Não há dúvidas de que o pastejo é o método mais barato de se fornecer alimento volumoso às vacas, com menor custo de produção, menor exigência em manejo dos animais, mão-de-obra e equipamentos mais baratos, e menor ocorrência de desordens metabólicas. A produtividade final em sistemas de pastejo (kg leite/ha) é o resultado da combinação das eficiências que se consegue em cada etapa do processo produtivo. O manejo do pasto é, em resumo, o que vai controlar a eficiência geral do sistema.
Assim, fica claro que quanto melhor a qualidade da forrageira, mais leite o produtor vai conseguir tirar de cada hectare da sua propriedade. Mas o conceito de qualidade não significa apenas valor nutritivo (VN), ou concentração de nutrientes (carboidratos, proteínas) na forragem. O conceito de qualidade engloba também o consumo da forragem, e para que haja consumo elevado, além de bom VN, é preciso haver boa oferta de forragem, como mostram os trabalhos da UFSM.
Em dois verões consecutivos o grupo de pesquisadores avaliou o desempenho de um lote de vacas pastejando áreas com Tifton 85 e Capim Elefante Anão (CEA), em sistema de pastejo contínuo com lotação variável (oferta de matéria seca de lâmina verde de aproximadamente 3% do peso vivo dos animais), suplementadas apenas com mistura mineral.
No trabalho de Maixner et al. (2004) ambas as forrageiras apresentaram ótimo VN, o que possibilitou consumo e produção de leite elevados, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1: Valor nutritivo da forragem e desempenho animal em ensaio com vacas leiteiras mantidas em pastejo exclusivo.
Apesar da alta concentração de FDN, ambas as forrageiras apresentaram baixo teor de lignina, o que contribui para que a digestibilidade da fração fibrosa seja elevada, o que, por sua vez, possibilita o consumo elevado da forragem. Além disso, ambas as forrageiras apresentaram altos teores de PB, com baixa concentração de nitrogênio indisponível.
Mesmo com esse VN da forragem, o desempenho das vacas foi muito superior ao que se pode esperar de animais em pastejo exclusivo. A oferta de forragem era bastante generosa, mas os autores não mostram a taxa de lotação da área experimental. Provavelmente trabalharam com baixa lotação.
Com os dados obtidos no ensaio, os autores fizeram uma simulação no NRC (2001) e observaram que para o Tifton 85, o sistema estimou bem o desempenho das vacas, mas que para o CEA, o NRC (2001) subestimou o desempenho em cerca de 18%, o que não é de ocorrência rara. Eu resolvi conferir, e também montei uma simulação no NRC (2001) com os dados apresentados. Realmente, no nível de consumo observado com o CEA, o sistema estima que haverá proteína metabolizável para produzir apenas 14,1 kg de leite. Possivelmente o NRC (2001) subestimou a disponibilidade da proteína da forragem.
Quanto à energia líquida, o sistema projeta uma produção de 16,9 kg de leite, bem próximo do observado. No entanto o balanço de energia líquida projetado pelo sistema fica negativo, com déficit de 2,3 Mcal/dia, o que é indesejável para vacas com 120 dias em lactação. Isso significa que essas vacas possivelmente estejam utilizando reservas para sustentar a produção, numa fase da lactação em que já deveriam estar iniciando a reposição das reservas perdidas no início da lactação.
No caso do Tifton, o NRC (2001) estima que há energia líquida suficiente para produzir até 21,5 kg de leite, o que resulta em balanço energético positivo. Já para a proteína metabolizável, o sistema projeta quantidade suficiente para apenas 17,5 kg de leite. Novamente, possivelmente tenha havido subestimativa da disponibilidade da proteína da forragem.
Os autores chamam a atenção para o fato de o alto desempenho das vacas poder ter sido facilitado pelo clima ameno na época do ensaio, com temperaturas mais baixas que as normais para a época, e ocorrência de precipitações freqüentes.
No trabalho de Oliveira et al. (2005), que é uma continuação do trabalho de anterior, o VN das forragens, principalmente do CEA, não foi tão elevado, o que se refletiu em menor desempenho das vacas, conforme mostra a tabela 2.
Tabela 2: Valor nutritivo da forragem e desempenho animal em ensaio com vacas leiteiras mantidas em pastejo exclusivo.
Este ensaio foi dividido em 2 períodos, o que possibilitou uma observação interessante sobre o consumo e utilização de reservas corporais. O menor VN das forrageiras, principalmente o CEA, certamente contribuiu decisivamente para o desempenho menor observado nesse caso.
O mais interessante é notar a diferença de consumo e desempenho entre os períodos 1 e 2. Em ambos os períodos o VN das forragens é praticamente o mesmo, mas o consumo aumentou em 70% para o Tifton e em 43% para o CEA, e o desempenho caiu 12,2 e 22,3% respectivamente. Os autores creditam esse aumento de consumo à necessidade de reposição de reservas corporais utilizadas para sustentar a produção no primeiro período (as vacas pastejando Tifton perderam em média 28 kg PV de um período para o outro, e as vacas pastejando CEA perderam 38 kg).
Fazendo a mesma simulação no NRC (2001) realizada no experimento anterior, os autores observaram que para o primeiro período o sistema subestimou o desempenho, principalmente por uma limitação na disponibilidade teórica de proteína metabolizável. Já no segundo período o NRC (2001) superestimou o desempenho das vacas, possivelmente por não prever a necessidade de reposição de reservas corporais com tanta intensidade. A simulação feita por mim com os dados desse segundo experimento mostra claramente que as vacas, em ambos os tratamentos, estão em balanço energético negativo (-2,7 Mcal/dia para o Tifton e -2,3 Mcal/dia para CEA), o que é comprovado pela perda de peso.
Os autores concluem dizendo que pastagens de gramíneas tropicais, como o Tifton 85 e o Capim Elefante Anão, permitem produções individuais de leite acima de 14 litros/dia com vacas de alto potencial genético, desde que a quantidade e a qualidade da pastagem ingerida não seja limitada pela oferta de forragem, pelo manejo ou pelas condições de clima.
Pelo que foi exposto nos 2 trabalhos, fico com as seguintes observações:
- É possível criar vacas leiteiras exclusivamente a pasto, com níveis satisfatórios de produção, desde que se trabalhe com forrageiras de alto valor nutritivo, o que depende de um manejo muito bom e investimento em adubação nitrogenada, que, via de regra, é compensador.
- Forrageiras de alto valor nutritivo, ofertadas em quantidades generosas, são fundamentais para se obter elevado desempenho animal e elevada produtividade por área em sistemas de produção de leite a pasto.
- Os trabalhos citados foram de curta duração e realizados em áreas com baixa taxa de lotação. Mesmo com a alta produção individual das vacas, a produtividade da área deve ter sido modesta.
- Essa produção elevada foi suportada em grande parte pelas reservas corporais das vacas, o que foi evidenciado no segundo ensaio. Essa situação não se sustenta por períodos longos, como uma lactação inteira.
- Acredito que se essas mesmas vacas tivessem recebido suplementação com concentrados poderiam ter desempenho semelhante ou superior, sem necessidade de mobilizar tantas reservas corporais, e ainda sobraria muita forragem para se trabalhar com um número maior de animais na área, o que certamente resultaria em elevada produção de leite por hectare. Se esse concentrado custar até 85% do preço do leite o lucro é garantido.
- Com base nos dados dos experimentos citados, O NRC (2001) possivelmente subestima a disponibilidade da proteína de forrageiras tropicais de alto VN.
- Quanto melhor a forragem, menor a necessidade de suplementação concentrada, ou menor o custo do concentrado. Se a forragem tiver, por exemplo, 16% de PB, dá pra trabalhar com concentrados que tenham em torno de 18-20% de PB, que são muito mais baratos que os tradicionais com 24-25% de PB.
Literatura consultada
MAIXNER, A. R.; KOZLOSKI, G. V.; QUADROS, F. L. F.; TREVISAN, L. M.; MONTARDO, D. P.; NORONHA, A.; AURÉLIO, N. D. "Avaliação de Tifton 85 (Cynodon sp. cv. Tifton 85) e de Capim Elefante anão (Pennisetum purpureum cv. Mott ) em sistemas de produção de leite a pasto: consumo de forragem e produção individual de leite." In: 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, Campo Grande/MS, 2004. CD-ROM.
OLIVEIRA, L.; KOZLOSKI, G. V.; MAIXNER, A. R.; PERES NETTO, D.; QUADROS, F. L. F.; MONTARDO, D. P.; NORONHA, A.; AURÉLIO, N. D.; ROSSI, G. E. "Avaliação de Tifton 85 (Cynodon sp. cv. Tifton 85) e de Capim Elefante anão (Pennisetum purpureum cv. Mott ) em sistemas de produção de leite a pasto: consumo de forragem e produção individual de leite." In: 42ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, Goiânia/GO, 2005. CD/ROM
NATIONAL RESEARCH COUNCIL.. Nutrient Requirements of Dairy Cattle. Washington, D.C.: National Academy Press, 2001, 381p.