Teor de cálcio, fósforo, citrato e estabilidade do leite
O cálcio distribui-se no leite em dois compartimentos: solúvel (iônico e ligado ao citrato e fosfato) e coloidal (ligado a proteínas). De acordo com os resultados de Silva (2003), os teores de cálcio do leite variam em função do estado (local) de origem do leite e foi observada uma redução da concentração de cálcio ao longo do armazenamento. Tal ocorrência pode esta associada ao aumento da sedimentação que tende a deslocar o cálcio para os sedimentos, o que reduz o seu teor na fração fluida do leite.
Tabela - Teor médio de cálcio e fósforo (mg/100 ml) do leite cru em três estados brasileiros.
Foi observada no estudo de Silva (2003) uma correlação negativa entre o teor de cálcio do leite cru e a estabilidade ao álcool (r= -0,887, P<0,05), confirmando o papel importante deste elemento na estabilidade do leite. Nos leites com maiores teores de cálcio observa-se redução da estabilidade da proteína e conseqüente diminuição da estabilidade ao álcool. Sendo assim, estima-se que no leite com teores aumentados de cálcio ocorre menor estabilidade térmica durante o processamento e armazenamento do leite. Estes dados são confirmados por Barros (2001), que afirma existir uma relação inversamente proporcional entre a estabilidade das proteínas e o teor de cálcio iônico, sendo que a prova do álcool é sensível a alterações do teor de cálcio iônico, pois provoca redução da solubilidade desse mineral. Por outro lado, o teor de fósforo do leite apresentou correlação positiva com a estabilidade ao álcool, o que significa um comportamento inverso ao observado com os teores de cálcio.
Tabela - Variações da composição do leite individual em função da positividade à prova do álcool.
De forma semelhante ao cálcio, o citrato do leite encontra-se na forma solúvel e coloidal. A adição de citrato ao leite aumenta a estabilidade térmica devido ao seu efeito de seqüestrar o cálcio iônico e redução do fosfato de cálcio coloidal. Foram observados no estudo de Silva (2003) baixos teores de citrato, reafirmando a importância do equilíbrio salino para a estabilidade do leite. No estudo realizado por Silva (2003), foi encontrada maior estabilidade do álcool das amostras de leite do estado de Goiás, o que pode estar relacionada também com os maiores teores de citrato observados nas amostras de leite daquele estado. O mecanismo de desestruturação das micelas de caseína quando em contato com o álcool pode ser explicado pela ação desnaturante do álcool.
Segundo Horne e Parker (1981), na faixa de pH normal do leite, as micelas de caseína apresentam cargas negativas, as quais são equilibradas pela quantidade de Ca ligado à proteína. Quando há aumento do nível de cálcio solúvel, aumenta-se o cálcio ligado e reduz a carga negativa total das micelas, resultando em menor barreira para a coagulação.
Estudos de alterações da estabilidade do leite no Brasil
Em estudo realizado por Balbinoti et al (2002), foi avaliada a ocorrência de instabilidade do leite na região Sul do RS. Foram analisadas 3.353 amostras de leite quanto à prova do álcool (76%) e acidez titulável. De acordo com os resultados, a grande maioria (72,72%) das amostras positivas à prova do álcool (com instabilidade da proteína) apresentou acidez titulável normal, caracterizando que a instabilidade do leite observada no estudo não tinha origem da presença de ácido lático. De acordo com os autores, este problema pode provocar enormes prejuízos ao setor lácteo, pois a perda da estabilidade da caseína frente à prova do álcool, que causa a sua precipitação, ocorre mesmo sem o aumento da acidez do leite. Em muitos casos, o leite com tais alterações é erroneamente interpretado como ácido, penalizando o produtor sem que este possa identificar o que acontece no rebanho. Deve-se ressaltar, no entanto, que o leite com instabilidade térmica poderia não resistir ao processo térmico na indústria e causar igualmente prejuízos durante o processamento.
Donatele et al. (2003) analisaram a relação do teste de alizarol a 72% (v/v) em leite "in natura" de vaca com a acidez e a contagem de células somáticas em rebanhos do estado do Rio de Janeiro. De acordo com os autores, dentre as amostras de leite com coagulação ao alizarol a 72% a maioria (89,55%) apresentaram pH entre 6,4 e 6,8 e que 89,76% das amostras com instabilidade tiveram a acidez titulável abaixo de 18o D.
Fonte: adaptado de SANTOS, M. V. Aspectos não microbiológicos afetando a qualidade do leite. In: J. W. Durr; M. P. Carvalho; M. V. Santos (Org.). O compromisso com a qualidade do leite no Brasil. Passo Fundo, 2004, p. 269-283.