Foi uma grata satisfação ver a matéria do MilkPoint (02/12/2003) sobre a produção na Nova Zelândia. Nós temos muito a aprender estudando como funcionam as coisas naquele pequeno país, que produz metade do leite do Brasil com uma população do tamanho da de Belo Horizonte, e o MilkPoint está de parabéns por trazer o assunto a tona, para que se possa compreender melhor como (e porquê) aquele pessoal faz leite, e comparar com o Brasil e outros países.
A matéria do MilkPoint me motivou a atualizar-me nos números e fui procurar a fonte, o relatório anual Dairy Statistics 2002-2003 do LIC, Livestock Improvement Corporation. Tem dois aspectos que gostaria de comentar aqui, porque me parece que eles têm especial relevância para o Brasil: a produção na safra e o uso do cruzamento.
Produção na safra
Os produtores neozelandeses são os maiores safristas do mundo. No inverno os laticínios quase que param, como pode ser visto na Figura 1, tirada do relatório. Lá ser safrista não é demérito, ao contrário, é o lógico, são safristas e com muita honra! Eles preferem perder mantendo o laticínio parado a produzir leite na contramão da natureza. Claro que isso decorre de que 90% da produção é industrializada. O 10% de leite fresco para consumo continua a ser produzido no inverno, porém os produtores recebem uma remuneração compensatória. Não tem aquela de perder dinheiro com a produção da entressafra para descontar na safra. Produzir na entressafra é de interesse dos outros, não do produtor. Aqui 50% do leite com SIF é industrializado, e a produção dessa parcela na safra deveria receber maior consideração. Como diz José Augusto Alves, "ao invés de importar leite da Europa, vamos importar do Tocantins". Ele tem um excelente capítulo sobre o assunto no livro Produção de Leite e Sociedade (journal@vet.ufmg.br). A indústria diz que não se pode estocar leite pelo custo financeiro, mas pelo menos a Cooperativa Agropecuária Vale do Rio Doce (Coaperiodoce), MG, tem um esquema de Poupança Queijo, para vender na entressafra o queijo feito com o leite da safra, de grande êxito, inclusive financeiro, para a cooperativa e para o cooperado. Eles chamam este esquema de Ovo de Colombo Mineiro. Hoje lê-se que estão exportando para os EEUU. É que fazendo as coisas com juízo, nem a Nova Zelânda tem condições de concorrer com o Brasil tropical na produção de leite baseada no pasto.
Em decorrência da produção de leite estacional a pasto, os índices de produção por vaca não são lá essas coisas, sendo a média de produção de leite por lactação de 3791 kg, com duração de 268 dias. Mais um número para refletirmos que os índices de maior interesse para o produtor são o lucro e a rentabilidade da fazenda, e não a produção por vaca.
Raças e cruzamentos
Segundo o relatório, as vacas cruzadas de Holandês/Jersey produziram mais gordura que as outras, enquanto que as Holandesas (Holstein-Friesian) produziram mais proteína e volume de leite e as Jersey tiveram os maiores percentuais de gordura e de proteína (Tabela 1). O índice de valor para produção foi maior para as cruzadas Holandês/Jersey. Este índice representa a "receita líquida por unidade de alimento", sendo uma unidade 4,5 toneladas de matéria seca de uma pastagem de qualidade média (deles lá). Note-se o peso das vacas. São vaquinhas maneiras, eles não querem vaconas e selecionam contra o peso com bastante ênfase. É que quando a produção não é muito alta, a maior parte do alimento a vaca utiliza para mantença. Pesquisas de nosso grupo têm mostrado também aqui em Minas Gerais o valor econômico negativo do peso da vaca leiteira.
Cruzamento
Segundo o relatório, "a estrutura do rebanho nacional revela grande número de vacas cruzadas e grande número de rebanhos com mistura de raças". A preferência é para o cruzamento, como pode ser visto na Figura 2. O sêmen de Holandês é usado majoritariamente em vacas holandesas (52%), mas este percentual vem caindo vem caindo (era 59,8% em 1998/99).
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1Departamento de Zootecnia Escola de Veterinária Universidade Federal de Minas Gerais