*Por Bruno Meireles Leite, Auditor Fiscal Federal Agropecuário, Coordenador de Boas Práticas e Bem-Estar Animal/CBPA
No dia 19 de junho de 2015 a então presidente da República Dilma Rousseff sancionou a lei nº 13.137 que, dentre outros assuntos, resolvia uma questão há tempos demandada pelos laticínios brasileiros: a utilização dos créditos presumidos da contribuição da PIS/PASEP e COFINS oriundos da compra e utilização do leite in natura como insumo que foram gerados pela renúncia fiscal aplicados aos produtos acabados.
Além da solução imediata de um passivo de créditos acumulados por laticínios, a nova lei incluiu um dispositivo para liberar a utilização dos novos recursos. Para acessar o crédito os laticínios e cooperativas agora deveriam apresentar um projeto que tivesse como objetivo final beneficiar o produtor rural de leite na melhoria da produtividade e da qualidade de sua atividade. Tal projeto deveria ser aprovado e posteriormente acompanhado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Esse dispositivo foi pensado à época como uma maneira de auxiliar na organização e melhoria da cadeia produtiva do leite, contribuindo com a base da mesma. Visto com desconfiança por muitos, inclusive por membros do governo, o programa se mostra hoje como uma excelente iniciativa capaz de conciliar interesses individuais e coletivos em prol da produção de leite no Brasil.
Em 2018 o programa completa três anos. Até hoje já foram aprovados 463 projetos pelo Mapa beneficiando diretamente cerca 45.300 produtores, além de outros 8.300 produtores beneficiados indiretamente. A soma dos valores investidos através dos projetos ultrapassa 176 milhões de reais. Ao analisarmos mais de perto esses 463 projetos é possível ver a evolução de como as indústrias (sejam elas cooperativas ou não) estão encarando a relação com os produtores de leite.
Se pegarmos a primeira leva de projetos, aqueles protocolados no final de 2015 e que finalizariam no final de 2016, temos um predomínio do tema qualidade do leite. Do total de projetos apresentados 63% visavam diretamente a melhoria da qualidade do leite e outros 15% a implementação de Boas Práticas Agropecuárias. Nestes projetos, o objetivo final era baixar CCS e CBT visando atender, ou pelo menos se aproximar, dos padrões da Instrução Normativa nº 62/2011. Por se tratar de um programa novo, tanto para o Mapa quanto para as indústrias e cooperativas, os projetos apresentados representavam o interesse imediato de quem estava propondo, não permitindo, talvez, uma análise mais profunda dos reais problemas da cadeia produtiva.
As metodologias utilizadas seguiam o tradicional pré e pós dipping, caneca telada, limpeza de equipamentos, etc. Não que estes procedimentos não sejam importantes e necessários, porém, quando falamos de projetos de assistência técnica com metas e prazos a serem cumpridos sua implementação por parte dos produtores acabou se tornando um fator complicador. Essa dificuldade foi inclusive relatada por alguns laticínios nos relatórios finais. Justificaram a dificuldade no alcance das metas de redução pela falta de incentivo financeiro para os produtores que não percebem a vantagem de adoção de tais práticas já que “seu leite continuará valendo o mesmo que o de seu vizinho que não precisou modificar sua rotina”.
Nas diversas auditorias que realizamos percebemos que, neste momento, havia grande dificuldade por parte dos laticínios de manter os produtores iniciais participando dos projetos. Um dos motivos era justamente a falta da motivação dos mesmos em adotar novas rotinas e, no final, não serem recompensados por isso. Essa falta de motivação muito se deve aos diversos problemas enfrentados pelos produtores em suas propriedades, sendo que a qualidade do leite, muitas vezes, não está entre suas prioridades.
A partir de 2017, os novos projetos protocolados passaram a apresentar novos objetivos e metodologias focando principalmente na gestão de propriedades. Esses projetos passaram a representar 47% do total enquanto aqueles com foco apenas em CCS e CBT ficaram com 21%.
Ao analisarmos esses projetos, seja na fase documental do processo, seja nas auditorias a campo, percebemos que o produtor responde muito mais rápido à assistência técnica voltada para a gestão de sua propriedade, especialmente quando o foco são aspectos que muitos consideram básicos no sistema de produção como: ajuste de lotes, descarte de animais não produtivos ou mesmo planejamento forrageiro. Com ajustes nestas etapas da produção a renda do produtor aumenta, a produção se estabelece e a partir daí começam as mudanças na qualidade da matéria prima. Nesses projetos, a qualidade é vista como mais um processo dentro do sistema de produção de leite, que será melhorado assim como toda a propriedade. Ou seja, teremos um produtor que passa a ver sua produção de leite como um negócio e que produzir leite, com qualidade, faz parte de um negócio bem-sucedido.
A partir desse momento, os projetos aprovados passaram a ter mais consistência, a rotatividade de produtores diminuiu e os objetivos estão sendo alcançados com menos dificuldades e em menor tempo.
Essa informação nos mostra o que muitos especialistas já vêm debatendo: a falta de profissionalização de nossos produtores de leite. Há um abandono imenso da atividade no campo e dificuldades na sucessão rural. Muitos desses problemas se devem à má gestão da atividade que faz, com toda razão, com que o produtor prefira aumentar sua renda e pagar suas contas do que investir na melhoria da qualidade de seu leite que, em um primeiro momento, é algo intangível.
Essa experiência do Programa Mais Leite Saudável fez com que a área de fomento do Mapa entrasse no Grupo de Trabalho de revisão da Instrução Normativa nº 51/2001, visando dar apoio e acompanhar os laticínios e cooperativas na implementação de seus planos de qualificação e melhoria da qualidade da matéria prima de seus produtores. Projetos específicos para qualidade do leite ou projetos de gestão de propriedades irão depender muito do perfil dos produtores de cada indústria e do relacionamento da mesma com seus fornecedores ou cooperados. Não existe fórmula exata para todos, cada caso deverá ser analisado e pensado por cada um de acordo com sua realidade.
Considerando a realidade da maior parte de nossos produtores, e os resultados alcançados pelos projetos do Programa Mais Leite Saudável, acreditamos que a abordagem do produtor rural pela assistência técnica deve ser ampla, focada na gestão da propriedade e visando sua profissionalização em todas as etapas da produção. Falar em qualidade do leite é mais do que uma meta ou um número, falar de qualidade do leite é falar da vida de milhares de pessoas.
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