O milho é uma forrageira tropical com alto potencial de produção de matéria seca por área e com alto conteúdo de energia, o que propicia a alta taxa de lotação animal acoplada ao baixo uso de alimentos concentrados por litro de leite produzido. A produção de leite à base de silagem de milho é uma maneira de agregar valor a este grão na forma de produtos lácteos. Em algumas regiões produtoras de leite do Brasil o "casamento" entre leite e café é histórico. Nestas regiões a produção de silagem de milho é tradicional por não competir por máquinas, tempo da administração, mão de obra e local geográfico com a cultura do café. No entanto, a saída de produtores da atividade leiteira e o crescimento simultâneo da produção de milho grão em regiões historicamente produtoras de leite e café questiona a eficiência financeira do processo metabólico de transformar amido de milho em produtos lácteos de alto valor biológico.
O intuito deste artigo é gerar uma discussão simples quanto à eficiência financeira da produção de leite baseada em silagem de milho comparativamente à produção de milho para venda direta na forma de grão. Não é intenção deste exercício se enveredar em discussões sobre sistemas de produção de leite baseados ou não em silagem de milho como forrageira, mais complexas e que requerem dados necessários para delinear uma discussão estritamente técnica, a meu saber inexistentes. Nesta simulação foram assumidos que a produção de leite seria baseada exclusivamente em silagem de milho como forrageira para os animais em lactação e que a produção de milho para grão ou ensilagem seria executada em uma safra anual, visando uma comparação justa. Como os dados aqui apresentados são obviamente não extrapoláveis para todas as situações, anexado segue uma planilha de Excel para simulação de situações específicas. Os campos marcados em negrito podem ser modificados. Estes campos são: Produção de milho em sacas por hectare, custo de produção por saca (R$), preço esperado de venda da saca (R$) e quantidade diária de silagem de milho oferecida por vaca. Sinceramente gostaria que muitos enviassem suas experiências e conclusões. Vamos aprender juntos !
Para iniciar esta simulação o primeiro passo foi buscar dados confiáveis sobre produção de milho no sul de Minas Gerais. Meu amigo Ronaldinho (nome fictício) foi a fonte ideal. Médico veterinário, bem sucedido, profissional exclusivamente agrícola, exímio administrador e hoje um pequeno produtor de leite e grande produtor de milho grão e café. Nada melhor, área grande de plantio, eficiência agronômica, contabilidade e índices de produtividade criteriosamente coletados e muita visão de mercado. Os dados dos campos de milho já colhidos nesta safra 2002/2003 mostram que a produtividade foi excelente, comum entre ex-produtores de leite e ex-ensiladores de milho. Milho em grão com produção acima de 9.000 kg por hectare certamente produziria algo em torno de 50 toneladas de silagem de alta qualidade por hectare a custo abaixo de R$ 30,00 por tonelada. A expectativa de preço médio do grão foi R$ 23,00 por saca, o que deve resultar em um lucro por hectare/ano de R$ 1.603,67.
O próximo passo foi estimar a necessidade de produção de leite por área necessária para igualar a lucratividade à do milho grão. Neste cálculo foram assumidos lucros por litro de leite (Preço de venda do litro - Custo de produção do litro) variando de R$ 0,02 a R$ 0,10. No custo de produção do litro estão incluídos os custos de recria dos animais de reposição e os administrativos, estes últimos também incluídos no custo de produção da saca de milho (R$ 12,47). Fazendas com produção verticalizada podem conseguir margens superiores a estas, no entanto isto não tem sido comum nos últimos anos. Com lucro de R$ 0,02/litro seriam necessárias cerca de 80 toneladas de leite/ha/ano para que a lucratividade fosse semelhante à lucratividade do milho em grão. Produções de leite acima de 20 toneladas/ha/ano são zootecnicamente eficientes. Nos preços vigentes de leite e insumos parece ser necessário ter bom desempenho por área para que a atividade leiteira seja competitiva proporcionalmente a esta produção de milho grão.
A necessidade de silagem de milho por vaca foi calculada assumindo um gasto diário por animal de 30 kg. Esta quantidade é bem típica de confinamentos trabalhando com silagens com teor de matéria seca acima de 35% da matéria natural e com vacas com peso ao redor de 580 kg. Silagens mais úmidas serão obviamente mais consumidas. O gasto diário de silagem por animal é pouco dependente da produção diária de leite, desde que animais com menor produção, e com menor consumo de matéria seca, também consomem dietas com menor porcentagem de alimentos concentrados, mantendo o consumo de forragem praticamente constante entre grupos de animais não idênticos em produção diária de leite. Animais com alta produção diluem o custo diário com forrageiras. Cerca de 11 toneladas de silagem foram requeridas por vaca/ano.
A taxa de lotação (vacas/ha/ano) foi calculada assumindo três produções de massa verde de silagem por hectare: 30, 40 e 50 toneladas. Produções acima de 40 toneladas, com teor de matéria seca em torno de 35%, podem ser consideradas boas para plantas cultivadas e ensiladas no período chuvoso do ano no Brasil central. A obtenção de produções ao redor de 50 toneladas por hectare tem sido cada vez mais freqüente entre os pecuaristas adotando boas práticas agronômicas, e deveria ser colocada como meta. Trinta toneladas por hectare seria uma baixíssima produção, capaz de questionar a viabilidade da silagem de milho como alternativa para determinado sistema de produção de leite. Produtores com produção de silagem de milho abaixo de 30 ton/ha normalmente têm alto custo de produção por unidade de forragem produzida. A produção eficiente de silagem de milho exige a alta produção por área acoplada ao alto valor nutritivo, esta última mensurável pelo teor de fibra na planta.
Com lucro por litro de leite em torno de R$ 0,02 a produção de leite não foi competitiva proporcionalmente à produção de milho grão, mesmo com alta eficiência na produção de silagem, pois produções anuais médias de leite por vaca acima de 17.000 seriam necessárias. Os melhores rebanhos de gado Holandês de Minas Gerais têm produção/vaca/ano em torno de 11.000 kg. Com lucro por litro de R$ 0,04, com alta eficiência na produção de silagem e com vacas com desempenho leiteiro ao redor de 9.000 kg, leite foi no mínimo similar financeiramente a milho grão. Nestes casos a decisão sobre o tipo de atividade agrícola parece ser muito mais de caráter pessoal, ligada ao estilo de vida ou aptidão da fazenda, que de caráter econômico. Com lucro em torno de R$ 0,06/litro rebanhos com produção diária por animal em torno de 20 kg e alta eficiência na produção de forragens foram viáveis. Desde que esta última situação zootécnica e agronômica é freqüente, a saída da atividade leiteira de produtores mais especializados e a entrada dos mesmos na atividade do milho grão parece implicar que remunerações abaixo de R$ 0,06/litro têm vigorado nos últimos anos, o que é vivencialmente verdadeiro. Em remunerações por litro acima de R$ 0,08, alta eficiência na produção de forragens viabilizou sistemas de produção baseados em silagem de milho e animais com produção entre 3.500 e 4.500 kg por ano, mostrando a importância de práticas agronômicas ligadas à produção de forragem em rebanhos com limitação genética da produção por animal. Uma situação que já foi mais típica do sul do estado de Minas Gerais, rebanhos com produção diária por vaca ao redor de 20 kg e baixa eficiência agronômica, só se mostraram viáveis com remuneração por litro de leite acima de R$ 0,10.
A saída de alguns produtores da atividade leiteira e a entrada destes na agricultura do milho grão teve um componente financeiro estimulador: a baixa margem de lucro do leite nos últimos anos. Certamente contribuiu a boa aptidão geográfica e ambiental das áreas disponíveis para o cultivo do milho nestas regiões e a experiência dos ex-pecuaristas com a cultura, em grande parte advinda das práticas tradicionais de plantio do milho para ensilagem. Na situação financeira vigente e adotando este modelo de produção, parece que são necessárias alta eficiência zootécnica e agronômica e remuneração por litro acima de R$ 0,04, para a maioria dos produtores R$ 0,06, para manter uma atividade leiteira competitiva. O custo de produção do litro de leite nos últimos meses tem girado em torno de R$ 0,50, independentemente da forrageira utilizada e em rebanhos utilizando alimentos concentrados.