Autores do artigo:
Eloize Jaqueline Askel
Médica Veterinária, Mestranda em Zootecnia (UFPR)
Guilherme Fernando Mattos Leão
Médico Veterinário, M.Sc., Doutorando em Zootecnia (UFPR)
Milaine Poczynek
Médica Veterinária, Mestranda em Ciência Animal e Pastagens (ESALQ/USP)
Rodrigo de Almeida
Médico Veterinário, Dr., Professor do Departamento de Zootecnia (UFPR)
A estratégia consagrada para diminuir a ocorrência de hipocalcemia clínica (febre do leite) e subclínica em rebanhos leiteiros é o uso de dietas aniônicas no pré-parto que utilizam mais ânions (íons com carga negativa, como Cl e S) que cátions (íons com carga positiva, como Na e K), levando a uma diferença catiônica-aniônica da dieta (DCAD) negativa. Tal estratégia é alcançada geralmente pela inclusão de sal mineral rico em cloretos e sulfatos, e evitar o fornecimento de forragens de alta qualidade que possuem elevada concentração de potássio (íon de carga positiva).
A dieta aniônica previne mudanças muito bruscas na concentração de cálcio ao redor do parto, através de mecanismos de adaptação do próprio organismo como a diminuição da excreção de cálcio, aumento da absorção intestinal e reabsorção óssea. Consequentemente, quando houver demanda extra de cálcio para o parto e principalmente para a síntese do colostro, cujo aporte demanda cerca de 2,3 g de Ca por kg de colostro produzido, haverá mais cálcio disponível na corrente sanguínea.
Tendo em vista a eficiência da dieta aniônica, podemos então aumentar a inclusão do sal aniônico, melhorando ainda mais o seu efeito? Ou ainda, aumentar o período de fornecimento otimizando o manejo e reduzindo desordens sociais no rebanho, com suplementação precoce antes dos 21 dias previstos para o parto?
Pesquisas recentes mostram que essas estratégias podem não ser interessantes. Primeiramente pelo aspecto econômico, pois maior período de suplementação, ou maior dose de fornecimento, refletem em maior custo da dieta. Para calcular o custo da inclusão de um sal aniônico na dieta de vacas secas nas últimas 3 semanas que antecedem o parto, assumindo uma suplementação de 300 g/vaca/dia e a cotação de um bom sal aniônico no mercado brasileiro a R$7,90/kg, estimamos em R$2,37/vaca/dia o custo desta suplementação.
Além do aspecto econômico, outras potenciais desvantagens da suplementação excessiva com aniônicos foram ainda apontados por pesquisadores da Universidade da Flórida numa recente publicação no Journal of Dairy Science (Lopera et al., 2018), que descrevemos a seguir.
O experimento foi realizado avaliando 114 vacas Holandesas com no mínimo uma lactação completa, secas e prenhes de 230 ± 3 dias de gestação. Foram testados a suplementação com dois níveis de DCAD negativo (-70 ou -180 mEq/kg de matéria seca) e duas durações no fornecimento (42 ou 21 dias antes da data prevista do parto). Alguns resultados obtidos pelos pesquisadores estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1. Resultados médios de dois níveis de DCAD suplementados no pré-parto obtidos por Lopera et al. (2018).
Além disso, parâmetros sanguíneos foram avaliados e revelaram acidose metabólica compensada para as vacas que estavam sob dieta de DCAD negativo (o que é esperado como efeito da dieta aniônica, e é garantia de que ela está fazendo efeito). Este efeito pode ser avaliado pelo pH urinário, que é sensível a intensidade da DCAD (quanto mais negativo, mais acidificada será a urina), o que o torna ferramenta efetiva a nível de campo para avaliar se a DCAD está adequada e se as vacas estão consumindo a dieta. Ambos os grupos de vacas que iniciaram a ingestão da suplementação aniônica com dietas de -70 ou -180 mEq/kg de MS tiveram queda no pH urinário em 24 horas e mantiveram esse status durante o período de fornecimento da dieta aniônica, mostrando a efetividade das duas dietas.
Outro ponto a ser ressaltado é que o nível de DCAD influencia na ingestão de matéria seca (IMS), e os resultados mostraram que a IMS é tão menor quanto mais agressivo for a DCAD da dieta. A desejável acidose metabólica, caracterizada pela redução do pH, pressão de CO2 e de nível de bicarbonato sanguíneo, ocorreu em ambos os tratamentos. Entretanto, no tratamento -180 meq/kg de MS, houve intensificação da acidose metabólica. Para os autores, este foi o principal motivo para a redução da IMS, pois a acidose metabólica em demasia, pode gerar desconforto no animal.
Outro estudo (Zimpel et al., 2018), mensurou esse desconforto sobre a saciedade, capaz de aumentar o intervalo entre as refeições, reduzindo a IMS, mesmo sem alteração no tamanho das refeições. Ademais, os animais do tratamento -180 meq/kg de MS produziram menor volume de colostro e secretaram menos cálcio e magnésio, o que pode ser reflexo da menor IMS. Os parâmetros Ca iônico e total, além de produção e prenhez não foram influenciados pelos níveis de DCAD.
Outro efeito avaliado foi o período de fornecimento testado (21 ou 42 dias), e este não interferiu no consumo, balanço ácido básico do organismo e no pH da urina, não mostrando benefícios extras (Tabela 2).
Tabela 2. Resultados médios de duas durações de suplementação aniônica no pré-parto obtidos por Lopera et al. (2018).
Vacas suplementadas somente nos últimos 21 dias antes do parto produziram mais leite e tiveram maior sucesso reprodutivo em relação aquelas suplementadas por 42 dias. A menor produção ocorrida no tratamento com 42 dias pode estar relacionada a antecipação média do parto em dois dias, e que pode ter comprometido a diferenciação de células epiteliais da glândula mamária em células secretórias, resultando em menor produção de leite. Além disto, outra hipótese seria o comprometimento da sinalização hormonal tanto da prolactina como do eixo somatotrópico (GH e IGF-I), os quais podem ser influenciados pela longa exposição da dieta que estimula acidose metabólica.
Sabemos que a ocorrência de hipocalcemia no pós-parto imediato pode desencadear uma cascata de eventos, e a melhor prevenção são as dietas aniônicas, que são comprovadamente eficientes. Porém os resultados aqui mostrados evidenciaram que um maior período de suplementação, ou um DCAD mais agressivo, não influenciaram na ocorrência de hipocalcemia clínica e subclínica (não alterando o nível de cálcio plasmático e iônico) e de outras enfermidades pós-parto (retenção de placenta, metrite, mastite e deslocamento de abomaso).
Logo, podemos concluir que não precisamos inovar na suplementação de dietas aniônicas para vacas no pré-parto, forçando um período mais longo de fornecimento ou com DCAD mais agressivo, pois isto não resultou em benefícios, e inclusive pode acarretar prejuízos, com aumento nos custos de suplementação, além de outros prejuízos para a vaca recém-parida. Ou seja, nesse caso o mais simples é o melhor, mais eficiente e econômico!
Referências bibliográficas
Lopera, C., R. Zimpel, A. Vieira-Neto, F. R. Lopes, W. Ortiz, M. Poindexter, B. N. Faria, M. L. Gambarini, E. Block, C. D. Nelson, J. E. P. Santos. 2018. Effects of level of dietary cation-anion difference and duration of prepartum feeding on performance and metabolism of dairy cows. J. Dairy Sci. 101:7907-7929.
Zimpel, R., M. B. Poindexter, A. Vieira-Neto, E. Block, C. D. Nelson, C. R. Staples, W. W. Thatcher, J. E. P. Santos. 2018. Effect of dietary cation-anion difference on acid-base status and dry matter intake in dry pregnant cows. J. Dairy Sci. 101:8461-8475.