A seleção genética de animais para a produção de leite muda substancialmente seu metabolismo. A nova “configuração” das vacas favorece a glândula mamária, com mais prioridades metabólicas do que qualquer outro tecido, sendo isso tão importante quanto a reprodução ou a imunidade.
Toda a seleção, agora apoiada na genômica, priorizou, nos últimos anos a produção da maior quantidade possível de leite, gordura e proteína. A seleção genética recompensou as vacas cujo úbere possuía as células do epitélio do alvéolo mamário cada vez menos dependentes da insulina e, portanto, capazes de adquirir sem a sua "intermediação" nutrientes como glicose, aminoácidos e ácidos graxos. Esse "assédio metabólico" é atenuado quando a vaca gesta novamente, porque o útero e o tecido adiposo recuperam a prioridade imposta pelo feto.
A necessidade urgente da indústria de possuir leite com crescentes porcentagens de gordura e proteína impôs às vacas outra profunda reorganização metabólica. Para aumentar a disponibilidade de ácidos graxos de cadeia longa e de aminoácidos à glândula mamária, foram selecionadas as aptidões de perda de peso e fácil mobilização das reservas musculares de "proteínas lábeis”.
Portanto, o produtivo gado leiteiro moderno, cujo leite possui maior concentração de proteína (principalmente caseína; a proteína mais importante do leite) e ácidos graxos, tende a ter uma resposta mais baixa à insulina, pelo aumento do açúcar no sangue e uma menor suscetibilidade dos tecidos à ação desse hormônio pancreático. Logo, esse comportamento alterado da insulina, predispõe os animais a uma maior mobilização lipídica, com efeitos positivos no percentual de gordura do leite. No entanto, o aumento da entrada de ácidos graxos não esterificados (AGNE) no fígado, aumenta o risco de cetose metabólica e esteatose hepática, tanto clínica quanto subclínica. Bobe et al., (2004) reportaram que 50% das vacas leiteiras podem sofrer esteatose hepática moderada ou severa.
Além disso, as vacas de potencial genético elevado (PGE), possuem um nível de hormônio do crescimento superior quando comparado a um animal menos selecionado. Entre os múltiplos efeitos desse hormônio hipofisário está o aumento do fluxo sanguíneo e, portanto, o suprimento de nutrientes à glândula mamária. Além disso, o suprimento sanguíneo hepático aumenta e, com ele, a liberação de estrogênio e progesterona, um aspecto que explica parcialmente a redução da fertilidade típica dos animais PGE. Para se entender a estrutura hormonal e metabólica dos ruminantes de PGE, pode-se citar, ilustrativamente, o que acontece no metabolismo de um ser humano diabético, identificando alguns aspectos bem conhecidos por Nutricionistas e Veterinários (Figura 1).
Figura 1. Deficiência de insulina primária (diabetes tipo 1) ou secundária (diabetes tipo 2)
A subtração primária de aminoácidos, tanto essenciais como não essenciais, devido à síntese de proteínas e outros nutrientes na glândula mamária, muito frequentemente induz a deficiências secundárias de aminoácidos. Isso pode conduzir a repercussões negativas na saúde das vacas, agindo na exportação de triglicerídeos desde o fígado, na produção (especialmente hepática) do hormônio IGF-1 e na eficiência total do sistema imunológico, tanto humoral quanto mediado por células.
Vacas com rendimento de 45 kg de leite/d e 3,2% de proteína, produzem 1440 g de proteína (1100 g de caseína). Precisa-se de 1,5 g de proteína metabolizável para se produzir cada grama de proteína láctea, de modo que a vaca necessita 2160 g de proteína metabolizável (PM) só para a produção diária de leite. Estima-se que, entre 2 semanas antes do parto e as 5 primeiras semanas de lactação, as vacas PGE percam até 115 kg de tecido muscular, o que corresponde a cerca de 21 kg de proteína muscular. Dados bibliográficos indicam que mais de 25% das vacas Holandesas produzam 2,9% de proteína a menos durante os primeiros 75 dias de lactação. Ainda que sejam vacas de PGE, elas produzem menos proteína láctea que a esperada. Isso comprova que, embora o úbere e a síntese de proteína sejam prioridades, as vacas recém paridas possuem deficiência de aminoácidos (Fantini, 2019).
A metionina (Met), um dos aminoácidos essenciais (AAE) mais estudados, totaliza 5,5% do total de AAE no leite bovino, constituindo entre 2,48 e 3,32% da caseína. As vacas extraem Met da PM e da proteína muscular mobilizada. Metade do total da Met utilizada é proveniente da remetilação de homocisteína. A SAM, molécula sintetizada a partir da metionina, é envolvida em processos de metilação (doação de grupos metil) de outras moléculas, tais como DNA, RNA, lipídeos e proteínas. Os grupos metil têm um papel importante na expressão genética. Certos genes são silenciados através da metilação da citosina. Esses processos são influenciados também pelo ambiente (epigenética) e tornam os organismos, e sua prole diferentes, sem a modificação do DNA.
Mais do 30% da metionina total é usada para produzir a colina e, consequentemente, a Met também tem um papel central na síntese de apolipopotrína B e fosfatidilcolina. As necessidades de Met são estreitamente ligadas à quantidade absorvida de folato, vitamina B12, colina e betaína. Todos esses nutrientes podem ser suplementados de forma protegida da ação ruminal na dieta de vacas leiteiras.
É óbvio que essas características hormonais e metabólicas, voltadas principalmente para o desempenho produtivo, têm impactos negativos na saúde e na fertilidade das vacas leiteiras. Animais PGE precisam de dietas, controle de doenças infecciosas, manejo e ambiente muito “caprichados” para que não se adicione fatores de risco a estas particularidades metabólicas potencialmente negativas na imunidade, fertilidade, longevidade e até, no desempenho produtivo. Muitos dos problemas que afetam os ruminantes leiteiros são resultado do manejo deficiente durante a transição. Ambientes superlotados, estressantes, não controlados climaticamente, pobre manejo de dietas, falta de atenção da vaca, e talvez no futuro, o fotoperíodo, criam uma combinação de fatores etiológicos de risco que podem condicionar a prevalência de doenças metabólicas, que se concentram tipicamente durante a fase de transição.
As doenças experimentadas durante o período de transição, representam 70-75% do total que podem afetar uma vaca leiteira, sendo todas intimamente ligadas. Consequentemente, se quisermos reduzir a prevalência excessiva de uma delas, devemos cuidar de todas as outras. A Figura 2 destaca as interconexões do metabolismo e as doenças, sendo todas elas são fatores de risco para as demais, afetando o desempenho animal.
Figura 2: Interconexões de patologias metabólicas (Fantini, 2005)
O profundo conhecimento das mudanças do metabolismo dos animais sujeitos à seleção genética e genômica pode direcionar melhor a atenção dos produtores e técnicos sobre determinadas patologias e como preveni-las ou tratá-las. Os balanços negativos de energia, proteína e doadores de metil, bem como as patologias metabólicas, estão estreitamente relacionados durante o período de transição das vacas leiteiras. Essa coincidência temporal impacta negativamente a longevidade, a reprodução e a produção dos animais. Os antibióticos e as terapias hormonais devem ser reduzidos ao indispensável, tendo a nutrição clínica e funcional, um papel cada vez mais importante para a manutenção ou aumento do desempenho animal.
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*Certificados de Bypass e digestibildiade intestinal emitidos pela Universidade de Cornell
Bibliografia
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Bobe, G., J. W. Young, and D. C. Beitz. 2004. Invited review: Pathology, etiology, prevention, and treatment of fatty liver in dairy cows. J. Dairy Sci. 87:3105–3124.
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Fantini, A. 2019. La subdola carenza (secondaria) dei gruppi metilici – Parte I. Disponível em: https://www.ruminantia.it/la-subdola-carenza-secondaria-dei-gruppi-metilici-parte-i/
Adaptado do artigo original da língua italiana disponível aqui.
Fantini, A.
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