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Qual a relação entre a abelha e a vaca?

PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/05/2022

9 MIN DE LEITURA

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É como engenheira agrônoma paisagista e especialista em agroecologia que trago essas reflexões sobre a importância do planejamento da paisagem sustentável produtiva, seja ela rural seja ela urbana, pois o que as diferencia é sobretudo a mudança de escala: partindo do hortus, ao jardim, à paisagem e ao território. Mas todas expressam uma grande complexidade de vida.

Assim, uma das principais conclusões de meu estágio pós-doc na França, na Université de Poitiers em 2013, sobre as paisagens orgânicas do Poitou-Charentes foi que uma paisagem orgânica biodiversa é manejada por agricultores-jardineiros, visto o grande conhecimento que envolve esse manejo. É um manejo que exige respeito, inclusive muitas vezes se abstendo de agir, só deixando acontecer os fluxos e ritmos naturais. Mas é necessário sempre o conhecimento sobre o sistema.

E com a biodiversidade também envolve diferentes escalas, nesse caso, de seres vivos variados, desde a microbiota, invisível à olho nú, aos insetos como abelhas, até grandes ruminantes como as vacas.

Lembrando que sustentabilidade significa utilizar os recursos hoje de tal forma que eles existam para as gerações futuras também desfrutá-los (Comissão Bruntland, 1983, Nosso Futuro Comum). Vamos às reflexões.

 

Qual a relação entre a abelha e a vaca?

Pois é, seria porque a abelha poliniza o pasto da vaca? Mas o pastejo da vaca não permite as inflorescências do pasto surgirem. Enfim, não é simples de encontrar a resposta. E não é uma só resposta. Talvez os nossos antepassados sabiam disso mais naturalmente que a nossa geração.

Nos especializamos excessivamente e estamos perdendo a noção do todo; a noção integralizadora da paisagem está ficando restrita à poucos interessados no assunto. Portanto, ao trazer-lhes o tema da paisagem sustentável (a que ficará para as próximas gerações), espero trazer elementos para que possamos reconhecer algumas conexões entre esses dois seres maravilhosos tão diferentes e tão importantes. E agir para que ambos perdurem ad infinitum com suas existências plenas nas nossas paisagens rurais.
 

Planejando a paisagem produtiva sustentável

Quando se organiza uma paisagem rural produtiva se estuda tecnicamente na agronomia e na agropecuária a potencialidade dos conhecimentos existentes: desde as coordenadas geográficas e condições climáticas locais; aos tipos e profundidade de solos e respectivos uso e aptidão dos mesmos; até o zoneamento agroclimático listando as culturas ali possíveis de serem cultivadas. E avaliando se as espécies animais também se adaptam nessas condições locais, via estudos científicos ou valorizando relatos de aplicações práticas de criadores locais.

Visando controlar melhor as relações da água (chuvas, nascentes, riachos, entre outros) com o solo e sua microbiota, temos respostas efetivas nas práticas conservacionistas do solo, como a utilização de terraços de base estreita e de base larga, o cultivo mínimo e em curvas de nível, as matas ciliares, além da cobertura morta protegendo como mulching o solo dos efeitos devastadores da erosão (advindos da má gestão da água da chuva).

Tornou-se portanto emergencial a retomada destas técnicas, bem como se trabalhar com a visão de microbacia hidrográfica e o designe de curvas. Assim, temos tanto nas paisagens rurais como as urbanas, tecnologias sociais modernas como os jardins de chuva, os jardins em curvas de nível e com terraços, a designação e posterior preservação dos locais de recarga de lençol freático (prever a existência desses locais nos projetos de paisagismo e de produção agropecuária).

Além do que, se tornou urgente monitorar a contaminação ambiental destes recursos naturais, visto que onde se mede, se encontra resultados alarmantes de contaminação (CHARBONNIER et al. 2015), seja por agrotóxicos e produtos domissanitários, seja por fertilizantes químicos e dejetos animais ou excesso de resíduos orgânicos e lixo urbano. Enfim, essa urgência, de rever a postura como manejamos esse patrimônio que é o solo, vem da constatação que se extinguiram todos os povos que romperam suas ligações com os solos locais (RUELLAN, 2010).


Planejando com a vegetação

Nas práticas de manejo da vegetação, podemos citar a rotação de culturas, as culturas intercaladas (hoje redefinidos como “incríveis” corredores solares/corridors solaires), culturas de adubação verde e culturas do pastoreio rotativo. Atualmente indica-se as tecnologias de soluções baseadas na natureza (SbN). Nos auxilia muito conhecer e estudar as intervenções que estão sendo feitas em áreas urbanas com muito sucesso, utilizando estas SbN. Vários profissionais e empresas especializadas estão apresentando seus resultados práticos em eventos e obras científicas de paisagismo.

São técnicas que envolvem desde captar e manter a água no nosso terreno (jardins de chuva e biovaletas, pequenos lagos e açudes para garantir populações anfíbias, piscinas-lago com peixes, etc.) até a garantia da biodiversidade (corredores verdes ou ecológicos; hotéis de insetos; cercas-vivas heterogêneas e biodiversas; áreas de capoeiras para alimentar pássaros nativos, permanência de árvores mortas para nidificação de pássaros, etc.) e a reciclagem como etapa obrigatória em todos os processos (desde composteiras, leiras de compostagem até o uso de resíduos como cobertura do solo ou para elaboração de substratos e de canteiros bioférteis elevados/Hugelkulturs,… ).

Nos múltiplos usos, partimos da premissa básica que a vida começa com a fotossíntese. São os seres vivos autotróficos, ou seja plantas e algas, que começa a produção de biomassa, para depois estas alimentarem os animais heterotróficos. Assim, temos a vegetação alimentícia produtiva que pode ser convencional (tudo o que já é conhecido e aplicado), ou as super rústicas e resilientes plantas alimentícias não convencionais (PANC) ou plantas de la cuisine sauvage (BERTRAND, 2012) que além de serem alimentos funcionais (não causam as alergias do mundo moderno) ainda proporcionam nutrientes e fitoquímicos em qualidade e quantidade únicas (KINUPP & LORENZI, 2014).

Grandes Chefs de cozinha utilizam-nas na alta gastronomia ou na gastronomia regionalizada com selo de qualidade, sendo os índices geográficos (ex. Vale dos vinhedos e vale do própolis verde) um bom balizador destas iniciativas.


Novos conceitos,  antigas necessidades e práticas milenares

Numa cidade circular, estes agentes urbanos são denominados ecocitadinos (MAYO, 2010) ou agricultores urbanos (MOREL-CHEVILLET, 2017) que fazem funcionar a economia solidária e a economia circular, ao utilizar os princípios básicos da ecologia em suas ações: cadeia alimentar, sucessões ecológicas, ciclagem e implementação da infraestrutura verde.

Todas essas preocupações sempre existiram na população rural, mas funcionavam como arcabouço de conhecimentos que permitiu a sobrevivência dessas populações por milhares de anos em regiões (ditas rurais) afastadas e com pouca infraestrutura, se comparadas com a urbe ou aglomerações da época.

Essas populações respeitavam os ciclos circadianos, as estações dos anos e o direito ao bem-estar animal (MOUNIER, 2021). Conexões com a natureza deixam todos os seres vivos mais saudáveis, mais equilibrados e com sistema imunológico mais ativado (PERLMUTTER & PERLMUTTER, 2021), inclusive os animais domésticos. De onde vem o maior valor agregado aos produtos alimentícios oriundos de gado criado no capim, selos verdes e de origem de procedência.

E o mesmo acontece com as abelhas, pois hoje se sabe que há uma grande mortalidade devido à inúmeros fatores envolvidos (contaminação ambiental, poluição luminosa, falta de alimento, etc) e que elas somente sobreviverão se houver uma relativa complexidade (e biodiversidade) na paisagem que lhes possibilite alimentos durante o ano todo (MAIRE & LAFFLY, 2015).

Ao ilustrar com exemplo da agricultura orgânica, é importante resgatar que para funcionar em sistema se exige complexos raciocínios no planejamento das diversas produções. Na figura 1, um estudo de caso francês (do nosso estágio de pós-doc na Université de Poitiers), apresentamos as sete espécies plantadas em 2012/13 em 25 parcelas totalizando 80 ha. As parcelas (coloridas) se localizam no território todas longe umas das outras (pois o parcelário fundiário francês continua o mesmo desde Napoleão).

Percebe-se neste caso de policultura, que o agricultor precisa planejar à longo prazo as espécies em cada local, para respeitar aptidão do solo, rotação de culturas e o próprio manejo de cada espécie. Além disso, para implantar e manter, é necessário deslocar máquinas nesse grande território, envolvendo mais tempo para execução das tarefas. É bom lembrar que na França é praticamente impossível haver uma grande concentração fundiária em função deste parcelário antigo. E todo esse manejo dá mais trabalho que uma grande lavoura monocultural. Mas vale a pena para esses empreendedores, visto o crescimento da procura por produtos orgânicos.

Figura 1 - Produção orgânica em 80 ha, situada em Availles-Thoursais, França, no ano agrícola 2012/13 (PETRY et al., 2016); sete espécies estão distribuídas no território em parcelas (coloridas pelo agricultor à pedido da autora) e ao lado a imagem de satélite da região demonstrando o parcelário territorial (Google Earth, 31/05/2009).


 

Figura 2 – Pradarias ecológicas e orgânicas: à esquerda, em meio urbano, na gestão sustentável de espaços verdes (parques), as pradarias são importantes ferramentas dos serviços ecossistêmicos (preservação dos recursos naturais); e à direita, pradaria rural orgânica na produção de gado de corte, que recebe subsídio (80 euros/ha) por também proteger o lençol freático de contaminação ambiental, entre outros serviços ecossistêmicos.


Figura 3 – Paisagem para promover as abelhas é um belo mosaico distribuindo inúmeras áreas funcionais (à esquerda: pomar, várias área de culturas ou pastagem, bosque); sendo que os quebra-ventos (em talude ou em valetas) são elementos estruturantes dessa paisagem harmônica e em homeostase, com múltiplas funções (à direita, propriedade de André Voisin)

Concluindo, as vacas também dependem das abelhas e quanto mais biodiversidade, mais complexo é o sistema e a paisagem. E quanto mais complexo é o sistema, mais funcional, biodiverso e resiliente fica nossa produção.

Então, em meio à uma crise global climática e de recursos (e insumos), acentuados pela pós-pandemia e pelo conflito Rússia-Ucrânia, e num momento que predominam grandes paisagens monoculturais, acredito que o primeiro passo para nos prepararmos para a sustentabilidade das paisagens é nos acostumarmos docemente à uma estética da abundância da complexidade e do biodiverso.

Significa começar a achar bonito capoeira florescida e mato cercando nossas lavouras e pastos. Assim como aceitamos gradativamente que ter cobertura morta na lavoura (plantio direto) não era desleixo, e sim tecnologia do futuro. Então, topas o desafio? (Continuamos na próxima).

 

Autora

Enga. Agra. Dra. Claudia Petry, professora, extensionista e pesquisadora
(Universidade de Passo Fundo/UPF, Programas de Pós-graduação em Agronomia/PPGAGRO e em Ciências Ambientais/PPGCiAmb) 

 

Referências

BERTRAND, B. Carnet de cuisine sauvage. Aspet, França: Ed. de Terran. 2012.  188p. il

CHARBONNIER, E.C.; RONCEUX, A.; CARPENTIER, A.-S.; SOUBELET, H.; BARRIUSO, E.  Pesticides: des impacts aux changements de pratiques Versailles: Quae, 2015. 400p. il.

KINUPP, V. F.; LORENZI, H. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil. Guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. São Paulo: Instituto Plantarum. 2014. 768p. il.

MAIRE, Éric; LAFFLY, Dominique (Coord.). Abeilles et paysages. Enjeux apicoles et agricoles. Versailles: Quae. 2015. 192p. il.

MAYO, C. Tous écocitadins. Pédibus, cantine bio, compost de quartier... Mens : Terre Vivante. 2010. 157p. Il.

MOREL-CHEVILLET, G. (Org.) Agriculteurs urbains. Paris: France Agricole. 2017. 218p. il.

MOUNIER, L. (Org.) Le bien-être des animaux d’élevage. Comprendre le bien-être animal. Versailles: Quae. 2021. 71p. il.

PERLMUTTER, D.; PERLMUTTER, A. Limpeza da mente.  São Paulo: Fontanar. 2021.311p. il.

PETRY, C.; DONADIEU, P.; PERIGORD, M. Landscaping implications of organic production in Poitou-Charentes, France. Acta Hortic. 1108. ISHS 2016. DOI 10.17660/ActaHortic.2016.1108.17

RUELLAN, A. Des sols et des hommes. Un lien menacé. Marseille :

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