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Leonel

POR CARLOS ARTHUR ORTENBLAD

ESPAÇO ABERTO

EM 25/06/2004

5 MIN DE LEITURA

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Jamais votei em Leonel de Moura Brizola. E o que não me faltou foi oportunidade, já que ele foi candidato duas vezes a governador do estado do Rio de Janeiro (1982 e 1990), uma a prefeito da capital (2000), outra como senador (2002), duas vezes a presidente da República, e mais uma como vice (1989, 1994, e 1998). Seis oportunidades, e Leonel - como uma vez assim ele me pediu que eu o chamasse, jamais viu a cor do meu voto.

E não foi ideologia que tornou Leonel Brizola pouco palatável para mim. Jamais o quis governando minha cidade, ou meu estado, pois o estilo administrativo do Brizola era, como direi, caótico. Ele não era mau administrador. Ele simplesmente não era administrador. Tão meridiano quanto isto. Privilegiado em outros atributos, faltava-lhe este.

A morte é um cavalheiro, já diziam (em tradução livre) os ingleses. Morto Leonel de Moura Brizola, agora todos falam bem do homem e do político.

O político Leonel de Moura Brizola não me seduziu. Já o "homem" Leonel de Moura Brizola, sim, e muito. Eu tive contato com ele três vezes na vida. Uma pitoresca, outra agradável, e a derradeira, muito triste. Mas em todas, era nítida a dimensão humana dele. E um carisma e simpatia contagiantes e invulgares. Se lhe dessem 15 minutos, venderia gelo no Alasca - e o esquimó ainda ficaria eternamente grato a ele.

Creio que foi no final de 1980. O escritório de meu pai no Rio de Janeiro, ficava num velho sobrado de quatro andares, na Rua Sete de Setembro, 141, no centro do Rio de Janeiro. Ocupávamos o quarto andar do prédio. O recém fundado PDT comprou o terceiro andar. Papai chegou à conclusão inescapável, que era impossível conviver num pequeno prédio com um partido político. A barulheira, e o entra e sai de gente, eram insuportáveis. Resolvemos nos mudar para local mais ameno. Juntando a fome com a vontade de comer, sequer precisamos entregar a venda do andar a um corretor de imóveis. Dr. Cibilis Viana, assessor do Brizola, um dia nos perguntou se queríamos vender o andar, e, aproveitando eles também comprariam todos os móveis e apetrechos. Recebendo um entusiasmado SIM como resposta, no dia seguinte ele voltou, acompanhado do Brizola. Foram duas ou três reuniões que o Brizola, Dr. Cibilis e papai tiveram. Minha participação foi mais de ouvinte.

Tomando um atalho: Brizola, de lenço vermelho de "maragato" ao pescoço, ao ver as paredes coalhadas de fotos de gado Tabapuã, enveredou por esse assunto, estancieiro que era. Com isso, quebrou o gelo inicial, já que em política e temperamento, papai e Brizola eram como o dia e a noite. Seguiu-se uma negociação por vezes cômica, pois estabelecido rapidamente o valor do imóvel, passaram - papai e ele - a regatear por móveis e aparelhos que estavam mais próximos de sucata, que coisa qualquer. Ambos gostavam de coisa velha. Os diálogos eram divinos. Lembro-me claramente de um deles, quando Brizola tentava arrebanhar o "lote" todo, pedindo para tal um bom desconto: Brizola: "Faça-me o desconto, Dr. Ortenblad, pois a causa é boa". E papai: "A causa é ótima, governador, mas não é a minha".

Minha única participação relevante foi sugerir a meu pai que aceitasse logo a proposta, antes que o "charme" do Brizola o levasse a fazer uma doação ao PDT. Feito o negócio, é justo que se diga que o PDT - que na época lutava com dificuldades financeiras - pagou todas as parcelas pontualmente. E o Brizola tinha a gentileza de telefonar a cada mês, e perguntar se as quitações haviam sido feitas.

Antes de nos mudarmos, creio que já em 1981, um dia vem um recado que o governador (como Brizola era chamado por quase todos), pedia que eu descesse ao terceiro andar. Eu o fiz imediatamente, e encontrei um Brizola ainda de lenço vermelho no pescoço, e sorridente. Disse-me ele: "Carlos, tu tens um amigo que é velho correligionário meu, e que está aqui no Rio". E me leva a uma sala onde se encontrava o pastor Luterano Norberto Schwantes - gaúcho que eu conhecia de Barra do Garças (MT). Nós havíamos vendido as glebas que tínhamos em Barra do Garças a uma cooperativa chamada Canarana, da qual o Norberto havia sido fundador.

Estávamos em pleno ano eleitoral, o Brizola participava de sua primeira eleição desde que voltara do exílio (ao governo do estado do Rio), contando com apenas 3 % das intenções de voto (eleição que ele viria a ganhar). E ainda assim, o homem teve a delicadeza de chamar-me para conversar com o Schwantes, logo que soube que nós nos conhecíamos. Leonel poderia ter vários defeitos, mas sua generosidade e calor humano eram genuínos, e incomuns em políticos.

A última vez que vi o Brizola foi muito triste. O pai de uma grande amiga minha agonizava na Clínica Sorocaba, aqui no Rio. Chegando de viagem, fui direto do aeroporto ao hospital, já tarde da noite. No mesmo andar, estava hospitalizada a esposa do Brizola, D. Neusa - irmã do ex-presidente João Goulart. O carinho e a devoção do Brizola à mulher eram genuínos e tocantes. Não havia quase ninguém, menos ainda jornalistas. E toda vez que eu passava pelo quarto de D. Neusa eu via, pela porta entreaberta, um Brizola estático, qual um soldado montando guarda ao lado do leito da esposa.

Como fiquei horas no hospital, em determinado momento, ele saiu do quarto e nos encontramos no saguão. Quando soube o motivo de minha presença, me dirigiu sinceras palavras de conforto. E a situação dele era imensamente mais dolorosa que a minha.

Chame-o de intempestivo, turrão, caudilho, mau administrador, centralizador. E provavelmente você estará certo. Mas o homem em quem jamais votei, mas aprendi a admirar, era um homem fora do comum. "Larger than life" como se diz em inglês. É o último de uma geração de políticos que fazia política com coração e por convicção. Política pela política, como dizia meu avô materno, político mineiro da velha UDN. Se ainda existem remanescentes desta geração, já jogaram a toalha faz tempo.

Pensando bem, minha triste sina é jamais votar em candidatos de quem gosto - como seres humanos. Brizola foi um. Lula é outro.

CARLOS ARTHUR ORTENBLAD

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LUIS FERNANDO LARANJA

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 30/06/2004

Prezado Carlos,

Inicialmente gostaria de parabenizá-lo pela belissíma "crônica". Pelo conteúdo, pela mensagem e pelo belo estilo.

Confesso que seu artigo me fez parar para refletir. Grande mérito, pois trata-se de coisa difícil de se fazer nesta vida moderna atribulada.

Tive um ímpeto de discorrer longamente sobre as questões colocadas em teu artigo, mas julgo que esta secção, como o próprio nome diz, destina-se a "comentários".

Pois então, de forma sumária, também gostaria de dizer que também nunca votei em Leonel, embora seja gaúcho de São Borja e simpatizante tardio dos maragatos. Mas como a morte, destino dos viventes, é prodígia no resgate das imagens dos indivíduos (especialmente daqueles públicos), gostaria também de reiterar as suas considerações de reconhecimento às qualidades intrínsecas e verdadeiras do brasileiro Leonel.

Talvez a caótica situação de desigualdade social do nosso país exija uma certa dose de "política com coração", um pouco de espontaneidade e "conhecimento" do real Povo Brasileiro, coisa hoje já rara nos nossos políticos de expressão e mais rara ainda nos engomadinhos formuladores de nossas políticas públicas, recheados de PhDs no exterior, que hoje quase comandam os destinos da nação. A esses talvez seja recomendável a leitura das obras de Darci Ribeiro, grande parceiro do Leonel e que muita falta também já faz ao país.

Parabéns Carlos, pela sensibilidade, pelo primor do texto e por ter despertado reflexões.

Abraço,
PEDRO EDUARDO DE FELÍCIO

CAMPINAS - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 25/06/2004

Eu concordo com o estimado Dr. Fernando Cardoso quanto à qualidade do texto deste nosso amigo Economista Carlos Arthur. Mas eu quero acrescentar um comentário. É sobre a emoção que o Carlos passa para o leitor, especialmente nesse artigo sobre o histórico Brizola.

Sobre o grande político Leonel eu quero dizer que sempre tive por ele uma grande admiração, acho que pela coragem, rebeldia, coisas assim, mas eu temia que por um descuido do eleitorado ele chegasse à Presidência. Posso estar errado, mas acho que teríamos o nosso Brasil transformado em Torre de Babel.

Parabéns Carlos, parabéns Dr. Cardoso
JOÃO CARLOS DE CAMPOS PIMENTEL

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 24/06/2004

Que texto bonito, rapaz. Parabéns.
FERNANDO PENTEADO CARDOSO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE GADO DE CORTE

EM 24/06/2004

Caro Carlos:

Quero lhe dar parabéns pela crônica "Leonel". Você escreve como poucos, com começo, meio e fim. Um contista de primeira em um portugês escorreito, claro, elegante!

Faz inveja e nos estimula a caprichar quando ousamos abusar do vernáculo. "Bacana" diriam os jovens, "lindo de morrer" sairia de uma granfina,"beleza" seria termo próprio de um pecuarista. "Perfeito" diz agora seu admirador.

Grande abraço.

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