Os antibióticos β-lactâmicos (penicilinas e cefalosporinas) formam o grupo de drogas antimicrobianas mais utilizadas para a prevenção e tratamento de mastite e outras infecções bacterianas em vacas leiteiras. Os resíduos de antibióticos no leite podem ser a própria droga ou produtos da metabolização da droga. Tais compostos podem, portanto, degradar dependendo de vários fatores que normalmente afetam sua estabilidade. Dentre estes fatores, a temperatura é um dos mais importantes, pois afeta a decomposição de tais moléculas nas diferentes soluções antimicrobianas.
A cinética de degradação de uma solução química como resultado do efeito do aumento da temperatura sob um determinado tempo é definida pela equação de Arrhenius. Além disso, a ordem da reação estabelece uma relação entre a taxa de concentração e de degradação de cada composto. A partir desta cinética, modelos de previsão de degradação de resíduos têm sido desenvolvidos para estimar as perdas de concentração de compostos antimicrobianos em termos de tempo e temperatura.
Atualmente, a combinação da metodologia de cromatografia líquida com diferentes detectores levou ao desenvolvimento de um sistema de detecção e quantificação amplamente aplicável para análise de resíduos de β-lactâmicos em alimentos de origem animal, incluindo leite. Tal sistema é capaz de detectar quantidades relativamente pequenas de um composto alvo, aumentando assim a sensibilidade do procedimento. Isto torna esta metodologia eficaz para determinação da degradação térmica de resíduos de antibióticos no leite.
Se o leite chegar à indústria de laticínios com resíduos de β-lactâmicos, estes podem sofrer degradação durante os procedimentos de pasteurização e esterilização. Um estudo recente buscou avaliar o efeito de temperaturas crescentes na concentração de resíduos de 10 antibióticos β-lactâmicos no leite usando a metodologia de cromatografia a líquido de alto desempenho (HPLC). Desta forma, foi possível determinar modelos de cinética de degradação, para posteriormente, calcular as perdas de concentração dos resíduos químicos que ocorrem por meio do processamento térmico convencional do leite.
Neste experimento, antibióticos β-lactâmicos foram intencionalmente adicionados ao leite e as amostras foram então divididas em alíquotas e encubadas em banho-maria para avaliar o efeito de diferentes temperaturas (60, 70, 80, 90 e 100 ° C) sobre o tempo de aquecimento. A Tabela 1 apresenta os antibióticos e os tratamentos térmicos utilizados neste estudo.
Tabela 1: Tratamentos térmicos (temperatura e combinações de tempo) usados para avaliar a degradação dos β-lactâmicos
A metodologia possibilitou observar que o efeito do tempo de tratamento térmico sobre a degradação dos β-lactâmicos foi altamente significativa em todos os casos. Os maiores níveis de degradação dos antibióticos foram observados quando o tempo de aquecimento foi prolongado e a temperatura elevada.
A Tabela 2 mostra as meias-vidas dos antibióticos β-lactâmicos no leite estimadas por meio de equações cinéticas nas temperaturas avaliadas. Esta tabela também apresenta os parâmetros cinéticos com os valores de energia de ativação (Ea) e frequência de colisão (LnA) de cada substância, as quais foram calculadas através da equação de Arrhenius.
Tabela 2: Meias-vidas (min) e parâmetros cinéticos para os antibióticos β-lactâmicos no leite em diferentes temperaturas
O comportamento de estabilidade observado em cada antibiótico pode ser explicado pelos parâmetros cinéticos de LnA e Ea obtidos pela equação de Arrhenius. A energia de ativação alta indica que é necessário mais tempo para atingir o estado de ativação das moléculas, portanto, de degradação. Somado a isso, ocorre um aumento na frequência de colisão (LnA) entre as moléculas dos antibióticos, o que acelera a velocidade da reação de degradação, uma vez que, as moléculas atingem a Ea.
As penicilinas demonstraram meias-vidas mais longas que as cefalosporinas, indicando uma maior instabilidade das cefalosporinas. Dentre o grupo das cefalosporinas, a cefapirina, cefoperazone e a cefuroxima foram as que apresentaram meias-vidas mais curtas aos 100°C (6, 4, e 5 minutos, respectivamente).
Ainda neste experimento, foi possível estimar o percentual de degradação de cada antibiótico após sofrerem tratamentos térmicos convencionais utilizados nas indústrias de laticínios: pasteurização lenta (63°C por 30 minutos); pasteurização rápida (72°C por 15 segundos); esterilização (120°C por 20 minutos); e UHT (ultra high temperature; 140°C por 4 segundos). Os resultados indicaram que a pasteurização rápida não ocasionou reduções significativas nos níveis residuais das substâncias testadas. Por outro lado, o processo de pasteurização lenta levou a reduções nas cefalosporinas entre 22,1% (cefuroxima) e 42,1% (cefapirima). Ambos compostos contêm ligações éster que são instáveis em meios biológicos. Isso poderia explicar os índices altos de degradação observados nestes dois antibióticos em baixa temperatura (63°C), quando comparados a outros compostos.
O processo de esterilização do leite foi o método que apresentou melhores resultados na degradação dos antibióticos β-lactâmicos. As taxas de degradação para as penicilinas variaram de 47,6% (amoxicilina) a 84% (ampicilina). As cefalosporinas apresentaram taxas melhores de degradação que as penicilinas, com índices acima de 90% em todos os casos, exceto para o cefquinome (79,9%). Níveis de degradação de 100% foram, inclusive, observados para o cefoperazone e para a cefuroxima. O processo de esterilização UHT levou aos menores níveis de degradação, onde os resultados mais significativos foram observados para o cefoperazone (16,8%) e cefuroxima (8,6%).
Os processamentos térmicos convencionais aplicados no leite apresentaram reduções menores na concentração dos antibióticos β-lactâmicos que os tratamentos avaliados neste estudo, exceto na esterilização a 120°C por 20 minutos. Estes resultados confirmam que a maioria dos tratamentos térmicos utilizados na indústria de laticínios não impede que resíduos de antimicrobianos β-lactâmicos chegue à mesa dos consumidores.
Desta forma, é necessário que medidas preventivas sejam aplicadas durante a produção primária, em especial o respeito ao período de carência, para evitar potenciais riscos à saúde e garantir a segurança alimentar dos consumidores.
Fonte: Roca et al.; J. Dairy Sci. 94 :1155-1164, 2011.