O leite é um alimento muito presente na casa dos brasileiros e um dos produtos da agropecuária de maior importância na dieta de crianças e adultos por ser rico em proteínas, vitaminas e ser uma excelente fonte de cálcio. O leite contém microrganismos benéficos, deteriorantes e patogênicos, estes últimos são predominantes no leite cru.
A contaminação do leite pode causar diversos problemas na qualidade dos produtos lácteos no qual ele será transformado, causando alterações sensoriais como sabores e aromas desagradáveis, diminuição do rendimento industrial e redução da vida de prateleira do produto. Microrganismos patogênicos, capazes de causar doenças, também podem ser transmitidos pelo leite e por isso a pasteurização ou esterilização do produto é realizado pela indústria, visando obter e distribuir um produto de qualidade para os consumidores.
O uso de novas técnicas de processamento tem recebido atenção dos pesquisadores e das indústrias de alimentos, tais como tratamentos com ozônio, plasma frio, radiação, ultrassom, ultravioleta, luz pulsada e novas tecnologias de embalagem.
O uso de ozônio na indústria de alimentos já é comum para diversas aplicações, tanto como sanificante de superfícies, descontaminação de embalagens e tratamento de alimentos com aplicação direta visando a redução da contaminação microbiana.
A ozonização é considerada uma tecnologia não térmica, pois não aquece o alimento, preservando os nutrientes e compostos bioativos sensíveis ao calor e é autorizada pelo Ministério da Saúde para uso em tratamento de água e de alimentos. (PORTARIA GM/MS Nº 888, DE 4 DE MAIO DE 2021.) No caso da desinfecção de água para consumo humano com o uso de ozônio, deve ser observada a concentração e o tempo de contato de 0,34 mg.min/L, para temperatura média mensal da água igual a 15º C (BRASIL, 2021).
O O3 é um gás com alto potencial de oxidação, superior até mesmo ao cloro. Essa característica o torna um agente antimicrobiano muito competitivo, capaz de inativar microrganismos pela reação com ácidos nucleicos e membranas celulares, causando a morte da célula microbiana.
Na área de produtos lácteos o ozônio pode ser aplicado de diferentes formas, como, por exemplo, diretamente no leite fluido, ou por atmosfera modificada como em câmaras de maturação de queijos, visando reduzir a contaminação do ambiente e do alimento por fungos.
Também pode ser usado para descontaminação de embalagens, borbulhamento em salmoura para controle de qualidade no processo de cura de queijos, dentre outras aplicações. Na imagem e no vídeo abaixo é demonstrado a ozonização do leite fluido com borbulhamento do gás direto no produto.
Fonte: autores.
Fonte: autores.
Amostra de leite sendo tratada com ozônio gasoso diretamente no produto. O gás ozônio é produzido em equipamento chamado de ozonizador que forma a molécula do O3 através de descarga elétrica. Todo o processo deve ser feito em cabine com exaustão de gases, já que o ozônio é um gás muito oxidante e pode causar intoxicação quando inalado.
A eficácia de técnicas baseadas no uso de ozônio é relacionada com diversos fatores, tais como o tipo de produto, composição química, microrganismo alvo, nível inicial de contaminação, dentre outras características do alimento a ser tratado.
Definir as condições ideais de tratamento, como, por exemplo, o tempo versus concentração de O3, é muito importante para alcançar uma adequada eficácia do tratamento. Ainda são poucos os estudos com ozônio aplicado em leite e produtos lácteos, mas algumas pesquisas já mostraram resultados promissores.
Couto et al. (2016) constataram que a ozonização de leite com tempo inferior a 10 minutos não possibilita a redução da população de Staphylococcus aureus, necessitando de um tempo maior para uma redução desta bactéria patogênica.
Resultados semelhantes foram encontrados por Munhõs et al. (2019), que observaram uma redução considerável na contagem de Pseudomonas aeruginosa com apenas 15 min de ozonização. Nota-se que, apenas o tempo de exposição maior não garante o sucesso do tratamento, sendo importante sua associação com diferentes concentrações do O3 e, por isso, são importantes os estudos de otimização de processos, avaliando a influência de diferentes fatores a fim de encontrar a melhor condição para uma adequada descontaminação de cada alimento.
Diversos efeitos positivos foram descritos sobre o controle microbiológico com a aplicação da ozonização em leites, como na redução de contagem de microrganismos aeróbios mesófilos, psicrotróficos e fungos filamentosos e leveduras, de diversos gêneros e espécies, tais como Enterobacteriaceae, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus sp., Listeria. monocytogenes (Santos et al., 2016; Couto et al., 2016; Munhõs et al., 2019; Cavalcante et al., 2013; Sheelamary; & Muthukumar, 2011; Khudhir & Mahmood, 2017).
Os efeitos negativos da aplicação do ozônio estão geralmente associados com condições inadequadas do processamento, seja pelo uso de concentrações excessivas de O3 ou pelo tempo de aplicação inadequado.
Como o O3 é muito oxidante as principais alterações que podem ocorrer no produto são as sensoriais, com formação de aromas e sabores desagradáveis, devido principalmente a oxidação dos lipídios presentes do leite e nos derivados.
Neste sentido, estudos adicionais devem ser realizados para que a ozonização do leite e de produtos derivados seja mais popularizada pela indústria, pois são diversas as possibilidades de aplicação, tanto como tratamento único ou em associação com outros tipos de processamento como os térmicos ou outras tecnologias emergentes, o que abre um campo amplo para novas pesquisas.
Pelo fato do ozônio ser gerado através de eletricidade e não gerar resíduos após o seu processamento, transformando-se em oxigênio (O2), essa tecnologia tem sido considerada limpa e sustentável, vindo ao encontro com as demandas atuais da indústria de alimentos, como o uso de recursos mais sustentáveis.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. PORTARIA GM/MS Nº 888, DE 4 DE MAIO DE 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação nº 5/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2021/prt0888_24_05_2021_rep.html
Cavalcante, D. A.; Leite Júnior, B. R. C.; Tribst, A. A. L.; Cristianini, M. Uso de ozônio gasoso na sanitização de câmaras frigoríficas. Revista Instituto Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 69, n. 2, p. 121-128, 2014.
Couto, E. P., Alencar, E. R., Gonçalves, V. S. P. et al. Effect of ozonation on the Staphylococcus aureus innoculated in milk. Semina: Ciências Agrárias, v. 37, n. 4, p. 1911-1917, 2016
Khudhir, Z.; Mahdi, A. M. The Efficacy of Ozonated Water on the Microbial Quality of Locally Produced Soft Cheese in Baghdad. International Journal of Science and Research, v. 6, n. 10, p. 383-387. 2017
Khudhir, Z. S.; Mahmood, M. R. The efficacy of ozone treatment on the microbiological quality of raw milk at different storage temperatures. Journal of Entomology and Zoology Studies, v. 5, n. 5, p. 930-934. 2017.
Lanita, C. S.; Silva, S. B. Uso do ozônio em câmara industrial para controle de bolores e leveduras durante a maturação de queijo tipo parmesão. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v. 11, n. 3, p. 182-189, 2008.
Munhõs, M. C.; Navarro, R. S.; Nunez, S. C. et al. Reduction of Pseudomonas Inoculated into Whole Milk and Skin Milk by Ozonation. In: Costa-Felix, R.; Machado, J. C.; Alvarenga, A. V. (Eds.) XXVI Brazilian Congress on Biomedical Engineering. v. 70/1. 2019
Santos, A. J. P.; Ribeiro, J. L.; Poggiani, S. S. C. et al. Avaliação da utilização de ozônio como método de beneficiamento de leite. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP, v. 14, n. 3, p. 94-94. dez. 2016.
Sheelamary, M.; Muthukumar, M. Effectiveness of Ozone in Inactivating Listeria monocytogenes from Milk Samples. World Journal of Young Researchers, v. 1, n. 3, p. 40-44. 2011
Varga, L.; Szigeti, J. Use of ozone in the dairy industry: A review. International Journal of Dairy Technology, v. 69, n. 2, p. 157-168, 2016.
*Fonte da foto do artigo: Freepik