Inicialmente, considerada como uma atividade voltada à subsistência, a produção de leite atravessou grandes transformações, passando a ser encarada como um negócio. Confira abaixo um rico bate-papo sobre uma sequência histórica do leite brasileiro, bem como seus principais desafios, especialmente na Região Sul, com Wagner Beskow, Pesquisador, consultor e sócio da Transpondo Pesquisa, Treinamento e Consultoria Agropecuária:
1) Letícia Mostaro, MilkPoint: além do avanço técnico, muito presente no Sul do país, qual você acredita ser a principal mudança (ou avanços) que impulsionaram o leite a ser visto como uma atividade de negócio, além da produção de subsistência?
Wagner Beskow, Transpondo:
Além dos avanços técnicos, eu creio que tivemos alguns fatores. Primeiro, a soja deixou de ser uma cultura adequada às pequenas lavouras. A maioria das propriedades produtoras de leite no Sul do país são pequenas, entre 19 a 40 hectares. Então, muitos produtores de leite têm lavoura de 5 a 10 hectares de soja. Embora a soja seja interessante para a rotação de culturas, como atividade econômica é bem complicada, devido à exigência de maquinários, na qual o produtor depende de terceiros para o plantio e colheita. Isso está gerando uma desvantagem para a soja nessas pequenas propriedades. Esse é um fator, mas talvez não seja o mais importante.
Há um foco crescente no leite, que no passado era uma atividade de subsistência e veio cada vez mais se tornando um “meio fim” de geração de renda. Isso é um processo que continua, tanto que nós temos um número crescente de produtores de leite formal, os quais tem a necessidade de se profissionalizarem. Isso está gerando respostas: foco na atividade e especialização, em um certo grau.
Um terceiro fator é a seleção provocada pelo mercado e pela legislação. Os produtores que estão hoje na atividade têm um perfil diferente daqueles de 10 anos atrás. Estão muito mais profissionais, informados e preparados, o que certamente está refletindo nos resultados físicos e econômicos das propriedades.
Por último, não necessariamente nessa ordem, e talvez seja um dos mais importantes, o conhecimento que hoje chega ao produtor, em um grau muito mais impactante do que anos atrás. O produtor tem por meio da internet, aplicativos, da própria assistência que ele recebe e aplicativos de gestão uma série de fatores que poderia ser chamada de “maior massificação do conhecimento,” ainda que estejamos longe disso, mas estamos indo nessa direção.
O conhecimento do produtor estava restrito aos poucos profissionais em suas regiões e, hoje, eles têm esse conhecimento também disponível por outros meios. Não deixam de precisar dos profissionais, mas já lidam em outro patamar.
Além disso, é muito importante destacar que dentro desse contexto, as cooperativas têm um papel muito importante com a realização de assistência técnica, cursos e treinamentos. Mas não apenas as cooperativas, outros órgãos também, como o Senar, empresas privadas, consultores e até as empresas de insumos com vendas mais técnicas e qualificadas, com um pacote de conhecimento.
2) Letícia Mostaro, MilkPoint: no Sul, a cultura local, historicamente, é forte e presente. Contudo, nos últimos anos, há intensos desafios relacionados à sucessão familiar. Como você enxerga isso?
Wagner Beskow, Transpondo:
Com relação à sucessão familiar, ela é um problema presente. Eu creio que é preocupante o suficiente para demandar todas as ações que forem possíveis, as quais ainda serão poucas. O desafio relacionado à sucessão familiar está muito ligado ao problema geral de falta de mão de obra. Muitas propriedades não têm mão de obra permanente e se encontram com mão de obra temporária e, muito particularmente, com prestadores de serviços.
O caso de sucessor independe do tamanho de propriedade. O sucessor é aquele membro da família que vai dar continuidade ao investimento que os pais e os avós fizeram, não permitindo que a propriedade se desfaça, perdendo o seu histórico de experiências e investimentos. Então, isso é muito presente e bastante preocupante.
Eu tenho, na nossa experiência na Transpondo, a clara percepção de que já foi pior. Creio que o aspecto sucessão está em vias de se solucionar, porque o jovem começou a ser atraído novamente para o campo. Um fator que não há dúvidas que está contribuindo para isso é a internet no campo.
Então, nós vemos que na medida que a internet está presente em mais lugares e de melhor qualidade, há uma melhora nas condições e mais atrativa se torna essa propriedade rural para o jovem. Mas, claro que isso é apenas um fator.
Também, os pais estão com mente mais aberta. Todos os produtores rurais sempre sonharam em ter um filho, uma filha ou filhos, formados em Ciências Agrárias, seja em curso superior ou técnico. Mas era difícil esses filhos voltarem e conseguirem trabalhar com os pais. Eu tenho percebido maior ocorrência de filhos com formação em Ciências Agrárias, seja de nível técnico ou superior, voltando para trabalharem em casa.
E, mesmo sem a formação, também vejo pais mais abertos para os filhos. Eu creio que os pais de hoje, já passaram por coisas mais toleráveis no passado e, que atualmente, o nível de tolerância desse trabalho árduo seja menor. Isso está tornando-os mais abertos a contribuição dos filhos.
E, especialmente, a maior barreira sempre foi a de ideias. De fazer coisas diferentes que, normalmente, trazem e que nem sempre terão razão. Mas, sempre encontraram barreira com os pais. Eu vejo uma maior abertura dos pais em relação às ideias dos filhos e à participação. Então, as relações dentro da família têm melhorado.
Não é assombrosamente melhor, mas se percebe isso. Creio que temos que reconhecer o desafio da sucessão familiar nas propriedades leiteiras do Sul, mas reconhecer também que tem melhorado. Então, quem sabe, seja uma oportunidade para os agentes nessa área aproveitarem o embalo e criarem maiores oportunidades de organização dessa sucessão.
3) Letícia Mostaro, MilkPoint: lição de casa: da produção colonial até hoje: o que amadurecemos? O que não aprendemos tão bem assim? De hoje para o futuro: estamos no caminho certo?
Wagner Beskow, Transpondo:
Na parte do que amadurecemos, no sentido de que houve uma aprendizagem, observando os produtores que estão crescendo e se destacando, eu creio que um dos principais fatores é conseguir fazer a propriedade funcionar como um todo, envolvendo as pessoas sem esquecer de nenhum aspecto.
Tanto da fertilidade do solo, como da produção de forragem — seja pastejo ou volumoso conservado —, quanto uma estrutura minimamente enxuta necessária, bem como a mão deu obra e a relação entre as pessoas, tanto internamente na família ou com algum funcionário contratado.
E, sobretudo, o uso de insumos. Porque o produtor vem de uma época onde ele entendia que para que ele lhe sobrasse mais dinheiro, ele tinha que gastar menos. Os produtores que estão avançando, entendem que precisam gastar nas coisas certas mais do que economizar. Então, a economia se dá por litro de leite, não por mês ou ano.
Os produtores que perceberam isso usaram um nível de insumos diferente do que costumavam usar com uma correção de solo, adubação, sementes melhoradas e com manejo adequado para expressar esse resultado, entre outras áreas. Mas com a mesma filosofia, de que “para colher, precisa plantar. Para tirar, tem que colocar.” E, o produtor, vem de uma cultura que só pensava em tirar. Então, agora, ele está ‘"colocando para depois pensar em tirar." Esse eu acho que é o principal aprendizado.
Já o que não aprendemos tão bem assim ou ainda precisamos aprender é bem mais complicado de responder. Mas eu acredito que está ligado a relação das pessoas. Ainda temos que avançar no sentido de conseguirmos acomodar melhor as mentes e os valores de hoje, em um sistema bastante exigente em horários e em intensidade de trabalho. Então, eu creio que na área de relações pessoais ainda precisamos avançar bastante.
E, sobretudo, relacionado a isso, a gestão. Com registros e controles, que são basicamente feitos por pessoas. Estamos muito longe do mínimo ideal em termos de geração, registros e uso de informações na tomada de decisão.
Wagner Beskow será um dos palestrantes do Interleite Sul 2023, principal evento, feira de negócios e networking do leite sulista, que ocorrerá em Chapecó/SC, nos dias 10 e 11 de maio.
Em sua palestra “Da produção colonial de subsistência à produção leiteira do futuro,” Wagner adiantou que os participantes podem esperar “uma melhor compreensão da importância histórica dessas propriedades, de como elas surgiram e das transformações que elas sofreram. Do quanto o leite sempre esteve presente, ainda que, no início, não se dependesse economicamente dele, mas como ele foi fundamental para se chegar a um padrão de produção comparável a outros países, sobretudo aos nossos vizinhos mais próximos. A importância da organização das comunidades e da troca de experiências, onde as cooperativas tiveram e ainda têm um papel muito importante.”
Beskow também compartilhou que em sua palestra no Interleite Sul 2023, abordará os desafios que o mundo moderno traz para a produção de leite, em tecnologia, conhecimento, legislação e mercado.
Realizado pelo MilkPoint, da MilkPoint Ventures, o Interleite Sul 2023 espera reunir 1000 pessoas! Com o tema "Sabemos como responder as novas perguntas da produção de leite?" o Interleite Sul 2023 buscará entender o novo cenário, em busca de nortear caminhos assertivos.
O Interleite Sul é híbrido! Se você não puder comparecer presencialmente, poderá participar ativamente da versão online e ao vivo do evento, em plataforma exclusiva para os participantes!
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