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Impacto de um adequado programa de melhoramento genético para composição do leite - Parte II

VÁRIOS AUTORES

ANDRÉ THALER NETO

EM 06/09/2019

12 MIN DE LEITURA

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No segundo artigo sobre este tema trataremos sobre o melhoramento composicional do leite ao redor do mundo. No primeiro artigo discutimos sobre a produção de leite, gordura, proteína, lactose, CCS, extrato seco total (EST) e desengordurado (ESD). Como alguns parâmetros são soma de outros - como o EST e ESD - a seleção para cada componente se reflete nestes.

Inicialmente, o país com maior influência sobre a genética do nosso rebanho especializado em leite são os Estados Unidos. Naquele país, já no ano de 1895 começaram os controles leiteiros individuais incluindo a medição do teor de gordura, sendo que em 1935 o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) estabeleceu um sistema de identificação único para as vacas sob controle leiteiro e que é adotado pelas entidades de cada raça, melhorando a rastreabilidade e consequente uso dos dados. 

Neste mesmo ano, 2% das vacas leiteiras do país tinham sua produção registrada. No ano seguinte, de 1936, passaram a ser calculadas as diferenças entre mães e filhas, surgindo as primeiras estimativas de valor genéticos de touros, sistema que foi utilizado até a década de 1960, quando foram incluídos os dados de animais do mesmo rebanho para melhor explicar as diferenças causadas pelo manejo. 

De lá até os dias atuais podemos destacar o registro de uma infinidade de dados sobre muitos animais, o tratamento desses dados para a escolha de indivíduos superiores e por fim em 2009, a introdução da avaliação genômica para touros comerciais. Somadas, a  inseminação artificial e o trânsito de material genético além das fronteiras americanas, essas estratégias influenciaram a evolução dos rebanhos leiteiros mundiais. O resultado da seleção americana foi apresentado no primeiro artigo, sendo em termos quantitativos o mais impactante.

Essa evolução na produtividade das raças foi acompanhada em uma série de outros países. Em muitos casos, os esforços de seleção de uns passaram a ser somados ao(s) de outro(s), na busca de animais que produzissem um leite mais adequado a cada mercado. A justificativa para que cada país busque algumas peculiaridades está nas diferenças de ambiente, alimentação, manejo, mercado consumidor, entre outras. Como algumas dessas peculiaridades podem servir de norte a regiões ou mercados no Brasil, exploraremos alguns exemplos.

Um deles é a Nova Zelândia. As ilhas, de clima relativamente favorável à atividade leiteira, têm no isolamento o seu maior desafio, tanto na obtenção de insumos, como para escoamento de produtos. Historicamente, a indústria leiteira lá passa a se desenvolver após meados do século XIX, quando os primeiros navios partem com manteiga para a Inglaterra. Essa venda de manteiga guiou a seleção dos rebanhos neozelandeses que entregavam leite para fábricas de manteiga produzida a partir de animais com elevada produção de gordura, sendo que o principal critério de seleção era o índice de graxa butirométrica (gordura). Assim, até que outros produtos começassem a ser fabricados aproveitando especialmente a proteína do leite, a raça Jersey era quase unânime na composição desses rebanhos.

Outros rebanhos na ilha que eram voltados a atender o mercado de leite fluido local, utilizavam outras raças e as vacas Jersey, ou cruzamentos com Jersey apenas eram utilizados para manter teores mínimos de gordura (MCMEEKAN, 1960). O advento de novos produtos na pauta de exportação neozelandesa, como o leite em pó por exemplo, e o uso de animais leiteiros para carne, levaram ao uso de diferentes recursos genéticos e no fim dos anos 1960 a raça Jersey passa a ser substituída pela raça Holandesa como a principal presente no país. Mais recentemente, a exploração do cruzamento entre raças leiteiras, especialmente Jersey x Holandês passou a ser amplamente adotado. Independente da raça, a busca foi por eficiência. Na figura 1 podemos ver a evolução genética do rebanho neozelandês entre os anos de 1987 a 2006:

Figura 1 - Evolução fenotípica e genética para produção de sólidos do leite e ganho genético para peso vivo do rebanho neozelandês entre 1987 e 2006. Fonte: Adaptado de Harris, B.; Pryce, J. E.; Montgomerie, W. A. (2007).

Na última estação produtiva (2017/18), as vacas cruzadas compreendiam 47,8% do rebanho, as Holandesas 33,4%, Jersey 9%, Ayrshire 0,5% e outras raças 9,2%. Com isso, as vacas neozelandesas mantidas principalmente em pastagens e com alguma ou nenhuma suplementação estratégica produziram na última estação 1048 kg de sólidos (gordura + proteína) por hectare e 368 kg/vaca/ano (LIVESTOCK IMPROVEMENT CORPORATION; DAIRYNZ, 2018)

Outro caso interessante é o da Irlanda, que teve seu mercado do leite até os anos após a II Guerra Mundial focado na exportação de manteiga para o a Inglaterra. O leite sempre representou uma grande parcela do comércio irlandês. Com a entrada na União Europeia e o advento das cotas, a Irlanda assim como boa parte dos demais países membros da EU, teve o crescimento regulado. No entanto, diferentemente da produção leiteira na Europa continental, a Irlanda manteve seu principal modelo produtivo com parições estacionais, regime de pastejo e suplementação estratégica. Isso guiou a preparação para o fim do sistema de cotas na EU, previsto e executado em 2015, firmando a Irlanda como um forte concorrente no continente pela sua competitividade.

Sendo após os EUA, o segundo país a adotar a avaliação genômica, a Irlanda iniciou a busca pela melhoria na cadeia produtiva através do ICBF (Irish Cattle Breeding Federation) em 2002 para dar suporte aos produtores na coleta, processamento e aplicação dos dados. Toda essa melhoria teve um elemento propulsor: o modelo de pagamento adotado. Como a grande maioria do leite precisa ser processado para a venda, já que grande parte é exportada, uma maior concentração de sólidos permite menores custos de transporte e processamento. Assim o pagamento é realizado pela seguinte fórmula:

A+B-C= Preço Final

A e B são os kg de gordura e proteína entregues, respectivamente e C corresponde ao custo de manufatura de cada litro entregue, penalizando mais o leite com menor teor de sólidos (SHALLOO et al., 2004). Assim, se dois produtores entregarem para o beneficiamento uma mesma quantia de 100 kg de sólidos, porém um deles entregou essa quantia em 1200 litros de leite e o outro em 1500 litros, o produtor que entregou maior volume será penalizado, já que para uma mesma quantidade de sólidos a indústria precisará transportar, armazenar e beneficiar 300 litros a mais. Essa característica passa a direcionar o setor produtivo na busca por maior produção de sólidos (Figura 2).

Figura 2 - Produção por vaca e teores de gordura e proteína na Irlanda. Adaptado de Shalloo; Botaro (2017).

No caso da Irlanda os ganhos em produção de sólidos também têm sido consequência principalmente das estratégias de seleção, resultando em um progresso nos valores genéticos para gordura e proteína, ao passo que o volume de leite tem se mantido em valor relativamente estável nas últimas duas décadas (Figura 3).

Figura 3 - Valores genéticos para produção de leite (A) e teores de gordura e proteína (B) de vacas na Irlanda. Disponível em: https://www.icbf.com/wp/?page_id=313.

A vaca ideal buscada pelos irlandeses tem sido aquela que apresenta alta produção de sólidos (>500 kg/ano), boa fertilidade com intervalo entre partos de 365 dias e que isso se dê com partos em meados de fevereiro e lactações que encerram em meados de dezembro (para aproveitar a curva de crescimento das pastagens). 

Ainda na Europa, a Holanda tem destaque pelo histórico trabalho voltado a rebanhos com elevados teores de gordura e proteína. O melhoramento genético daquele país é reconhecido como voltado a sólidos e outras características que visam vacas saudáveis e produtivas, em um mercado onde a fabricação de queijos é o grande destino do leite. Os ganhos genéticos vêm sendo consistentes e expressivos, como mostrado na figura 4 para o período da década de 1980 até a atualidade.

Figura 4 - Evolução dos valores genéticos para produção de leite (A), produção de gordura e proteína (B).

Os efeitos dessa evolução nos valores genéticos podem ser vistos nas estatísticas oficiais do país, como mostrado na figura 5, desde 2005 até 2018.

Figura 5 - Gráficos da produção média de leite (A), teores de gordura e proteína (B) e da produção em kg de gordura e proteína (C) das vacas da Holanda por ano.

Na última década, a produção das vacas da Holanda cresceu em 1000 kg de leite (Figura 5A), com quase nenhuma diminuição do teor de gordura e um pequeno acréscimo no teor de proteína (Figura 5B). Os teores de sólidos são muito elevados, considerando que a raça Holandesa é predominante.  Em 2018 a produção de leite média foi de 9123 kg, com 4,35 e 3,57% de gordura e proteína, resultando em 397 kg de gordura e 326 kg de proteína por lactação.

No Canadá, a raça Holandesa respondeu por 93% do leite produzido no ano de 2018. O melhoramento genético da raça na produção de sólidos e na sua concentração no leite tem sido expressivo. Junto da busca por mais sólidos no leite, os canadenses têm buscado maiores produções de leite junto da tradicional busca por uma vaca funcional e longeva (reunindo características de tipo e saúde). A Figura 6 mostra a evolução nos valores genéticos para leite, gordura e proteína das vacas Holandesas no Canadá durante a última década.

Figura 6. Evolução dos valores genéticos para produção de leite (A), teores de gordura e proteína (B) e produção de gordura e proteína (C) das vacas Holandesas no Canadá.

Pela evolução nos valores genéticos, podemos esperar um progresso nas características produtivas da raça nesse período. Pela Figura 7, podemos ver que a produção de leite e o teor de sólidos vêm aumentando para as vacas Holandesas daquele país.

Figura 7 - Médias por ano de produção das vacas Holandesas no Canadá. Produção de leite (A), % de Gordura e % de Proteína (B) e kg de Gordura e kg de Proteína (C). Fonte: Adaptado de Canadian Dairy Information Centre

A raça Jersey é a segunda mais representativa no Canadá e respondeu em 2018 por 4% do total de leite produzido no país. Essa raça sofreu uma importante evolução genética em termos de produção e composição do leite (Figura 8), seguindo os passos trilhados pela raça Holandesa.

Figura 8. Mudança nos valores genéticos para produção e composição do leite do rebanho Jersey no Canadá. A: Produção de leite, B: % de Gordura e % de Proteína e C: kg de Gordura e kg de Proteína. Fonte: Adaptado de Canadian Dairy Network (CDN).

No Jersey canadense, a melhoria genética reflete na produtividade das vacas do país, com um teor de gordura acima 5% e de proteína beirando os 4% (Figura 9B). Valores expressivos, para vacas  que ultrapassam os 7000 kg de leite por lactação (Figura 9A).

Figura 9. Médias por ano de produção das vacas Jersey no Canadá. A: Produção de leite, B: % de Gordura e % de Proteína e C: kg de Gordura e kg de Proteína. Fonte: Adaptado de Canadian Dairy Information Centre.

No Brasil, a raça especializada de maior destaque em produção de leite, assim como no mundo é a Holandesa. As médias de produção por lactação para esta raça nos rebanhos sob controle leiteiro são de 6.712 kg de leite, 221,3 kg de gordura, 226 kg de proteína, correspondendo em teores a 3,30 e 3,37%, respectivamente, nos animais incluídos nas avaliações genéticas para compor o sumário nacional de touros (COSTA et al, 2013).

Já para o estado do Paraná, as vacas da raça Holandesa dos rebanhos que com controle leiteiro cujos dados foram utilizados para estimar os valores genéticos de vacas apresentaram 7.542,31 kg de leite, 250,35 kg de gordura e 241,88 kg de proteína, correspondendo a 3,32 e 3,22% em teores, respectivamente (PEDROSA; VALLOTO, 2016). Os valores menores em termos de percentagens de gordura e proteína observados no Brasil em relação aos de países de pecuária desenvolvidos demonstram a necessidade de promover intenso melhoramento genético para sólidos do leite, assim como das condições ambientais, tais como alimentação e ambiência.

Infelizmente não temos dados temporais que permitam uma melhor análise da situação atual brasileira e da evolução que nossos programas de seleção dentro das raças especializadas têm alcançado.

Considerações finais

A variação que vimos nos exemplos citados mostram a máxima de que o fundamental é a direção que o melhoramento segue. A velocidade dele se dá conforme a disponibilidade e a pressão dentro da cadeia de produção. Os dados mostram a possibilidade de mudar substancialmente a composição do leite se este aspecto for levado em conta nos programas de melhoramento genético.

Vacas equilibradas, produtivas e eficientes diante dos recursos disponíveis são o objetivo, já que por se tratar de uma commodity, o leite segue uma tendência de rentabilidade cada vez menor por unidade. Comparando as estimativas que temos do leite brasileiro frente ao material genético disponível é possível um grande salto em algo como uma década, desde que as condições necessárias a animais mais produtivos sejam atendidas. Outro ponto de destaque é que em cada um dos casos citados existe um órgão (USDA e atualmente o CDCB nos EUA, o CDN no Canadá, o DairyNZ na Nova Zelândia, o ICBF na Irlanda, a Coöperatie CRV na Holanda e o Canadian Dairy Network [CDN], no Canadá) que coordena as estratégias de melhoramento, coleta os dados e faz a gerência das macro questões.

Outro ponto importante é não “romantizar” sobre essas melhorias em outros países. Em geral elas são resultado do esforço conjunto em um cenário de mercado relativamente desfavorável. Na Europa, o fim das cotas, o isolamento neozelandês e os acontecimentos do mercado americano pressionam os produtores para a melhoria de seus índices, sendo quase sempre implacáveis com quem é resistente a mudança, demonstrado pelo fenômeno mundial de aumento de tamanho das fazendas leiteiras e a diminuição do número de fazendas.

Referências bibliográficas:

CANADIAN DAIRY INFORMATION CENTRE. Average Production by Breed. 2019. Disponível em: https://aimis-simia-cdic-ccil.agr.gc.ca/rp/index-eng.cfm?action=pR&r=213&pdctc=. Acesso em 10 jun. 2019.

CANADIAN DAIRY NETWORK. CDN Genetic Evaluation: General Articles/Reports & Lists - APR 2019. 2019. Disponível em: <https://www.cdn.ca/files_ge_articles.php>. Acesso em: 05 jun. 2019.

COÖPERATIE CRV. Bedrijven en koeien in cijfers - Coöperatie CRV. Disponível em: <https://www.cooperatie-crv.nl/downloads/stamboek/bedrijven-en-koeien-in-cijfers/>. Acesso em: 27 abr. 2019.

COÖPERATIE CRV. Genetische trends van koeien in Vlaanderen. . [S.l: s.n.], 2018. Disponível em: <https://www.cooperatie-crv.nl/wp-content/uploads/2018/12/gen_trend_koe_vrv_20181206.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2019.

HARRIS, B.; PRYCE, J. E.; MONTGOMERIE, W. A. EXPERIENCES FROM BREEDING FOR ECONOMIC EFFICIENCY IN DAIRY CATTLE IN NEW ZEALAND. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/a7d9/dc127dd1c2b4f1aa43fd42b535b4477e1eb1.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2019.

LIVESTOCK IMPROVEMENT CORPORATION; DAIRYNZ. New Zealand Dairy Statistics 2017-18. . Hamilton: [s.n.], 2018. Disponível em: <https://www.dairynz.co.nz/media/5790451/nz-dairy-statistics-2017-18.pdf>.

MCMEEKAN, C. P. De pasto a Leche (Una filosofia neozelandesa). 3th. ed. Montevideo: Hemisferio Sur, 1960.

NORMAN, H. D.; WALTON, L. M.; DÜRR, J. Somatic cell counts of milk from Dairy Herd Improvement herds during 2018. Disponível em: <https://queries.uscdcb.com/publish/dhi/current/sccx.html>. Acesso em 20.03.2019

SHALLOO, L. et al. Description and Validation of the Moorepark Dairy System Model. Journal of Dairy Science, v. 87, n. 6, p. 1945–1959, jun. 2004. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0022030204733536>. Acesso em: 4 out. 2017.

ANGELICA LETICIA SCHEID

ANDRÉ THALER NETO

Médico veterinário, doutor em melhoramento genético de bovinos de leite. Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), no Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) em Lages, SC

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