imagem do ´produtor coitadinho´. O produtor precisa se organizar e as cooperativas são um meio para isso", provocou. Para Paulo Martins, a situação brasileira é distinta na norte-americana ou neozelandesa, onde o módulo de produção é muito maior e os produtores já passaram por tudo aquilo que ainda vamos passar. "Não podemos esquecer que o produtor brasileiro produz em média cerca de 100 kg de leite/dia. Cabe a indústria um papel de maior coordenação do setor".
Os dois debates do primeiro dia mostraram o alto nível das discussões que ocorreram no Interleite Sul. Pontos polêmicos, franqueza, mas maturidade e respeito entre as posições fizeram parte dos paineis.
"De todos os eventos que realizamos, tenho a impressão de que esse foi o mais coeso, com todas as apresentações muito bem encaixadas e alinhadas entre si, além de proferidas com grande clareza e objetividade", diz Marcelo Pereira de Carvalho, coordenador do evento. "Além disso, ao contrário do que muitas vezes ocorre em eventos do setor, o debate (do primeiro dia) foi bastante franco, levantando pontos importantes para a competitividade do setor. Tenho certeza que todos que foram ao Interleite Sul saíram de lá com uma visão bem mais ampla da atividade, sinal de maturidade do evento e do próprio setor".
O evento ainda contou com um lounge aconchegante onde as empresas patrocinadoras Agroceres Multimix, Aurora, Bayer HealthCare, Beraca, CRV Lagoa, Dow AgroSciences-pastagens, DPA, Hipra, LBR, MSD e Sulinox apresentaram seus produtos e serviços ao público participante.
Lounge dos patrocinadores
Lounge: ambiente para negócios
As palestras foram filmadas e estarão disponíveis para a aquisição dentro de 30 dias.
A matéria é da Equipe MilkPoint.