Porém, mesmo com os preços em patamares interessantes, a vida do produtor de leite não anda nada fácil, principalmente por culpa dos custos estratosféricos dos principais alimentos utilizados para formular os concentrados fornecidos às vacas. No estado de São Paulo registramos os seguintes preços para alguns alimentos no mês de julho (custo por tonelada): Milho: R$ 450,00; Farelo de Soja: R$ 900,00; Farelo de Algodão: R$ 770,00; Polpa Cítrica: R$ 430,00; Caroço de Algodão: R$ 720,00; Mistura Mineral: R$ 1.700,00. Como lidar com essa situação?
Em qualquer condição de mercado, o fator de maior impacto no custo de produção em sistemas intensivos de produção de leite é a alimentação, que representa de 40 a 60% do custo total e via de regra determina o sucesso ou fracasso da atividade. Em qualquer sistema de alimentação, seja confinamento ou suplementação em pastagens, a dieta se baseia em ingredientes volumosos (silagem, feno, pasto) e concentrados (milho, farelo de soja, etc), sendo estes últimos os responsáveis pela maior porção do custo das rações.
Dessa forma, algumas estratégias podem ser adotadas visando reduzir o custo de alimentação em um sistema de produção de leite, tais como: redução do custo do concentrado, com a utilização de ingredientes alternativos aos grãos tradicionais, historicamente mais baratos; melhoria da qualidade dos ingredientes volumosos e, conseqüentemente, necessidade de menor quantidade de concentrado para atender a exigência nutricional dos animais; aumento na eficiência de utilização dos alimentos, minimizando perdas. Nesse ano estamos vendo ingredientes considerados alternativos serem comercializados a preços muito próximos dos pagos por alimentos tradicionais, especialmente as fontes energéticas, o que restringe ainda mais as opções do produtor.
Seguramente uma estratégia que não tem contra-indicações é melhorar a qualidade da forragem. Isso normalmente não implica em necessidade de desembolso de capital e, via de regra, produz resultados muito compensadores. Vamos analisar a simulação a seguir, na qual se comparam os custos de alimentação e o retorno sobre esses custos quando se utiliza forragens de qualidades diferentes. Consideramos o custo dos alimentos concentrados descritos acima.
Tabela 1. Receita menos o custo de alimentação (RMCA) para rebanho com 50 vacas em lactação, produzindo em média 20kg leite/vaca/dia, considerando pastagens de qualidade diferentes.
1 Pasto 1 = 64% NDT, 55% FDN, 14% PB; Pasto 2 = 60% NDT, 62% FDN, 10% PB.
Nota-se que com o pasto de melhor qualidade economiza-se 1,2 kg de concentrado por vaca/dia. Isso é possível, pois essa forragem pode ser consumida em maior quantidade, principalmente em função de seu menor teor de FDN, o que provoca menor efeito de enchimento nos animais. Além disso, o concentrado utilizado com o pasto de melhor qualidade tem menor custo, devido ao teor de PB de 18%, contra 25% do concentrado formulado para o pasto de valor nutritivo mais baixo.
Sendo assim, como mostra a última linha da Tabela 1, é possível obter uma economia de mais de R$ 18.500,00 ao ano para esse rebanho, por meio da melhoria da qualidade do pasto. Vale ressaltar que são níveis passíveis de serem atingidos apenas com alterações de manejo da pastagem.
O pasto de pior qualidade, além de exigir um concentrado com maior teor de PB, impõe a necessidade da utilização de farelo de soja para suprir as exigências dos microrganismos ruminais por proteína degradável no rumem (PDR), o que, considerando-se o preço desse insumo, contribui decisivamente para o aumento no custo de alimentação.
Outra possibilidade que sempre é destacada é a substituição de ingredientes tradicionais como o milho e o farelo de soja por outros considerados alternativos, como o farelo de glúten de milho, farelo de trigo, etc. Infelizmente, especialmente neste ano, o preço desses ingredientes alternativos está nas alturas, de forma que a decisão pelo seu uso deve ser muito bem ponderada. Na verdade é difícil para o produtor de leite decidir sobre o uso de um desses alimentos baseando-se apenas no seu custo.
Uma forma de ter mais subsídios para a tomada de decisão é avaliar o custo do kg de proteína ou de energia (NDT). Por exemplo: o milho tem 82% NDT e 9% PB e a polpa cítrica tem 77% NDT e 7% PB. Se o milho custar R$ 450/ton, o custo do kg de NDT do cereal será de R$ 0,55 e kg de PB será de R$ 5,00. Se a polpa custar R$ 420/ton, o custo do seu NDT também será de R$ 0,55 e o de PB será de R$ 6,00. Considerando que ambos são fontes energéticas, apresentam o mesmo custo por kg de NDT. Com essa informação o produtor pode decidir com mais segurança pela substituição de ingredientes.
Independente dos custos dos alimentos, e especialmente nos dias atuais, é fundamental utilizar os alimentos com eficiência. Há alguns anos publiquei uma série de artigos no Radar de Nutrição do MilkPoint chamada "Como Alimentar as Vacas Quando o Preço do Leite Cai", que tratava exatamente disso. Como melhorar a eficiência de utilização dos alimentos numa época em que as margens são muito estreitas. Aproveito para relembrar alguns dos conceitos discutidos na época, que são sempre pertinentes:
Maximize a quantidade de nutrientes destinada às funções produtivas - no nosso caso, a produção de leite. Esteja certo que as dietas das vacas em lactação estejam bem balanceadas, e que elas estejam em boas condições para produzir leite com eficiência; não mantenha no rebanho número excessivo de novilhas e vacas secas.
Agrupe corretamente as vacas - os lotes de alimentação devem ser compostos por animais com estados fisiológicos e exigências semelhantes, e com espaço suficente em cocho e boa disponibilidade de alimentos.
Garanta conforto para os animais - as vacas gostam de sombra e água fresca; sempre considerem os aspectos ambientais com cuidado.
Cuide do manejo sanitário do rebanho - ausência de doenças, bons cascos e baixos índices de mastite são fundamentais para manter o sistema operando com eficiência.
Maximize o uso de fontes de concentrado alternativas - o uso de subprodutos da agroindústira, tais como a polpa cítrica, farelo de trigo, casca de soja, farelo de algodão, farelo de glúten de milho, dentre outros, pode representar uma economia brutal de custos, sem perder qualidade nutricional, desde que o preço desses alimentos esteja competitivo.
Como já enfatizado anteriormente, o custo da alimentação é o fator de maior peso numa planilha de custos de qualquer fazenda leiteira, de forma que todo produtor deve dar atenção total ao retorno sobre o custo de alimentação (RCA). Como eu disse na série de artigos de 2004, quando planejamos a alimentação de um rebanho, sempre buscamos no mínimo uma situação de equilíbrio financeiro, ou seja, pelo menos atingir o "break-even", ponto no qual cada real gasto com a alimentação nos dá um real de retorno em leite.
Trocando em miúdos, na pior das hipóteses a operação tem que se pagar. Mas isso não é muito pouco? Eu acho que é. Um produtor de leite tem um considerável capital imobilizado no seu negócio (terra, animais, instalações, máquinas, etc.) e tem obrigação de buscar mais do que simplesmente o "break-even".
Outro ponto que demanda muita atenção do produtor, mas que comumente é neglicenciado, é a perda de alimentos na fazenda. E as fontes de perda são várias, desde o transporte, armazenamento até o fornecimento. Rebanhos grandes conseguem imprimir um ritmo de uso de alimentos mais intenso, o que minimiza as perdas. Em rebanhos pequenos as perdas de alimentos podem ser muito maiores, principalmente se o ritmo de uso for muito lento. Quanto mais tempo o alimento fica estocado na fazenda, maior a chance de perdas, e o custo dessas perdas deve ser considerado, pois a quantidade comprada de alimentos invariavelmente é maior do que a fornecida.
Além das perdas diretas, o produtor também deve considerar a possibilidade de deterioração de alimentos, com redução de qualidade, o que muitas vezes nem é percebido. Isso pode resultar em redução no desempenho dos animais, além de poder causar doenças e intoxicações. Dessa forma, o controle de perdas quantitativas e qualitativas de alimentos é um ponto de grande impacto no RAC, em qualquer situação de preço do leite, que torna-se extremamente crítico quando o preço dos alimentos está tão elevado como atualmente.
Juntando todos os aspectos abordados neste artigo, ficamos com um conceito básico. É fundamental ser eficiente. Não há outra forma de compensar os elevados custos dos insumos. Não tenho dúvidas de que o investimento de tempo e trabalho na produção de forragens de melhor qualidade é um ponto crucial para se melhorar a eficiência alimentar dos rebanhos. A redução de perdas também é muito importante. Se o produtor conseguir melhorar a eficiência de uso dos alimentos certamente vai ter um horizonte melhor pela frente.