José Roberto Peres
As vacas de leite precisam de fibra detergente neutro (FDN) em suas dietas para manter o funcionamento do rúmen e maximizar a produção de leite. O estímulo à ruminação e, indiretamente, o pH ruminal estão relacionados ao teor de FDN da dieta. Por outro lado, excesso de fibra determina o enchimento do rúmen, o que limita a ingestão de matéria seca (IMS), e consequentemente a produção de leite. Rações para produção de leite devem ter entre 28 e 30% de FDN sendo que 75% devem ser oriundos de forragens.
O teor de FDN das forragens tem grande variação, dependendo da espécie, maturidade, e condições de crescimento da planta. Normalmente se analisa o teor de FDN das forragens por causa desta variação bem como por sua importância nutricional. A digestibilidade da FDN é outro parâmetro importante na qualidade da forragem pois há grande variação na degradabilidade ruminal da FDN, o que influencia o desempenho animal.
Através da análise estatística dos dados de 63 grupos de forragens, obtidos em 33 experimentos publicados, onde se avaliava o desempenho animal a partir de dietas com diferentes digestibilidades de FDN, pesquisadores da Michigan State University apresentaram informações interessantes sobre o assunto. A avaliação incluiu tanto gramíneas (silagens de milho e sorgo) quanto leguminosas (alfafa). As diferentes digestibilidades da FDN eram devidas em alguns casos a diferentes estágios de maturidade das forragens; em outros casos a diferentes materiais genéticos (por exemplo silagem de milho normal e silagem de milho "brown mid rib", que foi selecionado para menor teor de lignina na porção vegetativa, o que lhe confere maior digestibilidade da fibra); ou ainda por adição de enzimas fibrolíticas ao material.
Numa primeira avaliação, todos os dados foram comparados e observou-se uma interação significativa entre a digestibilidade da fibra e o tipo de forragens no que se refere à IMS, produção de leite, leite corrigido a 4% de gordura, teor de gordura do leite e ganho de peso. Todos estes fatores foram maiores nas vacas que receberam forragens de alta digestibilidade de FDN quando a comparação foi feita dentro de uma mesma família (gramíneas ou leguminosas), mas foram menores quando a comparação foi feita entre diferentes famílias de forragens. Os autores argumentam que embora a digestibilidade da FDN de gramíneas tenha sido sempre superior à das leguminosas, a identificação do efeito específico da digestibilidade da FDN no desempenho animal é mais difícil entre famílias de forragens por existirem maiores diferenças nos teores de FDN, FDN de forragem ou concentração de amido nas dietas compostas destas forragens. Somado a isto, o efeito de "enchimento" ruminal da FDN de leguminosas deve ser menor por causa da maior fragilidade das partículas e menor tempo de retenção no rúmen comparado com gramíneas. Por causa destes fatores, os estudos que comparavam leguminosas com gramíneas foram excluídos no segundo banco de dados.
Quando as forragens foram comparadas dentro de uma mesma família (leguminosas ou gramíneas), forragens com maior digestibilidade de FDN foram associadas a maior IMS (20,5 x 19,9 kg/d; P<0,001); produção de leite (28,5 x 27,4 kg /d; P<0,0001), e leite corrigido para 4% de gordura (26,3 x 25,1 kg/d; P<0,0001). A composição do leite não foi afetada pela digestibilidade da FDN. Forragens com alta digestibilidade da FDN foram associadas a pH ruminal mais baixo (6,17 x 6,28; P<0,04). A maior digestibilidade da FDN deve aumentar a IMS quando existe limitação física por enchimento do rúmen. A hidrólise mais rápida da FDN deve permitir desaparecimento mais rápido da FDN do rúmen pelas maiores taxas de digestão e de passagem. Maior ingestão de energia em função desta maior IMS permite maior produção de leite.
Na opinião destes pesquisadores a avaliação da digestibilidade da FDN deve ser feita in vitro (no laboratório) ou in situ (através de sacolas de nylon colocadas por fístulas diretamente no rúmen) pois a avaliação in vivo (fornecimento da forragem para consumo e posterior coleta de fezes) está sujeita a muitas interferências. Eles argumentam que a digestibilidade da FDN é função de sua fração potencialmente digestível e das taxas de digestão e passagem. A avaliação in vivo é confundida por diferentes tempos de retenção no rúmen, que podem ser afetados por diferentes IMS. Somado a isto a exposição a condições ácidas no intestino delgado e fermentação no intestino grosso podem reduzir as diferenças observadas na fermentação por microorganismos ruminais in vitro ou in situ.
Comentário do autor: A fibra representa uma grande porção da dieta de vacas leiteiras. Este experimento demonstrou o potencial de incremento de produção de leite através da utilização de forragens com fibra de maior digestibilidade. As forragens tropicais, quando comparadas às temperadas, naturalmente possuem menor digestibilidade da fibra. Em nossas condições, portanto, é maior a importância de se buscar forragens com esta "qualidade". Isto pode ser obtido por seleção genética mas um primeiro e importante passo seria o correto manejo das forragens visando sua utilização no momento em que apresentem maior valor nutritivo. A avaliação regular da digestibilidade da FDN das forragens traria informações importantes para o melhor aproveitamento de nossos recursos forrageiros.
fonte: OBA, M e ALLEN, M.S., 1999. J. D. Sci. 82(3):589:596.