A qualidade e a segurança alimentar são preocupações constantes para as autoridades e profissionais da área de alimentos. O leite, assim como a maioria dos produtos alimentícios, é susceptível a diferentes contaminações. Considerando as práticas de produção associadas à cadeia leiteira, alguns desses contaminantes são mais expressivos (King et al., 2017). Entre esses, se destacam os antibióticos, um dos principais contaminantes presentes no leite. O uso abusivo de antibióticos, em longo prazo, constitui a base do desenvolvimento da resistência microbiana a esses compostos (Marshall et al., 2011; Mund et al., 2017).
Outro problema recente é a contaminação do leite com íons de metais pesados tóxicos, tais como o cádmio. A cadeia alimentar é a principal fonte desse metal no leite, quando plantas cultivadas em solo contaminado são utilizadas na alimentação do gado (Anastasio et al., 2006; Kumar et al., 2017). Além dessas substâncias, o leite também pode estar contaminado com traços de pesticidas, entre esses, os organofosforados são os mais comumente encontrados. As vacas podem absorver estes compostos por diferentes vias, como inalação, ingestão e absorção dérmica, secretando, consequentemente, leite contaminado (Gazzotti et al., 2009; Mishra et al., 2010).
Neste contexto, há necessidade do desenvolvimento de métodos confiáveis e sensíveis para uma precisa identificação e quantificação destes contaminantes em leite e derivados. Para atender esta demanda, uma ferramenta biotecnológica vem ganhando destaque em diversos estudos científicos, os biossensores. Sensor químico é um dispositivo que transforma informações químicas, que variam de acordo com a concentração de um componente específico da amostra, em um sinal identificável. Enquanto que, os biossensores são sensores químicos em que o sistema de reconhecimento é baseado num mecanismo bioquímico, por meio de um gene, uma proteína ou até mesmo uma célula.
Estudos têm sido desenvolvidos visando estabelecer biossensores eficientes e sensíveis para a quantificação de diferentes contaminantes em leite e derivados. Por exemplo, um biossensor colorimétrico para detecção do antibiótico tetraciclina baseado na utilização de nanopartículas magnéticas (NPM) foi relatado por Wang et al. (2016), os quais verificaram que as moléculas da tetraciclina têm uma forte tendência a se ligarem com os íons ferro presentes na superfície das NPM.
A complexação da tetraciclina com as NPM causa a oxidação do composto 3,3′,5,5′-tetrametilbenzidina, resultando numa mudança de cor que possibilita a detecção das moléculas de tetraciclina. Por outro lado, Kumar et al. (2017) para detecção de íons cádmio em amostras de leite desenvolveram um biossensor recombinante altamente específico, cujo princípio de funcionamento baseia-se na expressão de um gene específico, o green fluorescent protein, na presença de cádmio. Dessa forma, observa-se um aumento da emissão de fluorescência quando essas células recombinantes são adicionadas em amostras de leite contendo esse metal.
Para a identificação dos pesticidas organofosforados um biossensor foi desenvolvido por Mishra et al. (2012), baseado na enzima acetilcolinesterase imobilizada em um eletrodo de carbono. A avaliação da presença do pesticida se dá pela sua elevada afinidade de ligação a acetilcolinesterase, fato que leva à redução da atividade desta enzima. Dessa forma, por meio de uma reação colorimétrica, a formação de cor devido à atividade da enzima acetilcolinesterase é reduzida na presença dos pesticidas organofosforados.
Assim, a fim de evitar que alimentos contaminados cheguem às prateleiras dos supermercados, métodos rápidos, eficientes e de baixo custo, baseados em biossensores, para a identificação e quantificação destes contaminantes devem ser desenvolvidos. Embora os biossensores citados encontram-se ainda na etapa de estudo científico, eles possuem potencial para otimização e subsequente implementação no setor industrial alimentício de lácteos.
Referências bibliográficas
Anastasio, A., Caggiano, R., Macchiato, M., Paolo, C., Ragosta, M., Paino, S., & Cortesi, M. L. (2006). Heavy metal concentrations in dairy products from sheep milk collected in two regions of southern Italy. Acta Veterinaria Scandinavica, 47(1), 69.
Gazzotti, T., Sticca, P., Zironi, E., Lugoboni, B., Serraino, A., & Pagliuca, G. (2009). Determination of 15 organophosphorus pesticides in Italian raw milk. Bulletin of Environmental Contamination and Toxicology, 82(2), 251-254.
King, T., Cole, M., Farber, J. M., Eisenbrand, G., Zabaras, D., Fox, E. M., & Hill, J. P. (2017). Food safety for food security: Relationship between global megatrends and developments in food safety. Trends in Food Science & Technology, 68, 160-175.
Kumar, S., Verma, N., & Singh, A. K. (2017). Development of cadmium specific recombinant biosensor and its application in milk samples. Sensors and Actuators B: Chemical, 240, 248-254.
Marshall, B. M., & Levy, S. B. (2011). Food animals and antimicrobials: impacts on human health. Clinical Microbiology Reviews, 24(4), 718-733.
Mishra, R. K., Deshpande, K., & Bhand, S. (2010). A high-throughput enzyme assay for organophosphate residues in milk. Sensors, 10(12), 11274-11286.
Mishra, R. K., Dominguez, R. B., Bhand, S., Muñoz, R., & Marty, J. L. (2012). A novel automated flow-based biosensor for the determination of organophosphate pesticides in milk. Biosensors and Bioelectronics, 32(1), 56-61.
Mund, M. D., Khan, U. H., Tahir, U., Mustafa, B. E., & Fayyaz, A. (2017). Antimicrobial drug residues in poultry products and implications on public health: A review. International Journal of Food Properties, 20(7), 1433-1446.
Wang, Y., Sun, Y., Dai, H., Ni, P., Jiang, S., Lu, W., & Li, Z. (2016). A colorimetric biosensor using Fe3O4 nanoparticles for highly sensitive and selective detection of tetracyclines. Sensors and Actuators B: Chemical, 236, 621-626.