Atualmente, uma interessante discussão que tem merecido grande espaço dos técnicos envolvidos com qualidade do leite é com relação aos limites de contagem de células somáticas (CCS) e da a ocorrência de mastite clínica, que definem o leite como anormal ou impróprio para o consumo. Nosso objetivo aqui não é encerrar esta discussão, mas sim esclarecer pontos importantes.
CCS e saúde do consumidor
A CCS vem sendo usada em todo o mundo como uma ferramenta para avaliar a saúde da glândula mamária, para caracterizar a adequação do leite para consumo humano, e finalmente, para estimar as perdas econômicas do produtor relacionadas com a mastite. Podemos afirmar que o aumento da CCS no leite indica a presença de uma inflamação, na sua grande maioria causada por uma infecção.
Entretanto, não existe nenhuma evidência científica de que o leite com elevada CCS per se possa apresentar algum risco a saúde do consumidor. É evidente que o leite com alta CCS apresenta maior risco da presença de resíduos de antibióticos e de contaminação com agentes patogênicos. Paralelamente, podemos suspeitar de que o leite com alta CCS foi produzido em condições higiênicas inadequadas e com menor controle sanitário dos animais. Em resumo, a CCS é apenas um indicador e não pode ser considerada como um risco à saúde do consumidor, sendo que resíduos de antibióticos e de agentes patogênicos devem ser controlados e evitados independentemente da CCS do leite.
Caracterizando o leite normal
Podemos definir a mastite como a inflamação da glândula mamária, sendo que a CCS é universalmente aceita como indicativo da presença de inflamação na glândula mamária. É importante notar que mesmo o leite da glândula mamária normal apresenta uma quantidade mínima de células somáticas, sendo geralmente aceito que este valor possa chegar até 100.000 cél/ml em quartos não infectados, ordenhados duas vezes ao dia.
As células somáticas encontradas no leite são compostas principalmente por células de descamação epitelial e por leucócitos do sangue. Estes leucócitos migram do sangue para dentro da glândula mamária em função da presença de um agente agressor, sendo normalmente composto por neutrófilos, macrófagos e linfócitos. Na composição da CCS do leite de origem de glândulas mamárias não infectadas temos a predominância de células de descamação epitelial, enquanto na glândula com mastite ocorre predominância de leucócitos.
Caracterizando o leite anormal
A mastite clínica, por definição, ocorre quando o leite ou o quarto mamário apresenta-se alterado em relação ao seu estado normal, não sendo feita nenhuma referência quanto a CCS do leite. Obviamente, um quarto apresentando mastite clínica invariavelmente apresentará CCS acima de 200.000 cél/ml. Qualquer alteração com relação às características do leite quanto a cor, presença de grumos, sangue, pus são indicativos de mastite clínica. Estas alterações são, geralmente, resultado da infecção causada por um microrganismo que adentrou a glândula mamária. Quanto mais severo for o quadro de mastite clínica, maiores serão as alterações nas características do leite, e portanto este leite não deve ser utilizado para consumo humano. Quando o leite apresenta-se com as suas características normais, mas com a CCS acima de 200.000 cel/ml, temos a ocorrência da mastite subclínica.
Diante do exposto, surge a seguinte questão: qual o limite de CCS para que o leite seja considerado anormal? De forma geral, um quarto mamário comprovadamente não infectado e sem história recente de mastite deve apresentar CCS menor que 100.000 cel/ml. No entanto, quando a CCS ultrapassa 200.000 cel/ml isto é um forte indicativo da presença de infecção, uma vez que o sistema imune do animal foi desafiado e responde com o aumento da migração dos leucócitos do sangue para o leite. Deve-se lembrar que existe uma faixa de CCS por volta de 200.000 cel/ml que representa uma dificuldade de interpretação quanto à saúde da glândula mamária, pois pode tanto caracterizar uma glândula mamária sadia quanto infectada.
Como a destinação do leite recebido pelas indústrias e cooperativas apresenta ampla variação, podemos dizer que a definição de limites máximos legais para a CCS do leite é uma decisão que deve ser baseada em um número muito grande de informações, em especial quanto ao uso do leite. A análise da CCS do leite do tanque pode tanto fornecer informações sobre a porcentagem de quartos infectados dos rebanhos de origem, quanto em relação à adequação da matéria prima para processamento posterior. Como generalização, pode-se afirmar que quanto menor o número de quartos infectados, maior é o rendimento e qualidade dos produtos lácteos produzidos. Para exemplificarmos a situação, quando a CCS do tanque é de 200.000 cel/ml, cerca de 15% dos animais estão infectados em um ou mais quartos. Para cada aumento de 100.000 cél/ml no tanque de uma fazenda leiteira, podemos esperar um acréscimo de 8 a 10% na porcentagem de mastite subclínica.
Fonte: NMC Guidelines on Normal and abnormal raw milk based on SCC and signs of clinical mastitis (2001).