O soro de queijo é o coproduto mais expressivo da indústria de laticínios, pois se estima que no mundo sejam produzidos 185 milhões de toneladas deste material todos os anos (AHMAD et al., 2019; KASMI, 2018).
Para 2023, é estimada uma produção anual de 230 milhões de toneladas (RAMA et al., 2019). O soro de queijo é composto por água, proteínas, lactose e sais minerais (GUIMARÃES; TEIXEIRA; DOMINGUES, 2010). Em virtude desta composição, o descarte indevido do soro pode causar problemas ambientais (CARVALHO; PRAZERES; RIVAS, 2013). Para agregar valor a este coproduto, os laticínios já utilizam o soro de queijo para fabricar produtos, como fórmulas infantis, ricota e bebida láctea (SMITHERS, 2015).
O principal potencial industrial do soro de queijo consiste nas suas proteínas. Elas se destacam, quando comparadas às proteínas de outras fontes alimentares, devido as suas características nutricionais. Embora já se conheça os benefícios do consumo de proteínas lácteas, sabe-se que muitas propriedades biológicas promissoras permanecem “escondidas” na proteína, sendo liberadas quando a proteína é fragmentada, produzindo peptídeos (fragmentos proteicos).
Estes fragmentos proteicos são classificados como peptídeos bioativos, quando apresentam efeitos benéficos à saúde (FITZGERALD et al., 2020). A fragmentação das proteínas pode ocorrer no organismo humano, pela ação das enzimas digestivas.
No entanto, a digestão natural das proteínas do soro de queijo não é suficiente para gerar os benefícios dos peptídeos bioativos. Assim sendo, eles devem ser obtidos industrialmente pela hidrólise enzimática do soro de queijo empregando diferentes enzimas comerciais (DULLIUS; GOETTERT; DE SOUZA, 2018).
As proteínas lácteas, entre todas as proteínas alimentares, são reportadas como as mais importantes fontes de peptídeos bioativos, sendo que estes possuem uma grande variedade de atividades biológicas importantes ao organismo (MANN et al., 2019).
Entre elas, a atividade anti-hipertensiva é uma das mais estudadas, e está especialmente relacionada à inibição da atividade da enzima conversora da angiotensina-I em angiotensina-II (NONGONIERMA; O’KEEFFE; FITZGERALD, 2016).
Além disso, no sistema imune, são reportadas atividades antimicrobiana, imunomodulatória e citomodulatória; no sistema cardiovascular, verificam-se peptídeos com funções antioxidantes, antitrombótica e hipocolesterolêmica; no sistema nervoso, são citadas atividades agonistas e antagonistas à opioides; e, por fim, no sistema gastrointestinal, os peptídeos do soro de queijo demonstraram capacidade de ligar-se à minerais, reduzir o apetite e controlar inflamações ulcerativas (BRANDELLI; DAROIT; CORRÊA, 2015; DULLIUS; GOETTERT; DE SOUZA, 2018; GUPTA et al., 2012; KELLY, 2019; MANN et al., 2019; NONGONIERMA; O’KEEFFE; FITZGERALD, 2016).
Nesse contexto, nosso grupo de pesquisa “Biotecnologia e a Cadeia Produtiva do Leite”, vinculado a Universidade do Vale do Taquari – Univates, desenvolve projetos voltados ao aproveitamento e à agregação de valor ao soro de queijo.
Nos últimos anos, vêm sendo realizados trabalhos visando à produção de peptídeos bioativos a partir do soro que possuam diferentes atividades biológicas, sejam elas relevantes para consumo humano ou para aplicações tecnológicas e industriais.
Leia também:
- Por que o soro de queijo vale ouro?
- Peptídeos bioativos do soro de queijo: benefícios para a saúde
- Proteínas lácteas: grandes veículos para compostos bioativos
Referências
AHMAD, Talha et al. Treatment and utilization of dairy industrial waste: A review. Trends in Food Science and Technology, v. 88, p. 361–372, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.tifs.2019.04.003.
BRANDELLI, Adriano; DAROIT, Daniel Joner; CORRÊA, Ana Paula Folmer. Whey as a source of peptides with remarkable biological activities. Food Research International, v. 73, p. 149–161, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.foodres.2015.01.016.
CARVALHO, Fátima; PRAZERES, Ana R.; RIVAS, Javier. Cheese whey wastewater: Characterization and treatment. Science of The Total Environment, v. 445–446, p. 385–396, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1016/J.SCITOTENV.2012.12.038.
DULLIUS, Anja; GOETTERT, Márcia Inês; DE SOUZA, Claucia Fernanda Volken. Whey protein hydrolysates as a source of bioactive peptides for functional foods – Biotechnological facilitation of industrial scale-up. Journal of Functional Foods, v. 42, p. 58–74, 2018. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1756464617307971.
FITZGERALD, Richard J. et al. Application of in silico approaches for the generation of milk protein-derived bioactive peptides. Journal of Functional Foods, v. 64, p. 103636, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jff.2019.103636
GUIMARÃES, Pedro M.R.; TEIXEIRA, José A.; DOMINGUES, Lucília. Fermentation of lactose to bio-ethanol by yeasts as part of integrated solutions for the valorisation of cheese whey. Biotechnology Advances, v. 28, n. 3, p. 375–384, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1016/J.BIOTECHADV.2010.02.002.
GUPTA, Charu et al. Whey proteins: A novel source of bioceuticals. Middle East Journal of Scientific Research, v. 12, n. 3, p. 365–375, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.5829/idosi.mejsr.2012.12.3.64227
KASMI, Mariam. Biological Processes as Promoting Way for Both Treatment and Valorization of Dairy Industry Effluents. Waste and Biomass Valorization, v. 9, n. 2, p. 195–209, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s12649-016-9795-7.
KELLY, Phil. Whey Protein Ingredient Applications. In: DEETH, Hilton C.; BANSAL, Nidhi (org.). Whey Proteins. Academic Press, 2019. p. 335–375. Disponível em: https://doi.org/10.1016/b978-0-12-812124-5.00010-2.
MANN, Bimlesh et al. Bioactive Peptides from Whey Proteins. In: DEETH, Hilton C.; BANSAL, Nidhi (org.). Whey Proteins: from Milk to Medicine. London: Elsevier Inc., 2019. p. 519–547. Disponível em: https://doi.org/10.1016/b978-0-12-812124-5.00015-1
NONGONIERMA, A. B.; O’KEEFFE, M. B.; FITZGERALD, R. J. Milk Protein Hydrolysates and Bioactive Peptides. In: MCSWEENEY, P.; O’MAHONY, J. (org.). Advanced Dairy Chemistry. 4th. ed. New York: Springer, 2016. p. 417–482. Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-1-4939-2800-2
RAMA, Gabriela Rabaioli et al. Potential applications of dairy whey for the production of lactic acid bacteria cultures. International Dairy Journal, v. 98, p. 25–37, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2019.06.012
SMITHERS, Geoffrey W. Whey-ing up the options – Yesterday, today and tomorrow. International Dairy Journal, v. 48, p. 2–14, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1016/J.IDAIRYJ.2015.01.011.
*Fonte da foto do artigo: Freepik