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As carnes, entre a natureza e a cultura

ESPAÇO ABERTO

EM 22/03/2023

4 MIN DE LEITURA

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É em torno da demonização das carnes que se organiza parte decisiva da narrativa crítica relativa aos impactos socioambientais dos sistemas agroalimentares contemporâneos. Nas grandes revistas científicas (sobretudo na Science e na Nature), nos grupos de trabalho voltados a este tema (como o EAT-Lancet, por exemplo), em artigos e livros de respeitados jornalistas (como George Monbiot em suas colunas no The Guardian ou em seu mais recente livro “Regenesis”) a recomendação é eliminar ou ao menos reduzir drasticamente o consumo e a produção de carnes. Os beneficiários destas mudanças seriam tanto a saúde humana como os serviços ecossistêmicos atingidos, sobretudo, pela criação de gado bovino.

É uma narrativa atraente, que combina respeito à dignidade animal, frugalidade no consumo e liberação de amplas superfícies cuja devolução à natureza permitiria regenerar tanto a biodiversidade como ampliar a captação de carbono. O poder desta narrativa é tamanho que é nela que se apoiam as mais recentes inovações tecnológicas do sistema agroalimentar, expressas na obtenção de proteínas vindas de plantas (e semelhantes às carnes em textura, aparência, sabor, aroma e consistência), do cultivo de células animais, da fermentação de precisão e do processamento de insetos.

A palavra de ordem é emancipar a alimentação humana de sua secular dependência do solo e dos animais, inaugurando um mundo em que os artefatos por nós produzidos em nada interferem nos benefícios que uma natureza quase intacta pode nos propiciar.

São bilionários os investimentos nesta direção e seus principais protagonistas originam-se muito mais nas gigantes das tecnologias digitais do que em atores vindos do agronegócio. O mundo estaria à beira daquilo que o importante relatório da RethinkX caracteriza como “a segunda domesticação das plantas e dos animais” em que os alimentos seriam “engenheirados” no nível molecular. Na primeira domesticação, a humanidade dominou os macro-organismos. Agora, na segunda domesticação, trata-se de controlar e atuar sobre os micro-organismos para oferecer à sociedade produtos mais limpos, com impacto irrelevante sobre os serviços ecossistêmicos e mais baratos.

O que se anuncia é um mundo que leva ao paroxismo a separação entre natureza e cultura, para usar a expressão do antropólogo francês Philippe Descola. Mas, contrariamente aos prognósticos da RethinkX e ao horizonte desejado no livro de George Monbiot, são fortes e consistentes as pesquisas publicadas nas melhores revistas científicas em direção contrária a este cenário ao mesmo tempo apocalíptico e pretensamente emancipador.

Não se trata de elogiar os atuais modelos de produção e de consumo, mas de mostrar que a expressão “pecuária regenerativanão pode ser encarada como contradição nos termos. Ao contrário, animais domesticados voltados à alimentação humana são componentes essenciais de serviços ecossistêmicos que não seriam prestados na ausência de sua criação.

A prestigiosa revista “Animal. The International Journal of Animal Bioscience” acaba de publicar artigo de Frédéric Leroy e outros oito colaboradores, que sintetiza argumentos contra a “drástica limitação do gado no sistema alimentar”. São muito esclarecedoras também as apresentações científicas feitas durante a cúpula sobre o papel social da carne, realizada ao final de 2022 na Irlanda. Deste riquíssimo conjunto vale a pena destacar dois aspectos essenciais.

O primeiro refere-se aos efeitos do consumo de carne sobre a saúde humana. Frédéric Leroy e seus coautores reúnem denso conjunto de evidências mostrando a inconsistência de pesquisas que procuram vincular o consumo de carne bovina não processada a doenças cardiovasculares, à ingestão de gorduras saturadas e ao câncer. Eles mostram que o grande problema do sistema agroalimentar global está na ingestão excessiva de gêneros altamente energéticos, nutricionalmente pobres e elaborados a partir de substâncias que os tornam atraentes, cômodos e até viciantes. 71% dos produtos alimentares industrializados nos EUA são ultraprocessados e mais de 50% da ingestão calórica das crianças vêm daquilo que dificilmente se pode chamar de “comida”.

O segundo aspecto importante destes estudos é que eles mostram o amplo e promissor caminho pelo qual a pecuária pode contribuir para o fortalecimento da biodiversidade e para a redução nas emissões de gases de efeito estufa. George Monbiot, por exemplo, denuncia a ineficiência no uso da terra da pecuária extensiva, cujas pastagens produzem 15% das emissões, mas ocupam nada menos que 38% da área habitável do planeta. Mas este aparente desperdício adquire outra feição quando se considera que 86% da alimentação do gado hoje vem de áreas de pastoreio e, portanto, não concorrem com a alimentação humana.

Nada garante que o abandono destas áreas aumentaria a captação de carbono e metano numa escala superior ao que é possível alcançar por meio de pastagens e rebanhos bem manejados. E ao longo da evolução, nestas áreas, a interação entre os micronutrientes do solo, os fungos e os grandes animais é uma característica central de sua biodiversidade.

Mesmo nas florestas tropicais (onde a criação de gado é ineficiente e destrutiva), a regeneração de pastagens degradadas com base em técnicas acessíveis aos agricultores pode dar lugar à redução e até à neutralização das emissões de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, revigorar a saúde dos solos. Manejo eficiente de pastagens e do rebanho diminui o tempo de vida dos animais e, portanto, suas emissões de metano, como mostram diversos trabalhos da EMBRAPA na Amazônia.

O grande ensinamento dos conhecimentos indígenas, que rejeitam a separação entre natureza e cultura, tem que inspirar a agropecuária contemporânea. O valor da natureza (no sentido ético-normativo e econômico) não pode mais ser afastado de nossas mais relevantes atividades produtivas. Esta é uma agenda decisiva para que a liderança agropecuária do Brasil seja um pilar de sua potência ambiental.

As informações são de Ricardo Abramovay. 

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