Marcello de Moura Campos FilhoProdutor de leite, membro da Aplec (Associação dos Produtores de Leite do Centro Sul Paulista) e Presidente da Leite São Paulo (Associação dos Técnicos e Produtores de Leite do Estado de São Paulo) |
MilkPoint: Breve descrição profissional:
Marcello: Engenheiro eletricista, com especialização em administração de empresas. Trabalhei na Companhia Paulista de Força e Luz e fui professor da Faculdade de Engenharia da Fundação Armando Álvares Penteado. Comecei trabalhando com leite com meu pai na propriedade da família com 20 anos e, atualmente, com 65 anos, trabalho com meu filho nessa atividade.
MilkPoint: Como é atuar como produtor de leite e presidente da Leite São Paulo?
Marcello: Sempre digo que o produtor de leite tem que ter uma atividade da porteira para dentro e outra da porteira para fora, participando de entidades que o representem. Eu, além da Leite São Paulo, faço parte da APLEC, uma associação de produtores que comercializa em bloco o leite que produzem e que trabalha com contrato, o que não é comum mesmo fora do Brasil, e fazem compras conjuntas.
Na Leite São Paulo, o trabalho como presidente absorve grande parte do meu tempo, não é remunerado e só tem sido possível por que quem cuida da parte operacional fazenda é meu filho, que mora em Botucatu (SP) e está presente todo o dia, pois o leite exige dedicação diária. Hoje da porteira para dentro a minha função é de planejamento e supervisão. Penso que para o futuro, com a associação consolidada financeiramente, o cargo de presidente deva ser exercido por um técnico, com dedicação exclusiva e naturalmente remunerada.
MilkPoint: Como é sua propriedade leiteira?
Marcello: A parte leite ocupa 30 hectares, e a produção de leite que há 47 anos era da ordem de 250 litros dia tirados manualmente, é hoje de 2.000 litros dia tirados numa ordenha espinha de peixe duplo 6, com pulsadores eletrônicos, comando digital e estamos implantando o software para acoplar ao sistema. O leite produzido é tipo B (muitos, inclusive na indústria, pensam que com a IN 51 o leite padrão veio para acabar com o leite tipo B, o que acho que é um tremendo engano, pois o leite padrão na realidade é a especificação mínima de qualidade para o leite pasteurizado e a norma prevê leite A e B de qualidade superior - talvez seja até por isso a dificuldade que existe para assegurar o padrão mínimo previsto pela IN 51 ), com controle de tanque e de vaca por vaca feito pela Clinica do Leite.
Utilizamos inseminação artificial e transplante de embriões para o controle genético. Mantemos em média 85 animais em lactação e 23,5 litros/dia por vaca, em regime de pastejo rotativo com irrigação e adubados a cada passagem do gado, com suplementação no cocho, em 5 ha de piquetes de mombaça irrigados. Antes da última passagem do manejo de verão semeamos aveia e azevém, e depois da saída do gado rebaixamos a mombaça com roçadeira costal para preparar o manejo de inverno. As vacas em lactação são mantidas em 3 grupos no verão e no inverno é criado um quarto grupo onde a silagem de cana é utilizada, pois a pastagem de qualidade é reservada aos animais mais produtivos.
Temos um sistema com esterqueira que mistura o esterco sólido da limpeza de curral e cochos com bagaço de cana e é curtido antes de ser distribuído, e tanque para chorume que é distribuído diretamente por irrigação ou chorumeira, visando aproveitar ao máximo a adubação orgânica. Trabalhamos com um gado com sangue de holandês e Gir, com o grau de sangue holandês variando de 1/2 a 31/32, e concentrando a maior parte entre3/4 e 15/16 de sangue holandês.
As bezerras são aleitadas até 2 meses e no terceiro mês fazemos a redução gradativa do leite em função do consumo de concentrado e procedemos a desmama. A recria é feita na fazenda, com os animais divididos em grupos, cada grupo contando com 2 piquetes, alternados a cada 15 dias, e suplementação no cocho. O manejo da recria visa que as novilhas sejam inseminada a partir do 15º mês e estejam parindo entre 24 e 27 meses. Chegamos a um plantel produtivo e bastante homogêneo, trabalhado com manejo simples, mas eficaz.
Creio que a descrição da uma idéia geral de nossa propriedade leiteira, que está à disposição dos que quiserem conhecê-la com mais detalhe.
MilkPoint: Quais os principais desafios na atividade?
Marcello: A atividade para dar retorno exige investimento significativo, muita mão de obra especializada (que como MilkPoint bem mostrou, hoje é um mito que seja barata), assistência técnica e gerenciamento, e atender adequadamente a essas exigências, ao meu ver, são os principais desafios da atividade do produtor de leite da porteira para dentro.
MilkPoint: Em que consiste a Leite São Paulo? Como ela atua?
Marcello: A Leite São Paulo teve origem como uma associação de produtores, mas visando atender as necessidades da nossa pecuária leiteira da porteira para dentro e da porteira para fora, passou a ser uma associação que congrega técnicos e produtores, com o nome de Associação dos Técnicos e Produtores de Leite do Estado de São Paulo - Leite São Paulo, com sede em Botucatu na região central do nosso Estado.
A atual Diretoria da Leite São Paulo é composta por Marcello de Moura Campos Filho - presidente (produtor), prof. Vidal Pedroso de Faria - vice-presidente (FEALQ), Maurício Palma Nogueira - Diretor Técnico (Bigma Consultoria) e prof. Alcides Amorim Ramos - diretor administrativo-financeiro (UNESP/Botucatu) tendo no seu Conselho Fiscal João Roberto Lembi (produtor), Antonio Perozin (produtor) e Marco Antônio Bergamaschi (Embrapa Pecuária Sudeste).
O Conselho Técnico da Leite São Paulo é composto por José Luiz Vasconcelos (reprodução - UNESP/Botucatu), Marcos Veiga dos Santos (qualidade do leite - USP/Pirassununga), Francisco Rennó (nutrição - USP/Pirassununga), Patrícia Perondi Anchão Oliveira (produção de forragem - Embrapa Pecuária Sudeste), José Pagani Neto (gestão da propriedade - CATI Leite), Maria Luiza Nicodemo (aspectos ambientais - Embrapa Pecuária Sudeste) e Rafael Ribeiro (mercado - Scot Consultoria).
O objetivo da Leite São Paulo é colaborar com o produtor de leite paulista, tanto da porteira para dentro, contribuindo para melhorar a produtividade, reduzir custos, melhorar a qualidade do leite produzido e trazer orientação com relação aos aspectos ambientais, como da porteira para fora, levando ao Governo e aos outros elos da cadeia produtiva as legitimas e justas reivindicações dos produtores.
Com relação ao trabalho da porteira para dentro estamos trabalhando num projeto piloto para desenvolvimento de assistência técnica a produtores de leite em Botucatu, com o apoio da Prefeitura do Município, visando o aumento de produtividade, redução de custos e melhoria da qualidade do leite para os produtores. Esse projeto piloto será implementado em 2011, e tendo o sucesso que esperamos, pretendemos disseminar em outros municípios do Estado de São Paulo.
No trabalho da porteira para fora participamos da Câmara Setorial do Leite e Derivados de São Paulo e atuamos junto a órgão do Executivo e a Assembléia Legislativa, a Municípios, a entidades de pesquisa e universidades, bem como junto outros elos da cadeia produtiva, no sentido tratar dos interesses dos produtores de leite paulistas.
MilkPoint: Quais os desafios que ela enfrenta?
Marcello: Um dos desafios, como acontece em outras entidades, é o engajamento e participação dos produtores, uma apatia decorrente, de um lado, a uma cultura do individualismo característica do brasileiro, e de outro ao passado onde se criou um abismo entre dirigentes das entidades e os produtores.
Outro desafio é a dificuldade de diálogo com o Governo e outros elos da cadeia, cuja maior causa talvez seja o próprio número de produtores, que dificulta muito uma ação organizada do segmento primário.
A tarefa de colaborar com os produtores da porteira para dentro e da porteira para fora exige recursos financeiros significativos, e a obtenção desses recursos é o terceiro desafio e, no meu modo de ver, o maior deles.
Acredito que esses desafios serão vencidos gradativamente ao longo do tempo em função de uma ação com seriedade e diferenciada da associação, e reconhecimento dos resultados positivos dessa ação pelos produtores, por outros elos da cadeia produtiva e pelo Governo.
MilkPoint: O que tem melhorado no setor?
Marcello: Vejo algum progresso no entendimento do elo da pecuária de leite e outros elos da cadeia produtiva, bem como na sensibilidade do Governo para os problemas da pecuária de leite. O trabalho da Embrapa e Universidades é um ponto positivo. Contamos hoje com um número de técnicos de campo maior e mais bem preparados. No entanto, essas melhoras tem sido pontuais, atingido um número limitado de produtores. Se observarmos no geral, a nossa pecuária de leite é pouco produtiva e pouco competitiva, a qualidade do leite ainda deixa a desejar, mostrando pouca evolução nos últimos quarenta anos. Por isso o Brasil é um País importador de leite para atender suas necessidades internas, sendo que nos últimos vinte anos importamos o equivalente a cerca 30 bilhões de litros, e conseguido a auto-suficiência e exportar (em torno de 2 bilhões de litros) apenas no período de 2004 a 2008.
Reconheço que tivemos algumas melhoras, mas pontuais, muito abaixo do que seria desejável. E vejo riscos desses avanços ainda serem prejudicados se o não equacionarmos rapidamente uma defesa para a questão cambial e se o setor leiteiro for dado como moeda de troca para favorecer outros setores.
Temos muito a fazer em termos de melhorias no setor se quisermos que nossa pecuária de leite seja produtiva, competitiva e com leite de qualidade para poder assegurar o abastecimento de nosso grande mercado interno e aproveitar as oportunidades que se abrirão para exportação nos próximos anos.
MilkPoint: Que personalidade admira no setor?
Marcello: Admiro as pessoas que devotaram suas vidas trabalhando em prol de nossa pecuária leiteira, sejam elas produtores ou técnicos no campo, nas universidades ou entidades de pesquisa. Difícil citar nomes sem cometer a injustiça de esquecer outros. Mas vou citar três, apenas como exemplos dessas pessoas que admiro: Vidal Pedroso de Faria, Artur Chinelato de Camargo e Paulo Machado.
MilkPoint: Que empresa ou instituição admira?
Marcello: Difícil citar apenas uma. Fico com três: EMBRAPA, ESALQ e FMVZ/FCA da UNESP/Botucatu.
MilkPoint: Dica de sucesso ou fase preferida:
Marcello: O sucesso é fruto de trabalho planejado, executado de forma organizada, com dedicação, persistência e controle adequado.
MilkPoint: Quais os serviços do MilkPoint você utiliza mais, e como o site lhe auxilia no dia-a-dia?
Marcello: Todo o site do MilkPoint é muito útil para mim no meu dia a dia, tanto como produtor como dirigente da Leite São Paulo. O Marcelo Carvalho e toda a equipe do MilkPoint estão de parabéns pelo importante trabalho que realizam para o setor leiteiro.
MilkPoint: O que representa para você sua propriedade leiteira?
Marcello: Há um vinculo familiar muito forte, começando com meu bisavô que comprou a propriedade, que produzia café, há mais de 120 anos. A atividade rural é uma tradição da família, e ponto de união da família, e a foto com meu pai e minha mãe na janela, e toda a família reunida na parte de fora ilustra isso.
Meu pai começou faz 47 anos com a produção de leite, e eu, com a camisa azul listrada na foto, comecei a trabalhar com ele no leite com 20 anos de idade. Meu filho, com a camisa rosa e meu neto mais novo na época no joelho, é quem cuida do dia a dia da parte do leite. Veja na outra foto, meu filho com esse meu neto acariciando uma bezerra - são 4 gerações de Marcello´s selecionando e cuidando de gado de leite, e por isso a minha ligação com a propriedade leiteira é muito forte - minha mulher diz que não tem ciúmes de outras mulheres, mas só tem das vacas leiteiras.