Esse técnico me disse que não conseguia formular concentrados para vacas a pasto produzindo acima dos 30 kg/dia com menos de 20-22% de PB, e eu disse que é perfeitamente possível fechar a formulação com menos que isso, e que eu tinha certeza de que a fórmula dele não estava adequada. Ele não ficou muito satisfeito, mas me deixou mostrar os argumentos.
Antes dos finalmente, é preciso fazer algumas considerações sobre as frações protéicas, e como isso afeta a formulação das rações. Proteínas nada mais são do que cadeias de aminoácidos (AA), que são os nutrientes efetivamente exigidos pelas vacas. A degradação de proteínas no sistema digestivo resulta no aparecimento de um "pool" de AA no intestino delgado (ID), onde podem ser absorvidos. Esse "pool" de AA, disponíveis para absorção no ID é chamado de proteína metabolizável (PM).
A proteína bruta contida nos alimentos dos ruminantes é composta por uma fração degradável no rúmen (PDR) e uma fração não degradável no rúmen (PNDR). A degradação das proteínas no rúmen ocorre através da ação de enzimas secretadas pelos microrganismos ruminais. Esses microrganismos degradam a fração PDR e utilizam o nitrogênio dessa fração para a síntese de proteína microbiana (PMic), que se constitui no principal componente da PM, tanto em quantidade como em qualidade, pois a PMic tem um excelente perfil de AA.
As proteínas dos alimentos variam quanto às proporções de PDR e PNDR. Por exemplo, a proteína do FS tem muito mais PDR do que a proteína do farelo de algodão (FA). Quando formulamos dietas para vacas leiteiras devemos levar isso em conta, e não apenas o teor de PB. Para atender as exigências protéicas de uma vaca leiteira, temos que formular uma dieta que forneça toda a PM que a vaca precisa. E como fazer isso?
A PM é composta pela PMic, PNDR e uma pequena porção de proteína endógena. Para maximizar a síntese de PMic temos que fornecer quantidades adequadas de PDR e energia para que os microrganismos do rúmen possam trabalhar com eficiência. Quando a síntese de PMic é maximizada, não adianta fornecer mais PDR, pois não haverá síntese de PMic adicional com isso. Nessa situação é preciso fornecer PNDR para "fechar" o balanceamento de PM. Qualquer PDR fornecida a mais nesse caso, será quase que integralmente perdida. Com isso a ração final terá um teor de PB excessivo, resultado do excesso de PDR. Para entender melhor essa questão, vamos analisar uma situação prática.
Recentemente formulei uma dieta para um produtor que tem vacas de alta produção a pasto, sendo que o lote de maior produção tem média de 30 kg/dia. O pasto dele é muito bom, então considerei uma forragem de alta qualidade. Nessa formulação eu utilizei alguns subprodutos que ele tem disponíveis, como caroço de algodão e polpa cítrica. As fontes de proteína no concentrado foram FA e FS.
Em seguida fiz uma simulação de como ficaria o concentrado se eu não utilizasse o FA, só FS. Nessa situação, estaria fornecendo quantidade mais elevada de PDR, pois a proteína do FS é bem mais degradável que a do FA. Essas dietas estão na tabela abaixo.
Notem que ao retirar o FA, temos que usar mais FS para fechar o balanço de PM. Como este tem teor de PDR superior ao do FA, no final sobra mais PDR para poder fechar o balanço de PM. Isso acontece pela razão exposta no início deste artigo. Quando a síntese de PMic já está maximizada, não adianta dar mais PDR, pois essa fração não será utilizada pelos microrganismos do rúmen. Nesse caso, temos que entrar com uma fonte com maior teor de PNDR, como o FA.
O resultado é que a ração só com FS tem teor mais alto de PB e maior sobra de PDR que a ração com FA. E ambas atendem igualmente às exigências de PM, que é o que efetivamente importa para a vaca. A ração com FA fica mais barata (R$ 0,04/vaca/dia), e melhor balanceada. Essa PDR adicional deverá ser eliminada pelo organismo do animal, num processo que consome energia para eliminar o nitrogênio na forma de uréia. Com isso, possivelmente o teor de N-uréico do leite dessas vacas seja mais elevado, o que é uma coisa indesejável.
Trocando em miúdos, nem sempre é preciso trabalhar com teores elevados de PB na ração de vacas de alta produção. No caso ilustrado aqui economizou-se mais de 1 ponto percentual em PB na MS do concentrado, e a dieta das vacas ficou melhor balanceada.