O leite é um dos produtos mais importantes para o agronegócio, além de ser um alimento considerado completo, sendo recomendado na dieta de diferentes faixas etárias devido ao seu aporte nutricional, principalmente em relação à oferta e biodisponibilidade de cálcio, proteínas, vitaminas e minerais.
No entanto, atualmente se observa um crescente aumento na parcela da população que se sente sensibilizada ao consumir o leite comum do tipo A1, bem como seus derivados. Como uma alternativa para contornar esse problema, a produção de leite do tipo A2, considerado um produto de melhor digestão, tem sido um nicho que tem apresentado cada vez mais destaque no mercado internacional e nacional.
O leite mais consumido no Brasil e no mundo é o leite de vaca, e em sua composição total média possui cerca de 3,8% de proteínas, valor que pode variar de acordo com alguns fatores, como a raça do animal, alimentação, idade entre outros.
Essas proteínas são divididas basicamente em proteínas do soro, que correspondem a 20%, e caseínas que correspondem a 80% das proteínas totais, e consistem de quatro proteínas principais, sendo elas αs1-caseína, αs2-caseína, β-caseína e κ-caseína.
De acordo com a genética do animal, vacas com genótipo A1A1 possuem a variante β-caseína A1 que dá origem ao leite tipo A1 e vacas com genótipo A2A2 possuem a variante β-caseína A2 que dá origem ao leite do tipo A2.
A β-caseína possui um total de 209 aminoácidos e o que difere os dois tipos variantes A1 e A2 é a substituição de um aminoácido específico na posição 67. Enquanto a β-caseína A1 apresenta a molécula de histidina ligada a essa posição, a β-caseína A2 apresenta a ligação com a molécula de prolina. A grande implicação no consumo do leite tipo A1 está relacionada à digestão enzimática da proteína.
Os peptídeos normalmente manifestam atividades antimicrobianas, anti-hipertensivas, antitrombóticas, imunomoduladoras e de ligação mineral, entretanto, com a troca do nucleotídeo na C2N2 A1, ocorre uma alteração na estrutura, nas propriedades físicas da caseína e a vulnerabilidade à digestão enzimática.
A histidina favorece a liberação do peptídeo bioativo β-casomorfina-7 ou BCM-7, onde estudos apontam ser capaz de sensibilizar a região gastrointestinal e causar desconfortos como a redução da frequência e amplitude das contrações gastrointestinais e o aumento da secreção de muco, além de outros sintomas que podem variar entre indivíduos, e que não são observados no consumo de leite do tipo A2.
Estima-se que há cerca de dez mil anos, as vacas produziam somente leite do tipo A2, mas durante a época de domesticação do gado na Europa, ocorreu uma mutação genética transversa que levou ao surgimento do gene para produção de leite A1.
Na tentativa de aumentar a produção leiteira, através da reprodução dirigida, o gado com esse tipo de genótipo se espalhou pelo mundo durante a colonização do homem. Até o momento, essa mutação genética só foi observada exclusivamente em rebanho bovino, enquanto o leite de cabra, ovelha e búfala são considerados como A2. É importante mencionar também que a porcentagem das variantes A1 e A2 são diferentes de acordo com a espécie bovina.
Para a produção de leite do tipo A2, faz-se necessário que a fazenda produtora invista no melhoramento genético dos bovinos. Inicialmente, deve-se fazer um mapeamento genético através de coleta de material do tecido biológico das vacas, que pode ser uma amostra de sangue ou de pelo, que em seguida é enviado para o laboratório especializado, para identificar se o animal é homozigoto para a produção do leite A2.
Caso confirmado, elas serão separadas das que foram identificadas com tipo A1A1 e A1A2 e selecionadas para serem inseminadas artificialmente com sêmen de touros também de genótipo A2A2, dando origem assim a um rebanho exclusivamente A2A2.
A taxa com a qual o rebanho será totalmente convertido dependerá de fatores como investimento da genotipagem, a taxa de descarte dos animais com outros genótipos e da retenção dos bezerros.
No Brasil, o leite do tipo A2 ainda não é regulamentado pela legislação, mas pode receber uma certificação nacional especial que atesta que o produto é de qualidade e puramente de vacas com genótipo A2A2.
Essa certificação foi criada pelo movimento #BEBAMAISLEITE, que é formado por mães e médicas veterinárias que têm como objetivo difundir conhecimento e dados técnicos a respeito do leite para população, em parceria com a instituição Genesis Group, uma empresa certificadora credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para atuar na área do Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (SISBOV). O selo representa a possibilidade de o produtor agregar valor à matéria-prima e se destacar no mercado.
Para conseguir a certificação é necessário que o produtor rural ou a indústria cumpra alguns pré-requisitos que foram estipulados através de pesquisas desenvolvidas em universidades e instituições brasileiras.
O programa utiliza a certificação de terceira parte, que se trata de uma auditoria fiscal realizada pela Genesis Group, para verificar se os pré-requisitos foram estabelecidos, documentados e se estão sendo mantidos de acordo com as normas impostas, garantindo assim maior transparência e confiabilidade.
Cabe ressaltar que esse programa de certificação não é obrigatório, ficando a critério da organização, a aderência ou não da implementação dos requisitos para obtenção do selo que poderá ser utilizado no rótulo do produto.
O leite A2A2 surge como alternativa para população, pois é capaz de reduzir o colesterol no soro, diminuir a concentração de lipídeos de baixa densidade, prevenir doenças vasculares, além de aumentar o teor de proteína e o rendimento do leite produzido, em comparação com o leite provindo de vacas com alelo A1.
Entre outras vantagens, também apresenta maior digestibilidade devido à ausência de componentes relacionados ao desenvolvimento de alergias e outras doenças, possibilitando que pessoas que sentiam desconfortos, retornem a tomar leite.
Este produto representa uma grande oportunidade de comercialização nacional e internacional, constituindo um nicho de mercado com alta margem de lucro, visto que os consumidores tendem a pagar mais por produtos diferenciados.
Um exemplo a ser citado é a venda do leite zero lactose que pode custar 42% a mais que o leite convencional. No Brasil, apesar de já existirem laticínios que estão produzindo o leite A2 e o comercializando em baixa escala diretamente aos mercados regionais, é possível prever o grande potencial de crescimento nesse nicho.
No mercado internacional, a Nova Zelândia e a Austrália são grandes exportadoras de leite A2A2. Na Oceania, este produto é encontrado usualmente nas prateleiras dos estabelecimentos, similar aos Estados Unidos e Inglaterra (um dos principais importadores). Nos Estados Unidos, este mercado apresenta boa visibilidade, e já movimenta mais de 2 bilhões de dólares por ano, inclusive assumindo um papel de exportador no segmento.
Neste contexto, observa-se uma enorme margem de crescimento do setor no mercado nacional, que pode ser oportunamente explorado através do desenvolvimento de produtos lácteos A2A2, como doces de leite, manteigas, queijos e iogurtes, proporcionam mais benefícios à saúde do consumidor, além de agregar valor aos derivados lácteos possibilitando um aumento significativo nos rendimentos de pequenos produtores e laticínios.
Autores
Maiara J. de Lima, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);
Jade G. Martins, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);
Camila B. F. da Silva, Departamento de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ);
Bruna B. Durço, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense (UFF);
Mônica M. Pagani, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);
Adriano G. Cruz, Departamento de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ);
Erick A. Esmerino, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Departamento de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e Departamento de Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense (UFF).
Referências
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