ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Brasil e México: semelhanças e diferenças do leite. Mas a cerveja...

ESPAÇO ABERTO

EM 23/03/2001

13 MIN DE LEITURA

0
0

Rodrigo Vieira de Albuquerque

No final do ano de 2000, estivemos visitando o México através de uma oportunidade concedida pela Saf do Brasil (fornecedor de leveduras). O propósito foi de conhecer algumas fazendas, a instalação fabril da referida empresa em Toluca e ainda participar de um seminário de nutrição animal. Nesta oportunidade, tivemos a possibilidade de conhecer um pouco mais sobre a pecuária leiteira e a cultura deste país.

A hospitalidade e a alegria do povo não são as únicas semelhanças entre o Brasil e o México: a principal e mais popular bebida mexicana, a tequila, de certa forma aproxima-se à nossa popular "pinga"; o futebol também é uma paixão nacional mexicana (o Pelé, de 70, é sempre lembrado, bem mais do que aqui...); a cerveja é muito saborosa, etc...

A pecuária leiteira mexicana apresenta uma série de situações bastante semelhantes às existentes em nosso país, tais como:

- mercado mal regulado
- cadeia produtiva bastante heterogênea
- indolência de certas partes do governo em questões importantes do setor
- pouco interesse de alguns legisladores
- concentração de laticínios nas multinacionais
- grande volume de importações, particularmente de leite em pó

Porém, no agronegócio do leite, também existem algumas diferenças muito marcantes, algumas das quais também procurei descrever no texto abaixo.

O consumidor mexicano paga pelo litro de leite pasteurizado cerca de R$1,10 a R$1,40/litro (pesos mexicanos convertidos para reais1). Vemos que esta base de preços está acima do que o consumidor brasileiro paga por um litro de leite pasteurizado tipo C, mas está muito próxima dos preços praticados para os leites A ou B. A principal diferença é que a esmagadora maioria dos consumidores mexicanos tem preferência pelo produto pasteurizado ao longa vida, o que de fato não ocorre no Brasil (somente as regiões mais distantes das áreas produtoras de leite do México, como Cancún, são consumidoras do longa vida, segundo informações locais). Por falar nisto, vale ressaltar que o preço do leite longa vida no México, é idêntico ou um pouco maior que o pasteurizado, fincando na faixa de R$1,40/litro. E aqui encontramos uma grande diferença com o Brasil, pois geralmente o nosso preço de longa vida é bem menor.

Da mesma forma que no Brasil, a qualidade do produto não é o fator prioritário na decisão de compra do consumidor de lácteos. Consequentemente, é grande o consumo de produtos feitos a partir de leite em pó importado, sendo frequente a presença de fraudes (produtos "enriquecidos" com proteína vegetal de soja, sem isto estar claro em rótulo). Portanto, definitivamente, o grande concorrente do leite fluido pasteurizado é, afora o consumo informal das áreas pouco tecnificadas, os produtos baseados em leite em pó importado ou produtos fraudulentos de baixa qualidade (adição até de proteína de soja).

Tomando-se como base o salário mínimo diário, que é de 38,40 pesos mexicanos (salário mínimo dividido por 30 dias), ao comprar um litro de leite pasteurizado, o consumidor mexicano gasta aproximadamente 15% deste salário. Fazendo o mesmo raciocínio com o consumidor brasileiro, chegamos a conclusão que um litro de leite pasteurizado tipo C representa também algo próximo a 15% do salário mínimo diário, pois tanto o leite pasteurizado como o salário mínimo são menores por aqui (R$151,00 no Brasil, contra aproximadamente R$230,00 no México). Já no caso do leite pasteurizado B, esta porcentagem subiria para algo em torno de 25% do salário mínimo.

Ainda em relação ao mercado consumidor, vemos uma tendência de aumento do consumo de bebidas lácteas (ou "refrescos de leche") nos últimos anos, fato semelhante ao nosso país.

Na gôndola de supermercados é forte a disputa pelo mercado consumidor entre as fortes Cooperativas nacionais (LALA, Alpura, Gilsa, entre outras) e os laticínios multinacionais (Nestlé, Parmalat, Danone, Kraft).

Em relação aos produtores, percebemos uma grande heterogeneidade quanto à especialização na atividade leiteira, da mesma forma que ocorre por aqui.

Os menos especializados, concentram-se no sul do país e perfazem a grande maioria do número de produtores. Tem características de manejo e higiene na produção bastante precárias. A produção depende única e exclusivamente de fatores climáticos, pois a maioria das explorações é baseada na existência ou não de pastagens com alguma qualidade. Por isto mesmo, estes produtores são também sazonais em muitas vezes (nós conhecemos com certeza este tipo de produtor no Brasil).

Neste ponto cabe ressaltar algumas diferenças muito grandes:

* em algumas regiões, este tipo de produtor muitas vezes tem dificuldade de colocar o seu produto, pois muitas indústrias (ex: Cooperativa LALA) são rigorosas com a qualidade da matéria-prima;

* o preço que o produtor não especializado mexicano recebe pelo seu produto, que é de R$0,41, é sempre muito menor que o preço recebido pelo especializado, principalmente no norte do país. Sabemos que este fato não ocorre em nosso país e com certeza já tomamos conhecimento algumas vezes que uma região onde sabidamente se produz leite de baixa qualidade devido a condições precárias de exploração, está sendo remunerada igual ou de melhor forma que uma região onde se produz leite de boa qualidade.

* R$0,41 recebido pelo litro de leite no México é 24% maior que o preço recebido em média pelo produtor de leite C no Brasil, no ano de 2000 (R$0,33, segundo o boletim do leite de dez de 2000).

Conclusão: o produtor não especializado mexicano é melhor remunerado que o nosso produtor menos especializado, produtor de leite C.

Os produtores semi-especializados estão concentrados no centro e correspondem por 51% da produção, enquanto os especializados estão se concentrando no norte, correspondendo a 31% da produção do país, perfazendo a minoria do número de produtores.

Entretanto, em algumas regiões ao norte do país, como a dita região "laguneira", há um grande bolsão com altíssima concentração de produtores extremamente especializados na exploração leiteira.

Esta região é uma área semi-árida localizada cerca de 800 km ao norte da mostruosa Cidade do México, que para nosso espanto tem ao redor de 22 milhões de habitantes. Compreeende áreas de, principalmente, dois estados mexicanos, que são Coahuila e Durango.

Uma importante cidade que visitamos na região "laguneira", foi Torreón, que se localiza centralmente ao país, distando aproximadamente 600 km do Golfo do México, 600 km do Oceano Pacífico e 600 km da fronteira com o Texas nos EUA. Tem população de 500.000 habitantes e altitude de 1120 m acima do nível do mar. Possui clima seco, semi-árido, com média anual de precipitação de 150mm. As temperaturas no verão vão de 39 à 45°C de dia (à noite caem para 30 à 35°C) e no inverno atingem 20 à 25°C durante o dia (à noite caem para 0 à 15°C).

Esta cidade concentra muitas indústrias de alimentação animal e grandes laticínios (regionais e nacionais). Nela está sediada a Cooperativa LALA (o nome vem de "La laguna"), a qual visitamos e é a maior do México. Somente para se ter uma idéia, a Coop LALA tem 150 produtores, com mais de 160.000 vacas em lactação, processando cerca de 1,5 bilhão de litros anuais (média de 26 litros por vaca em lactação "cooperada"). Tem uma fábrica de ração (a maior de bovinos da América Latina), que comercializa cerca de 50.000 toneladas/mês entre produtos acabados (rações, concentrados e minerais) e commodities, como o milho. Hoje, é um conglomerado de 27 empresas para servir o produtor de leite. Estes números impressionantes estão à disposição de aproximadamente 300.000 vacas em um raio de 60km da cidade.

Nesta área, o modelo de exploração é muito influenciado por consultores norte-americanos e os animais são sempre confinados e em escala (é muito comum encontrarmos fazendas com 1500 a 2000 vacas em lactação).

A alimentação do rebanho na parte de volumosos é composta basicamente por silagem de milho (de 65 a 70% de NDT e com custo de R$70,00 à R$ 80,00/ton de matéria natural, sensivelmente mais caro que a nossa, porém de melhor qualidade na maioria das vezes), alfafa pré-secada e muito feno de alfafa (de boa disponibilidade, excelente qualidade e preço mais barato que por aqui: R$0,20/kg). Toda a plantação depende de irrigação e este é a principal tema na discussão sobre o futuro da exploração pecuária na região, pois está se tirando muito mais água do solo (poços profundos) do que alguns acreditam que seria seguro. Há especulações sobre um possível colapso hídrico e social na região. Parte do volumoso (feno) é comprado de regiões produtoras especializadas.

Em relação aos concentrados, usam muitos produtos importados dos EUA e que chegam com custo de transporte interessante devido à eficiência do transporte férreo ou rodoviário (caminhões de até 85t). Usam muito milho, milho laminado, casca de soja, farelo de soja, canola, glúten de milho 60% e farinhas animais e marinhas (sangue e peixe, de excelente qualidade).

No tocante a preços de concentrados, para que se tenha uma base de comparação, o preço do milho laminado está na faixa de R$0,289/kg (há questão de alguns meses atrás, pagávamos quase isto, só que pelo milho apenas moído). O farelo de soja hy-pro (47% ou 48% de proteína) está na faixa de R$0,53/kg, ou seja, superior aos nossos preços atuais, mesmo descontando a proteína bruta maior (obs: preços de dezembro de 2000).

Como aditivos alimentares, utilizam muito tamponantes e alcalinizantes ruminais, fontes de gorduras by-pass, minerais orgânicos, ionóforos, leveduras, sais aniônicos e precursores de glicose.

Geralmente, as fazendas acima de 300 vacas em lactação, compram um produto de baixa inclusão/vaca (suplemente proteico, mineral, e vitamínico, de 1 a 2 kg/vaca/dia), adicionando este produto diretamente nos misturadores de TMR (largamente utilizados), juntamente com os macro-ingredientes de melhor preço na época.

A média de produção objetivada para fazendas de bom manejo é de 29l/vaca no verão e 34l/vaca em lactação no inverno. Para isto a preocupação com estresse térmico é muito grande e é comum o uso de resfriadores de ambiente com auxílio de cortinas nos barracões onde as vacas permanecem e principalmente na sala de espera.

São decisivamente muito profissionais na administração da fazenda como uma empresa rural e estão no negócio para serem remunerados. Esta é uma das características mais marcantes das grandes operações leiteiras de lá.

Estas operações leiteiras de maior porte são disputadas pelas indústrias de laticínios e pelas grandes Cooperativas, sendo as pertencentes as Cooperativas as mais privilegiados em relação ao preço que recebem pelo litro de leite.

Segundo o que nos foi informado pelo Gerente da Lala Alimentos (Sr. Jose Luis Madero), há bonificações aos produtores e os melhores chegam a receber o equivalente à R$0,80 - 0,90/l de leite, enquanto que os não cooperados recebem cerca de R$0,75/l. Há cooperativas que pagam de R$0,45 à R$0,51/l e algumas indústrias que oferecem R$0,65/l, na dependência das características de cada produtor. Aqui há muita diferença conosco...

Talvez estes preços de leite e o fato da proximidade com o Texas, com a consequente grande oferta de carne das atuais 7 milhões de cabeças de gado confinado daquele estado norte-americano, façam com que esta região tenha uma característica que por sinal é contrária ao que vemos em algumas áreas do Brasil, ou seja, produtores de gado de corte migrando para a atividade leiteira.

Porém, eles sabem que a situação não tende a ficar assim por muito tempo, e os produtores de lá estão preocupados caso os preços recebidos comecem a cair. Como não param de aumentar os preços no varejo, a preocupação é que comece a ocorrer o mesmo fenômeno noticiado em alguns países do mundo, como os EUA ou seja: aumento da diferença entre o preço do leite no varejo e na fazenda, pela diminuição do preço na fazenda e aumento do preço para o consumidor.

Outras grandes preocupações dos produtores que estão começando a se articular cada vez mais organizadamente como uma classe em busca de interesses comuns, são:

* a alta quantidade de leite em pó importado: segundo a revista econômica mexicana Disfraz, de novembro de 2000, a importação ficaria na faixa de 35% da produção, o que seria realmente muito alto. Já segundo o Sr. Madero, dos 22.000.000 de litros consumidos diariamente pelo país, 11.000.000 seriam de leite fluido (90% pasteurizado e 10% UHT) e 11.000.000 oriundos de produtos à base de leite em pó;
* a ocorrência cada vez mais comum de produtos fraudados com adição de proteína de soja, vendidos a preços muito baixos;
* a alta concentração de laticínios;
* a necessidade de se aumentar a exportação de queijos aos EUA ;
* utilização por parte do governo de produtos lácteos importados em seus programas nutricionais.

Estas articulações foram tão fortes que levaram a mesma revista citada acima a publicar uma matéria (nov/2000), com o seguinte título: "Los Lecheros bajo sospecha", na qual se colocou uma suspeita de cartelização dos produtores para aumentar ou evitar a queda de preços de leite.

Finalizando este relato, no simpósio de nutrição animal que participamos ao final de nossa viagem, a preocupação que gerou uma grande polêmica era a dicotomia de opiniões entre dois caminhos que se ofereceriam, segundo eles próprios, para os produtores de lá neste momento, a fim de enfrentar a tendência de diminuição dos preços recebidos:

* o primeiro seria a união dos produtores para atuar junto às lideranças do governo, em busca de medidas protecionistas contra a importação;

* o segundo, defendido por um técnico palestrante do encontro, era da necessidade cada vez mais eminente de os produtores terem que se tecnificar, objetivando a diminuição dos custos de produção e a consequente sobrevivência.

Em nosso ponto de vista, é imperativo que os produtores de todo o mundo, inclusive o México, tenham cada vez mais sua produção calçada em alicerces solidificados pela técnica correta de exploração e que juntem a isto a força que uma classe unida pode ter. Logicamente isto não é tudo e também é necessário que o governo esteja atento para evitar práticas de comércio desleais, caso elas realmente existam, recorrendo se necessário à OMC.

De tudo isto, fica para nós do Brasil, em nossa opinião, a necessidade da revisão dos modos de atuação de todos os envolvidos no agronegócio do leite (produtores, técnicos, indústria, governo) para que estas atuações sejam no sentido da manutenção da "saúde" de todos os envolvidos nesta importante atividade agropecuária. Isto passa, sem dúvida nenhuma, por uma atuação organizada de grupos de interesses afins e da vigilância constante do governo sobre questões internacionais conflitantes, como começamos a ver por aqui. Nenhum destes envolvidos pode esquecer de ter como uma de suas prioridades a atuação junto ao mercado consumidor, pois afinal de contas, venda de leite informal só existe única e exclusivamente porque há alguém que se dispõe, às vezes sem ter a mínima noção do que esteja realmente fazendo, a comprar este tipo de produto.

E, aos nossos "mui queridos hermanos mexicanos" da região laguneira, creio que eles têm realmente que colocar a "barba de molho", pois a realidade mundial de preços de leite é diferente. É bom que se articulem rapidamente, pois várias vezes escutei por lá que seria "muito complicado" os produtores trabalharem recebendo a base de preços praticada nos EUA, ou seja, a média anual por volta de US$0,21 à US$0,25/l. E pensar que estamos por volta de US$ 0,15 à US$ 0,22, dependendo da região e tipo de leite produzido.

Enquanto algumas diferenças entre a exploração leiteira de Brasil e México estão a nosso favor e outras a favor deles (principalmente o preço pago ao produtor), resta-nos uma grande vantagem para os finais de semana: pelo menos a nossa cerveja, que é no mínimo de igual sabor e qualidade que a do México, pode ser comprada por volta de R$0,65/lata, enquanto que eles tem que pagar R$1,35, não podem comprá-la após as 21 horas nos supermercados e ainda por cima algumas vezes a tomam com temperos apimentados !

0bs: quando o texto foi escrito, a paridade do real para o dólar era de R$ 185 para cada dólar
_________________________________________________________

Rodrigo Vieira de Albuquerque é Médico Veterinário, Coordenador de Serviços técnicos - Ruminantes / SP da Nutron Alimentos LTDA

0

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do MilkPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

MilkPoint Logo MilkPoint Ventures