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Leite clandestino: quem tem medo do lobo mau?

ESPAÇO ABERTO

EM 04/05/2001

8 MIN DE LEITURA

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Vanerli Beloti

Temos acompanhado as discussões sobre o leite informal, onde cada um acha alguma coisa. Como trabalho com isso, muito diretamente, há 14 anos, também quero dar "pitaco". Como professora de Inspeção de Leite na Universidade Estadual de Londrina, há 10 anos desenvolvemos com os alunos campanhas que têm como objetivo diminuir o consumo de leite informal, envolvendo desde o levantamento do consumo de leite "in natura" nas cidades, passando pela organização dos produtores, até a educação dos consumidores.

A primeira experiência, realizada em Londrina, foi reproduzida por nós em diversos Municípios da Região e, nesses anos, tivemos a oportunidade de observar pontos importantes e interessantes que gostaríamos de compartilhar, sem a pretensão de sermos detentores da verdade, nem de inventarmos a roda, mas apenas de relatar experiências frutíferas.

O problema:de onde vem o leite clandestino?

Não temos em nossa região usinas clandestinas. Temos o leite vendido sem qualquer tratamento, e também o queijo. Para se ter idéia, em Londrina, a quantidade era de aproximadamente 30 mil litros de leite fluido clandestino/dia, contra 70 mil beneficiados, em 1996.

O leite vem de animais sem qualquer controle sanitário e é vendido pelo próprio produtor ou por distribuidores, categoria singular nesta cadeia. O distribuidor é um atravessador de leite. Pegam o leite dos produtores e entregam diretamente nos domicílios, ou mesmo embalam cru e vendem. Alguns têm até pontos de venda em padarias e mercearias. Eles não têm nenhum carinho nem escrúpulos com o produto, são os que mais fraudam e dão problemas. Eles dependem da informalidade para existência de sua atividade, diferente do produtor. Também é ilusão pensar que na informalidade só há pequenos produtores. Já tivemos vários casos de produtores com 400 e até 800 litros de leite na rua.

Quem consome?

Uma pesquisa realizada por nós com 1025 consumidores de leite, em todos os bairros da cidade de Londrina, mostrou que 13% dos entrevistados consomem leite cru; destes, 42% consideram o produto melhor que o "leite de saquinho", que passa por pasteurização, processo cuja finalidade eles ignoram completamente; e praticamente 100% não têm idéia de que o leite cru pode oferecer sérios riscos a saúde de quem o consome. Assim, como todos sabem, o principal motivo do consumo é a falta de informação.

Outra ilusão é acreditar que o consumo se concentra na periferia. Condomínios fechados e edifícios no centro da cidade de Londrina, recebiam o leite cru em latões dourados e pagavam preço de leite tipo B.

O que fazer?

Seja qual for a quantidade de leite clandestino, 15%, 19%, 22% ou 44% da produção nacional, temos que convir que é muito leite para se coibir apenas por força da lei. Isso não seria possível, nem que a nossa vigilância sanitária contasse com um número 100 vezes maior de agentes.

Resumimos, então, as ações em dois campos: convencer e organizar os produtores e educar a população.

Estratégias: Aglutinar e esclarecer entidades

O trabalho começa aglutinando e esclarecendo o máximo de entidades sobre a gravidade do problema: universidade, Conselho de Medicina Veterinária, Vigilância Sanitária Estadual e Municipal, Secretaria de Agricultura, de Saúde, Serviços de Inspeção, Secretaria de Educação, Promotoria e imprensa. As cooperativas e indústrias podem colaborar nos bastidores, porque são tidas como interessados, e sua presença num primeiro momento dá à população, ainda desinformada, a impressão de que a campanha tem cunho comercial. Todas as entidades são importantes, mas a imprensa e a promotoria não podem ficar contra, e normalmente não ficam.

Analisar o leite clandestino

É necessário analisar o leite de mais de 50% dos produtores informais da cidade, para dar fidedignidade ao trabalho, que é mais polêmico que o costumeiro. Os resultados microbiológicos e físico-químicos são sempre estarrecedores. Neste caso, quanto pior, melhor. Mais impacto terá a disseminação da informação.

Divulgação dos resultados pela imprensa

Quando aparecem os resultados, é hora da imprensa agir. A imprensa deve, então, divulgar maciçamente os milhões de bactérias, os milhares de coliformes fecais, a descarada quantidade de água adicionada que chega a 25%, e por aí vai. Este é o momento de ganhar a opinião pública, que consome este leite por tê-lo como melhor que o pasteurizado. Em cidades pequenas e médias, este tema pode ocupar a primeira página dos jornais por vários dias. A TV também é fundamental e as imagens falam mais que mil palestras. A comunidade se posiciona indignada e, diante dos fatos, se sente traída pelo fornecedor em quem tanto confiava. Na dúvida, a grande maioria deixa de consumir.

As autoridades

As autoridades da cidade são um caso a ser tratado em separado. São sempre o maior entrave. Quanto menor a cidade, maior o poder do Prefeito, e normalmente eles não querem mexer com isso. Têm sempre amigos produtores informais, ou atendem a pedidos dos vereadores, que têm amigos produtores informais, e se souberem o que se pretende, nada acontecerá. Portanto, preferimos não contata-los até que a imprensa faça seu serviço, e torne a situação irreversível. Então, são obrigados a se posicionar favoravelmente à causa, uma vez que dados sobre a péssima qualidade do produto e os perigos para a saúde pública já foram fortemente alardeados. Aí serão bonzinhos, anunciarão doação de terreno para construção de microusina, ajudarão a ir atrás de verbas federais e etc.

Os produtores

Alguns deles não têm real conhecimento da gravidade e extensão do problema, e de cara se dispõem a colaborar. Outros já sabiam que não deveria ser assim, mas ninguém falava nada... De qualquer forma, a primeira reação da maioria é aparecer como coitadinhos, acham que não se deve atrapalhar quem está trabalhando, dizem que queremos tirar o ganha pão deles, que foram criados com leite cru e estão vivos, e é aquela choradeira. É fundamental ter argumento para tudo isso.

Num segundo momento, tentam uma reação, querem contestar os resultados, mas vão se afundando cada vez mais. Seus animais não têm controle sanitário, as condições higiênicas da produção são precárias, e só a ameaça de mostrar tudo na televisão, acalma os produtores que é uma beleza. Então podemos sentar para conversar, de preferência na Promotoria. O pessoal da vigilância normalmente sabe quem são os produtores, que são convidados pelo Promotor a comparecer. Nesta ocasião, nós esclarecemos os produtores sobre o porquê de tudo isso, mostramos os resultados das análises e respondemos perguntas técnicas. O Promotor explica a parte legal: "proibida a comercialização desde 1952" e "é crime...", estabelece prazos (com orientação técnica) e penas para o descumprimento do que ficar combinado. É importante que os produtores entendam que somos aliados, vamos ajudar a encontrar uma solução que os viabilize sem comprometer a saúde pública, e que o Município e o Estado devem ser solidários, e podemos, juntos, ir até eles.

Aí aparece a figura do distribuidor. Como, em sua quase absoluta maioria, não têm vínculo com a produção, sentem sua atividade ameaçada. São os que normalmente procuram advogados e dão o maior trabalho. No entanto, só contribuem para manter a história na mídia por mais algum tempo, ficando evidente a ilegalidade da atividade, e nos dando oportunidade de falar novamente sobre os riscos etc. Mas até para eles tem solução.

Como informar a população

O trabalho mais duradouro e com maior poder de disseminação é o realizado com as crianças e adolescentes. Eles não têm resistência ao assunto, acreditam nos professores e ainda atormentam os pais, praticamente obrigando-os a mudar de hábitos.

A Secretaria de Educação tem a mais delicada das funções, organizar a disseminação das informações essenciais sobre a questão. No município de Cornélio Procópio, tivemos a mais abrangente experiência neste sentido. A matéria ganhou tamanha importância, que a Secretaria de Educação convocou TODOS os professores de Ciências e Biologia de escolas públicas e privadas, e ministramos palestras abordando os temas: importância do leite, perigos do leite cru, pra que serve a pasteurização, desvantagens de ferver o leite, leites tipo A, B e C, leite UHT. O tema foi reproduzido pelo professor com a linguagem adequada à faixa etária de seus alunos, de modo que todos os estudantes do primeiro e segundo graus foram sensibilizados.

Realizou-se então um concurso entre todos os alunos da cidade, com tarefas e prêmios diferenciados para cada série, doados por lojas e pelo Conselho de Medicina Veterinária. A participação foi maciça, e os resultados na diminuição do consumo, imediatos.

O material utilizado nas campanhas é criado pelos alunos de Veterinária. Eles criam cartilhas, adesivos, slogans para as campanhas, e ainda são preparados para ministrar as palestras, durante a disciplina de Inspeção de leite.

Novela longa, final feliz

Com o consumo de leite informal em baixa, é mais fácil organizar os produtores em associações que deverão gerir as microusinas, solução que tem se mostrado melhor que a implantação e gerenciamento pelo Município. Outras possibilidades podem ser soluções viáveis, como acordos especiais com usinas ou microusinas (onde elas existem). Esse é um ponto que deve ser pacientemente discutido com os produtores, para que se tenha sua adesão e empenho em solucionar o problema.
Os distribuidores podem continuar distribuindo, mas agora, leite pasteurizado, embalado e refrigerado.

A vigilância também é capaz de atuar quando o consumo diminui, e isso é fundamental para que a campanha tenha crédito e chegue a um resultado. A promotoria também deve punir, se prazos não forem respeitados.

O nosso trabalho leva em torno de um ano, mais um ano e meio a implantação da microusina, se for o caso. Isso se tudo der certo. Em Londrina, onde começamos esse trabalho há dez anos, a microusina só agora vai acontecer. Mas é verdade que o consumo já caiu muito.

Temos consciência de que este é apenas um microuniverso diante da dimensão do problema no país, mas é preciso tomar atitudes concretas, enfrentar o lobo mau, e os resultados mostram que não é impossível salvar a vovozinha.
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Vanerli Beloti é Prof. Dra. da Universidade Estadual de Londrina

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PAULO LUÍS GONÇALVES CAMPELO

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 03/08/2009

Não sou contra o mercado de leite informal, o Governo investe em campanhas contra esse mercado apenas visando o aumento na arrecadação de impostos, e não por estar preocupado com a saúde pública, se fosse por esse motivo não eram permitidas tantas campanhas publicitárias bombardeando a cabeça da população para consumirem cigarros e bebidas alcoólicas.

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