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mpacto de um adequado programa de melhoramento genético para composição do leite - Parte I

POR ANDRÉ THALER NETO

E MARCIÉL FRANÇA

ANDRÉ THALER NETO

EM 22/03/2019

12 MIN DE LEITURA

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Em dois artigos abordaremos o impacto da seleção genética como ferramenta para melhoria da composição do leite a longo prazo.

O leite é definido como a secreção da ordenha completa e ininterrupta de vacas saudáveis, e deve obedecer a alguns requisitos mínimos no Brasil, como: 3% de gordura, 2,9% de proteína, 4,3 % de lactose, 8,4% de sólidos não gordurosos e baixos valores de células somáticas (média geométrica igual ou inferior a 500 mil células por ml), segundo a IN 76/2018 (BRASIL, 2018). A partir da publicação de mais uma nova normativa de qualidade do leite, toda a cadeia produtiva do leite demonstra maior preocupação no atendimento às normas de qualidade do leite.

Como o leite é a principal fonte de renda da propriedade leiteira, a produção é voltada a atender aos anseios do mercado consumidor e ao mesmo tempo remunerar o produtor de modo a permanecer e progredir na atividade. Assim, a cadeia leiteira atual representa em muito aquilo que os produtores têm feito para atender as exigências do consumidor, sejam elas de qualidade ou de preço.

Historicamente a remuneração do leite no Brasil foi, e ainda o é em muitas partes, feita pelo volume entregue sem considerar a composição, gerando um cenário onde o manejo e seleção das vacas muitas vezes é direcionado para a produção de mais leite, com pouco ou nenhum cuidado para a composição.

Esta realidade é diferente na maioria dos países produtores de genética, nos quais se busca vacas equilibradas, utilizando sêmen de touros que combinam produção de leite e de sólidos com outras características, o que faz o preço de mercado do sêmen de touros que se destacam apenas pela alta produção de leite, com valores genéticos baixos para sólidos, seja menor, estimulando seu uso no Brasil.

Porém, felizmente a partir da década de 2000 e, em especial agora na década de 2010, o efeito da composição na formação do preço do leite vem crescendo em ritmo mais acelerado, seja para atender os requisitos legais e evitando a captação, industrialização e/ou condenação de leite não conforme, ou ainda para melhoria do rendimento industrial e qualidade do produto final. Esta nova realidade exige por parte dos produtores maior atenção quanto à genética e ao manejo adotado em seus rebanhos visando uma adequada composição do leite.

Os valores que a IN 76/2018, definidos como limites para a composição do leite, parecem à primeira vista bem coerentes para a busca da melhoria na qualidade do leite, e até que sejam extremos para gerar a condenação de algum leite. No entanto, os trabalhos junto a indústria vêm mostrando elevado número de não conformidades com a legislação. Como muitas dessas não conformidades referem-se a vaca e a glândula mamária, elas podem ter origem no ambiente e manejo, problemas geralmente de resolução e efeitos mais imediatos, ou ser genéticos, resultado da seleção e introdução de genética no rebanho sem cuidados com a composição do leite.

Nos deteremos a discorrer sobre esse segundo ponto, a manipulação da composição do leite por via genética. Essas características podem ser selecionadas dentro da população e especialmente pela introdução de genética superior nas características desejadas, por meio de sêmen de touros provados, ferramenta esta que foi o pilar do grande salto genético que as raças leiteiras deram nas últimas décadas. Hoje, a tecnologia permite além do uso de sêmen de touros provados, a avaliação genômica tanto de touros quanto de vacas, tornando mais precoce, fácil e barato selecionar os melhores indivíduos.

A primeira e mais selecionada característica foi a produção de leite, por ser medida facilmente e a primeira forma de medir o leite para realizar o pagamento. Após vieram a seleção para a produção de gordura e posteriormente de proteína. Os gráficos abaixo mostram como exemplo a evolução ocorrida nos EUA, país do qual o Brasil importa o maior percentual do sêmen de raças leiteiras especializadas, a partir dos anos 1980.

Figura 1 - Evolução da produção de leite (___) nos Estados Unidos. Adaptado de de Norman, Walton e Dürr (2017). 

Evolução da produção de leite (___) nos Estados Unidos

Figura 2 - Evolução da gordura (---) e proteína (....) nos Estados Unidos. Adaptado de de Norman, Walton e Dürr (2017). 

Evolução da gordura (---) e proteína (....) nos Estados Unidos

Pelo gráfico podemos notar que nas raças Holandesa e Jersey a produção de leite vem crescendo, assim como a produção de gordura e proteína, as quais tem aumentado mais na raça Jersey que no Holandês nos últimos anos. Os dados atuais (vacas paridas em 2015, com médias ajustadas a idade adulta) das principais raças leiteiras seguem abaixo (Tabela 1), bem como uma comparação entre valores da raça Jersey e Holandesa:

Tabela 1 - Produção e composição do leite (ajustadas para idade adulta, 305 dias de lactação e 2 ordenhas) de vacas em controle leiteiro oficial nos Estados Unidos, paridas em 2015.

Produção e composição do leite

A seleção extrema de características como elevada produção, pode incorrer no acúmulo e aumento de ocorrência de problemas, uma vez que apresenta correlações desfavoráveis com importantes características de saúde, além da produção demandar maiores cuidados e estarem propícias a distúrbios (OLTENACU; BROOM, 2010). Essa característica pode gerar, em quadros extremos, animais e rebanhos com elevado potencial de produção, porém de baixa saúde, fertilidade e longevidade, sendo cenários de baixa rentabilidade.

A Figura 3 mostra que nos Estados Unidos a seleção extrema para produção de leite, sem uma seleção conjunta para fertilidade fez com que até o fim da década de 1990 a fertilidade das vacas sofresse uma queda acentuada, sendo revertida a partir dos anos 2000, fruto da introdução de valores genéticos e da seleção mais intensa para características funcionais, em especial a fertilidade.

Assim, dispomos de ferramentas que permitem guiar a seleção do rebanho para a melhoria na composição futura do leite. A estratégia mais básica e barata até o momento é o uso de sêmen de touros provados, o qual permite grandes ganhos a cada geração, mesmo que não tenha efeito imediato, visto que antes de três anos as filhas do touro não estarão em lactação.

Comentaremos sobre a estratégia de utilização de inseminação artificial e intensa seleção de touros com valor genético estimado, ainda que a seleção de animais dentro do rebanho, utilizando de ferramentas como o controle leiteiro, avaliação genética e genômica de vacas também possa colaborar de modo importante para o ganho genético.

Figura 3 - Produção de leite e fertilidade para vacas da raça Holandesa por ano de nascimento nos Estados Unidos.

Produção de leite e fertilidade para vacas da raça Holandesa

Gordura e proteína:

A seleção para produção de gordura e proteína e o motivo de selecionar para a produção destes componentes e não para o teor de cada componente já está descrito em um texto anterior (clique aqui). Falando em termos de obter altas produções de cada componente nas futuras lactações das futuras vacas, a primeira medida é utilizar touros que tenham valor genético bem superior aos demais. Mesmo que considerações possam se aplicar a alguns rebanhos, em linhas gerais uma boa recomendação é a dada por Murray Hunt, em seu artigo para a revista de criadores The Bullvine, intitulado “Sire selection: work with the best and forget the rest!” (Escolha de touros: trabalhe com o melhor e esqueça o resto! Em tradução livre) (HUNT, 2016).

Para ambas as raças (Holandês e Jersey) ele recomenda que os valores de produção de gordura sejam iguais ou superiores a 60 e 45, respectivamente. Para produção de proteína a recomendação é de 40 e 30, respectivamente para Holandês e Jersey. Estes valores são tanto para a Habilidade de Transmissão Predita (Predicted Transmitting Ability – PTA, sigla em inglês) expressa em libras nas provas americanas, quanto para o valor genético (Estimated Breeding Value – EBV, sigla em inglês) expresso em quilogramas e adotado no Canadá. O uso do mesmo valor nessas diferentes unidades se dá, pois, o PTA é metade do EBV, enquanto a libra é quase metade (0.454) do quilograma, permitindo usar como valores similares na prática.

Vale lembrar que esse rigor é adotado em países onde a composição faz grande parte do preço do leite e esse cenário pode não ser o do mercado do nosso leitor. Mas com um mercado em potencial crescimento e aparelhamento ao mercado internacional, com eventuais exportações, convém que o setor produtivo comece a se adaptar.

Lactose e CCS:

O teor de lactose é relativamente constante dentro de uma e entre as raças leiteiras de modo que pouco progresso se teria na seleção direta para lactose. No entanto, a baixa lactose foi e continua sendo um problema na indústria brasileira. No passado, pela falta de equipamentos de refrigeração grande parte da lactose era degradada pela microbiota mesofílica do leite, que por vezes chegava ao extremo do leite se tornar ácido. Hoje como o leite cru deve ser refrigerado na propriedade, essa causa de baixa lactose não é rotina.

Atualmente, uma causa de diminuição da lactose é a deficiência alimentar já que vacas consumindo dietas pobres apresentam baixos níveis de lactose no leite (ALESSIO et al., 2016). Outro fator é a presença de mastite subclínica, indicada pela elevada contagem de células somáticas (CCS), a qual causa um aumento na permeabilidade dos vasos da glândula mamária permitindo que células do sangue passem para o leite para conter o processo. Essas células vão compor a CCS junto daquelas que descamam do epitélio da glândula por estarem velhas ou danificadas pela inflamação, sendo que essas alterações na homeostase da glândula acarretam na diminuição da lactose por duas vias: a redução na síntese pela perda de células do epitélio secretor e a perda de lactose para a corrente sanguínea devido à maior permeabilidade.

Atualmente estão disponíveis valores genéticos de escore de células somáticas (ECS, ou SCS do inglês, somatic cell score), que são calculados pela fórmula: ECS = log base 2 (CCS/100,000) + 3. Esse cálculo é feito por questões matemáticas, já que não há como trabalhar os valores brutos de CCS, devido à falta de normalidade dos dados. 

O valor de ECS 3 é a média de referência, sendo que animais abaixo disso são desejáveis e valores acima não o são. Essa ferramenta, disponível também na virada do século, permitiu que através da seleção fosse revertida a tendência de aumento na CCS dos rebanhos. Conforme exemplificado para a raça Holandesa e Jersey nos Estados Unidos na Figura 3, a raça Holandesa vem reduzindo os valores genéticos para ECS desde os anos 2000, ao passo que a raça Jersey só iniciou a partir de 2013/14.

Figura 4 - Valores genéticos para escore de células somáticas (ECS) para touros (vermelho) e vacas (azul) para as raças Holandesa e Jersey nos Estados Unidos de acordo com o ano de nascimento (Fonte: CDCB, 2018, https://queries.uscdcb.com/eval/summary/trend.cfm?R_Menu=HO.s#StartBody).

Valores genéticos para escore de células somáticas (ECS) para touros (vermelho) e vacas (azul) para as raças Holandesa e Jersey nos Estados Unidos

Com isso a seleção para animais para menor CCS permite glândulas mamárias mais saudáveis e com isso o leite produzido com teores de sólidos mais próximos da faixa normal em função da elevação do teor de lactose. A seleção para redução da CCS no rebanho é vantajosa devido à alta correlação com a incidência de mastite clínica.

A partir de 2014, os valores de resistência a mastite também foram disponibilizados para algumas raças, permitindo uma seleção ainda mais intensa contra a mastite e CCS, porém como o leite de vacas com mastite deve ser descartado e não compõe o leite do tanque, ele tem impacto na propriedade e não na composição do leite que chega à indústria (VAN DOORMAAL; BEAVERS, 2014).

Além da diminuição do teor de lactose, o leite com elevada CCS pode apresentar também um menor valor de sua proteína pois, na glândula mamária ocorre redução na síntese de caseína (que é a fração de maior valor para produção de derivados) e permite que proteínas do soro passem para o leite, impactando no rendimento da produção de queijo na indústria  (MATTIELLO et al., 2018).

Para a raça Holandesa, encontra-se disponível no mercado  uma boa variedade de touros com valor genético para ECS abaixo de 3. No caso da raça Jersey, atualmente também há amplo espaço para seleção, sendo que os touros ativos nos EUA, têm média para ECS em 2.92.

Extrato Seco Total (EST) e Extrato Seco Desengordurado (ESD):

O EST é a soma de todos os componentes do leite a exceção da água, enquanto ESD é o EST subtraído a gordura. Logo, a sua seleção é carreada pelos demais componentes como a produção de gordura, produção de proteína e lactose, esta última via seleção para baixa ECS. O teor de minerais do leite apresenta diferenças entre raças, mas a variabilidade e especialmente a seleção dentro de alguma raça não é praticada, sendo pequeno o seu efeito sobre o teor de extrato seco.

Considerações

A adequada utilização de ferramentas de melhoramento genético, tais como a utilização de sêmen de touros com elevados valores genéticos para a produção de sólidos do leite permitirão aos produtores no futuro trabalhar com vacas produtivas com elevadas quantidades de leite e sólidos, atendendo às novas exigências de qualidade do leite e adequado ao mercado.

A esses critérios se somam a busca por uma vaca com demais características que a tornem saudável, fértil e longeva, por se entender que esta é a vaca mais adequada a diferentes sistemas de produção. Uma estratégia adotada por outros países de pecuária leiteira desenvolvida é balancear essas características de modo a compor um índice de seleção que reflita a expectativa de uma vaca ideal.

No próximo artigo traremos exemplos de países que vêm selecionando seus rebanhos para melhorias na composição do leite.

Referências bibliográficas

ALESSIO, D. R. M. et al. Multivariate analysis of lactose content in milk of Holstein and Jersey cows. Semina:Ciencias Agrarias, v. 37, n. 4, p. 2641–2652, 2016.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 76, de 26 de novembro de 2018, aprova os Regulamentos Técnicos que fixam a identidade e as características de qualidade que devem apresentar o leite cru refrigerado, o leite pasteurizado e o leite pasteurizado tipo A. Diário Oficial da União.

HUNT, M. Sire Selection: Work with the best and forget the rest!? The Bullvine - The Dairy Information You Want To Know When You Need It. Disponível em: <https://www.thebullvine.com/dairy-cattle-breeding-strategies/sire-selection-work-with-the-best-and-forget-the-rest/>.

MATTIELLO, C. A. et al. Rendimento industrial, eficiência de fabricação e características físico-químicas de queijo colonial produzido de leite com dois níveis de células somáticas. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v, v. 70, n. 6, p. 1916–1924, 2018. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/1678-4162-9908>.

NORMAN, H.D.; WALTON, L.M.; DÜRR, J. State and national standardized lactation averages by breed for cows calving in 2015. Council on Dairy Cattle Breeding, 2017. Disponível em https://queries.uscdcb.com/publish/dhi/current/lax.html.

OLTENACU, P. a.; BROOM, D. M. The impact of genetic selection for increased milk yield on the welfare of dairy cows. Animal Welfare, v. 19, n. SUPPL. 1, p. 39–49, 2010.

VAN DOORMAAL, B.; BEAVERS, L. Mastitis Resistance Selection: Now a Reality!?The Bullvine - The Dairy Information You Want To Know When You Need It. Disponível em: https://www.thebullvine.com/news/mastitis-resistance-selection-reality.

ANDRÉ THALER NETO

Médico veterinário, doutor em melhoramento genético de bovinos de leite. Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), no Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) em Lages, SC

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