José Roberto Peres
Já foi apresentado nesta seção um trabalho que simulava o potencial de produção de leite exclusivamente em pastagens tropicais. Nessa situação, o baixo teor de proteína da forragem, aliado ao seu alto teor em fibras parecem ser os principais fatores limitantes à obtenção de produções superiores a 10-12 kg de leite por vaca ao dia.
Um outro estudo bastante interessante foi realizado nos EUA, comparando o desempenho de um grupo de vacas de alta produção, em regime exclusivamente a pasto e outro recebendo uma dieta completa em confinamento. O experimento teve duração de um mês.
O pasto era principalmente de azevém (53%); trevo branco (19%) e outras gramíneas (21%). As pastagens foram divididas em piquetes de 0,2 ha pastejados por 2 dias.
A ração completa foi feita a partir de 24% de silagem de milho (com 1% de uréia); 19% de silagem e 4% de feno de leguminosas; 25% de milho úmido; 12,5% de farelo de soja, além de outras fontes de proteína "by-pass", minerais, tamponantes e vitaminas. A composição básica da pastagem e da ração completa podem ser vistas na tabela 1. A ração completa foi formulada de acordo com o NRC para vacas produzindo mais de 40 kg de leite em início de lactação.
Embora a condição, especialmente da pastagem, esteja em grande parte fora de nossa realidade (compare com a composição das pastagens tropicais no artigo anteriormente mencionado), o experimento apresentou resultados bastante interessantes que podem ser extrapolados para as nossas condições e serão relatados a seguir.
Tabela 1: Composição química da pastagem e da ração completa
As vacas consumindo exclusivamente pasto tiveram uma ingestão de matéria seca (MS) e energia líquida (ELl) 19% inferior àquelas confinadas, embora as ingestões de proteína bruta (PB) e fibra detergente neutro (FDN) (em kg por dia) não tenham sido diferentes entre os sistemas (Tabela 2). Observe que a ingestão de 19 kg de matéria seca de pasto eqüivalem a cerca de 112 kg de forragem por vaca ao dia!. Isto só pode ser obtido com forragem da mais alta qualidade e digestibilidade.
Tabela 2: Ingestão de nutrientes de vacas consumindo pasto ou ração completa
As vacas à pasto produziram 33% menos leite (com mais gordura e menos proteína) que aquelas consumindo ração completa. A produção média das vacas a pasto foi de 29,6 kg/dia; a das vacas na ração completa foi de 44,1 kg. As vacas a pasto perderam mais condição corporal, o que indica maior deficiência energética.
A principal conclusão deste experimento é que a ingestão de nutrientes parece ser o principal fator limitante à produção de leite em pastagens de alta qualidade. As razões dessa menor ingestão ainda não são completamente entendidas. As duas "dietas" tinham o mesmo teor de energia, mas a pastagem possuía maior teor de FDN. A FDN normalmente é tida como fator limitante à ingestão, porém, os autores do trabalho argumentam que a alta digestibilidade aparente da FDN do pasto obtida neste teste (74,8%) sugere que a fibra deste pasto imaturo deve ter exercido pouco efeito no enchimento do rúmen e portanto, no consumo de matéria seca.
A disponibilidade média de forragem antes e depois do pastejo foi respectivamente de 3081 ( 438 kg e 1597 ( 189 kg de matéria seca/ha, não sendo portanto limitante. Neste estudo, a habilidade das vacas em regime de pasto para igualar o consumo das confinadas parece ter sido limitada por um ou todos os seguintes fatores: quantidade de matéria seca por bocado, freqüência de bocados e tempo de pastejo. Admitindo que o tempo de pastejo e a freqüência de bocados são mais ou menos constantes, seria necessário um pasto de maior densidade para que as vacas conseguissem maior nível de ingestão. No que se refere a esta característica, as pastagens tropicais são ainda piores (menos densas), o que pode ser considerado um fator mais limitante nas nossas condições.
A partir dos dados obtidos, e utilizando o sistema de balanceamento de dietas da Universidade de Cornell (CNCPS), os autores realizaram uma simulação, na tentativa de explicar as razões da diferença de desempenho entre os dois grupos. Pelo sistema, nas condições apresentadas, as vacas confinadas teriam energia metabolizável suficiente para produzir 43 kg de leite, enquanto aquelas a pasto só poderiam produzir 27,6 kg de leite/dia, valores estes muito próximos aos obtidos na realidade. Isto resultaria numa diferença de 15,4 kg de leite entre os dois sistemas (Tabela 3). A ingestão de proteína só passaria a ser limitante nas condições de pastejo a partir de 35,4 kg de leite.
Tabela 3: Produção prevista em função da energia
metabolizável disponível para produção de leite
Esta deficiência energética responsável pela redução de 15,4 kg de leite foi então calculada e explicada quase em sua totalidade pelos autores: cerca de 61%, ou o equivalente a 9,4 kg de leite poderiam ser creditados à menor ingestão de matéria seca; em outras palavras, se as vacas a pasto tivessem consumido a mesma quantidade de matéria seca das confinadas teriam produzido 9,4 kg a mais de leite. Outros 24% ou 3,7 kg de leite, foram gastos em energia para locomoção dentro do pasto e entre os piquetes e a sala de ordenha; 11,7% ou o equivalente a 1,8 kg de leite foram utilizados pela vaca para excretar o excesso de proteína da dieta (na forma de uréia). O maior teor de gordura do leite produzido a pasto consumiu mais 7,1% da energia disponível, o que eqüivaleria a 1,1 kg de leite; por fim, a perda de peso dos animais no período responde por um adicional de 4,5% da energia (representado na tabela por um valor negativo), que seria suficiente para a produção de mais 0,7 kg de leite. Com isto os autores explicaram 99% da diferença de produção entre os dois sistemas, nas condições testadas.
Comentário MilkPoint: Se tentássemos fazer um paralelo destes resultados para as nossas condições poderíamos dizer que a ingestão de matéria seca (e consequentemente de energia metabolizável) ainda seria fator seriamente limitante e que no caso de forragens tropicais o teor e a digestibilidade da FDN contribuiriam para esta limitação. O teor de proteína das forragens também seria inferior e limitante e portanto talvez não tivéssemos as perdas por excreção de uréia mas certamente o custo de locomoção sob o stress das altas temperaturas tropicais seria maior. É por estes e outros motivos que por exemplo, nosso vizinhos argentinos, que dispõe de forragens de clima temperado, conseguem obter maiores níveis de produção (por vaca) a pasto que os obtidos por aqui. Sendo assim, reforça-se a idéia de que as pastagens tropicais devem ser exploradas por unidade de área, e não por animal.
fonte: KOLVER, E.S. e MULLER, L.D., 1988. Performance and Nutrient Intake of High Producing Holstein Cows Consuming Pasture or a Total Mixed Ration. J. D. Sci. 81(5): 1403-1311.