Quando comecei a escrever o artigo do mês passado, pouco se falava sobre a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Então, a ideia era discutir, naquele e nos próximos meses, as tendências de consumo de leite e derivados para 2020 e os próximos anos. As grandes macrotendências levantadas pelos institutos de pesquisas internacionais eram:
- Fragmentação do mercado;
- Porções individuais e
- Envelhecimento da população.
No mês passado foi abordada a fragmentação do mercado e formação de tribos com diferentes objetivos e filosofias de vida. Esse mês será discutido o aumento das porções individuais, devido ao aumento do número de pessoas morando sozinhas. Estudiosos dizem que viver sozinho é uma opção de vida que ganhou muitos adeptos no Brasil, nos últimos anos. De acordo com o IBGE, de 2005 a 2015, a quantidade de pessoas que vivem sozinhas saltou de 10,4% da população para 14,6%, chegando a mais de 10,4 milhões de pessoas.
É interessante notar que nesta fatia da população não se encontram apenas jovens solteiros. Os dados do IBGE mostram que 44,3% dos que vivem sem companhia são idosos que decidiram, por conta própria, viver sozinhos, em busca de maior liberdade. Esse estilo de vida geralmente vem acompanhado de uma renda confortável e de qualidade de vida. Portanto, os adeptos desse comportamento podem pagar mais caro por produtos que consideram premium, saudáveis e funcionais. Neste quesito, os lácteos podem ser bem aproveitados. Embalagens reduzidas de iogurtes, leites fermentados, bebidas lácteas, dentre outros são atrativas para este público que pode pagar mais por conveniência e saúde.
No entanto, essa macrotendência contrasta com a preocupação com o desperdício. Ou seja, existe um trade-off entre fazer porções individuais e aumentar a quantidade de embalagens descartadas no meio ambiente. Para as tribos que se preocupam com sustentabilidade e conservação ambiental, isso realmente pode pesar na consciência. No entanto, existem tribos que estão mais preocupadas com a praticidade e conveniência. Neste contexto, a fragmentação do mercado volta a ser relevante, já que atenderá melhor à demanda, a empresa que identificar melhor a tribo a que seu produto se destina.
A última macrotendência refere-se ao envelhecimento da população, tanto a mundial quanto a brasileira. As projeções do crescimento do número de idosos já vêm provocando preocupação nos sistemas de previdência pública de vários países. Em 2017, o número de idosos no Brasil chegou a 30 milhões, o que representa um crescimento de 18% em relação a 2012. O IBGE estima que este número chegue a 58,2 milhões em 2060, correspondendo a 25,5% da população do País. Mas esse envelhecimento da população também representa possibilidades de venda para muitos segmentos, pois essa população quer envelhecer com saúde. Neste sentido, a busca por produtos que promovam a saúde mental e muscular e dietas como a ayurvedica, estariam em alta.
Mas, como ficam essas macrotendências com a chegada do novo coronavírus no mundo? É interessante notar que, aqui no Brasil, as duas macrotendências estão muito relacionadas ao público idoso. Ironia do destino ou não, essa é a parcela da população que corre mais riscos no momento. Assim, esses idosos, e boa parte da população brasileira, no início da pandemia direcionaram suas compras para itens básicos e de fácil estocagem. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, quase 80% dos consumidores estão comprando apenas produtos essenciais. Mas produtos saudáveis, funcionais e que aumentam a imunidade ainda estão sendo demandados.
Com a população em quarentena nas suas casas, o hábito de cozinhar voltou à tona e os lácteos que são consumidos em receitas, como leite fluido, creme de leite, leite condensado etc. ocuparam espaço nas compras dos brasileiros. Produtos com apelo de indulgência, como o leite condensado, por exemplo, também tiveram aumento de consumo. Aumentaram também os posts nas redes sociais, falando sobre estes produtos.
Mas, agora, já passado o susto inicial, as compras mudaram um pouco. Os brasileiros pararam de fazer estoques e as compras de leite UHT e leite em pó voltaram ao normal. Com alguns estados e cidades já estão voltando a sua rotina e com as estimativas de que outras regiões retomem as atividades em maio, o consumo deve se modificar novamente. A magnitude da mudança vai depender da progressão da doença e amplitude da crise econômica, já que os lácteos são produtos muito afetados pela renda da população.
Mas, e como ficam as tendências anteriores? É o fim para elas? Acredito que não. A pandemia é como uma onda que modificou um pouco o curso das coisas. Mas, mais cedo ou mais tarde essa onda passa, e a civilização continua o seu ritmo. Talvez, com algumas mudanças que podem se prolongar, como, por exemplo, a preferência por produtos locais e regionais ao invés de globais. No entanto, a busca por saúde, bem-estar e alimentos funcionais, que já vinha forte nos últimos anos, também deve permanecer. Além disso, as pessoas devem continuar morando sozinhas e o envelhecimento da população também permanecerá. Assim, as tendências ligadas a estas macrotendências (porções menores, produtos para saúde mental e aumento de imunidade, etc) devem se restabelecer no médio prazo.
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