1. Introdução
Nos últimos anos, o preço recebido pelo produtor de leite variou, significativamente, durante o ano, sendo menor no verão e maior no inverno. Diante deste comportamento do mercado, o produtor é forçado a flexibilizar o custo de produção, ajustando-o ao preço do leite. A flexibilidade do custo tem sido interpretada por alguns analistas da economia leiteira como sinônimo de retrocesso do sistema de produção. Esta não é minha opinião.
Este artigo se propõe a apresentar argumentos que possam subsidiar a discussão deste importante tema.
2. Preço recebido pelo produtor
Conforme ilustração do gráfico 1, o preço recebido pelo produtor de leite, nos últimos seis anos (1996 a 2001), além de ter reduzido significativamente, variou muito durante o ano, sendo menor no período das águas e maior no da seca.
A redução do preço médio (4,69% ao ano) tem como causas principais as elevadas importações de lácteos, o crescimento do consumo do leite longa vida, o significativo crescimento da produção per capita e a redução do poder de compra do consumidor, especialmente após 1998.
A flutuação do preço do leite, durante o ano, tem as seguintes causas principais: 1) Menor custo de produção no período das águas, em razão da prevalência de sistemas de produção no pasto, com pouco uso de ração no verão; 2) Maior produção de leite no período das águas. Embora a diferença entre as produções de verão e de inverno tenha reduzido muito, ela ainda existe. Os avanços conseguidos na redução da sazonalidade da produção são expressivos. No ano passado, a diferença entre as produções de verão e inverno foi inferior a 5%. Portanto, não é mais a sazonalidade da produção a mais importante causa da flutuação de preço, como era no passado; 3) Por falta de informações corretas na cadeia produtiva do leite sobre o mercado, (existem muitas especulações) prevalece uma memória safrista, que facilita a prática de menor preço no verão; 4) Finalmente, a última causa, porém não menos importante, diz respeito às imperfeições do mercado, com poucos compradores e muitos e desorganizados fornecedores. Esta estrutura de mercado possibilita ampliar os efeitos das três causas anteriores. Como exemplo, vale registrar que, nos últimos anos, a variação percentual do preço do leite foi muito maior que a variação da produção (sazonalidade).
3. Preço da ração
O preço da ração comercial não variou, sistematicamente, durante o ano, ainda que o preço da matéria-prima tenha apresentado variações nos períodos de safra e entressafra. Tal comportamento é típico de estruturas industriais ologopolizadas (poucas indústrias), que não repassam, imediatamente, para o preço final da ração, as variações de preço da matéria-prima.
No período de 1996/2001, o preço da ração reduziu, em média, 2,68% ao ano, conforme gráfico 2. A queda do preço de ração compensou, em parte, a redução do preço do leite.
4. Relação entre preço do leite e preço da ração
A relação entre o preço recebido pelo produtor de leite e o preço da ração (concentrado) para vacas em lactação variou, significativamente, durante o ano, sendo menor no período das águas e maior no da seca (Gráfico 3). Tal comportamento reflete o que aconteceu com o preço do leite, que também foi menor no verão e maior no inverno. No período de 1996/2001, a relação entre o preço do leite e o preço da ração reduziu, em média, 2,08% ao ano.
Nos últimos seis anos, o poder de compra de 100 litros de leite, tipo C, foi de 2,5 sacos de ração, nas águas e 3,5 sacos na seca, ou seja, a ração é relativamente mais cara nas águas que na seca. Diante da realidade dos preços relativos, os sistemas de produção que utilizam as mesmas quantidades de ração durante o ano todo têm dificuldades de ser administrados no período das águas.
O comportamento da relação preço do leite/preço da ração ajuda a explicar a preferência por sistemas de produção flexíveis, de menor custo no verão e maior no inverno. Tais sistemas privilegiam, no verão, pastagens de boa qualidade em substituição a parte do concentrado. Para que isto aconteça, a adubação do pasto e a rotação de pastagens são práticas indispensáveis. Dados médios, obtidos de produtores-referência, indicam 3 litros de leite/kg de ração no inverno e 5 litros de leite/kg de ração no verão.
A flexibilização do sistema de produção altera o paradima tecnológico que recomendava o produtor a investir na alimentação do rebanho para o período de inverno, dando pouca ou nenhuma importância à alimentação do verão. Neste novo modelo, há necessidade de administrar a alimentação do gado tanto na seca quanto nas águas, considerando os aspectos produtivos e financeiros. O balanço financeiro da empresa produtora de leite deve ter o ano como período de análise.
5. Flexibilidade de custo e retrocesso do sistema de produção
O ajustamento do sistema de produção ao comportamento do mercado (leia-se preço do leite) não pode ser considerado como um retrocesso do sistema de produção. O conceito de sistema de produção é amplo, incluindo aspectos de tecnologia de produção e de administração. Neste contexto, os indicadores de resultado do sistema de produção, além da produtividade dos fatores (litros/vaca, litros/hectare, litros/dia-homem e outros desta natureza) devem também considerar indicadores econômicos, tais como custo/litro, taxa de retorno do capital e capacidade de resposta aos estímulos do mercado.
Existem diversos exemplos de produtores (não são apenas ilhas) que conseguem flexibilizar o custo sem retrocesso do sistema de produção. Tais produtores possuem vacas com grau de sangue que variam de 3/4 HZ a PC holandês, com média de 7/8 HZ, que produzem de 3500 a 4500 litros/lactação. Portanto, não é correto afirmar que a flexibilização de custo só acontece em rebanhos 1/2 HZ, com produção média de 5 litros/vaca/dia durante 240 dias, num total de 1200 litros/lactação. Se assim fosse realmente, flexibilidade de custo significaria retrocesso do sistema de produção. Acontece que não é, e as evidências estão aí para demonstrar o contrário.
Outra questão importante a ser examinada diz respeito à margem bruta unitária e total. Sistemas de baixa produção/vaca utilizam pouco insumo, têm baixo custo/litro e, por conseqüência, alta margem bruta/litro (margem bruta/litro igual ao preço do leite menos custo operacional/litro). Entretanto, tais sistemas têm, em geral, pequeno volume de produção, razão por que a margem bruta total é também pequena.
Por outro lado, sistemas de alta produção/vaca utilizam mais insumo, têm custo/litro mais elevado e, por conseqüência, menor margem bruta/litro. Entretanto, a margem bruta total é maior, em razão da maior escala de produção.
A conseqüência natural desses argumentos é que a racionalidade econômica do produtor não permitirá que ele reduza, significativamente, a produção/vaca, porque isto implica reduzir a escala de produção e, por conseqüência, a margem bruta total. O que importa para o produtor é o total e não o unitário.
A hipótese de o produtor manter a mesma escala de produção (ou até aumentá-la), reduzindo a produção/vaca, implica expandir um modelo extensivo. Em termos gerais, tal alternativa é pouco provável porque a área média do produtor de leite é pequena, segundo dados da Tabela 1. De acordo com o último censo agropecuário, 65% do leite produzido no país é proveniente de estabelecimentos que possuem até 100 hectares de pasto, e, praticamente, 80% da produção vêm de estabelecimentos com menos de 200 hectares de pasto.
6. Conclusões
Os argumentos apresentados permitem as seguintes conclusões: 1) Para garantir uma renda que atenda às necessidades do produtor, a escala de produção é fator primordial; 2) Limitações da área do pasto impedem o crescimento da produção num sistema extensivo; 3) Ajustamentos do sistema de produção, de modo a combiná-lo com o comportamento do preço do leite, implica em substituir parte da ração por volumoso de boa qualidade. Isso significa aumento da produção/área; 4) É possível flexibilizar custo de produção em rebanhos de gado especializado para a produção de leite (não necessariamente animais puros); 5) Diante do comportamento sazonal do preço do leite são indicadas vacas com elevada capacidade de resposta aos estímulos do mercado; e 6) Flexibilidade do custo não é um retrocesso do sistema de produção, mas sim uma questão de sobrevivência.
Tabela 1 - Produção de leite de vaca, segundo grupos de área de pastagem
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1Trabalho escrito em 28-03-2002.
2Professor titular da Universidade Federal de Viçosa.