Um dos entraves para tornar a atividade leiteira economicamente viável está na eficiência em produzir fêmeas de reposição na mesma proporção da taxa de descarte das matrizes produtoras de leite. Os sistemas de produção de leite têm como característica recorrente na criação de fêmeas de reposição problemas na colostragem dos animais, resultando em altas taxas de mortalidade e baixas taxas de crescimento. Muito embora estes fatores sejam normalmente abordados de forma independente por técnicos e produtores, estão intimamente relacionados. A falha na transmissão de imunidade passiva ao neonato representa um dos grandes motivos de mortalidade e morbidade de bezerras nas primeiras horas de vida.
A placenta dos ruminantes apresenta cinco membranas entre a circulação materna e a fetal, característica que permite o isolamento do feto de possíveis microorganismos patógenos, mas impede também a passagem de imunoglobulinas, leucócitos, fatores de crescimento, fatores antimicrobianos não específicos e nutrientes. Desta maneira, estes recém-nascidos são dependentes da transmissão de anticorpos para sobreviverem imediatamente após o nascimento. Além de conferir imunidade aos recém-nascidos, o colostro materno tem outra grande função que é a de fornecer energia via fontes de gordura e lactose para manter a temperatura corporal.
As concentrações de imunoglobulinas G (IgG) e conteúdo energético do colostro materno podem sofrer variações em função da presença de bactérias neste alimento. Uma vez presente no colostro, as bactérias podem tornar indisponível a absorção da IgG pelo lúmen intestinal dos bezerros, causando uma redução na eficiência de absorção de IgG. Além disso, bactérias podem utilizar a gordura, a lactose e até mesmo proteínas para o próprio crescimento, levando consequentemente a uma redução na concentração destes nutrientes no colostro materno. A recomendação de técnicos e indústria é para não fornecer para recém-nascidos colostro materno que contenha menos de 50 mg de IgG/mL e mais de 100.000 unidades formadoras de colônia (UFC)/mL.
Na intenção de conhecer um pouco mais sobre a qualidade e composição do colostro de propriedades leiteiras nos Estados Unidos, Morrill et al. (2012) fizeram um levantando em 827 amostras de colostro, proveniente de 67 fazendas leiteiras. Estas amostras foram classificadas quanto ao tipo de armazenamento (Fresco, Refrigerado e Congelado), raça da matriz (Holandês, Jersey, Mestiço), número de lactação (1; 2; 3 e +4) e por região (Nordeste, Sudeste, Centro-oeste e Sudoeste).
Do total de 827 amostras, 734 eram de vacas individuais e 93 foram resultado de um pool de colostro. Com relação a raças, 494 eram de vaca holandesa, 87 de Jersey, 7 mestiça e de 239 a raça não foi identificada. No que diz respeito ao número de lactação, 49 eram de primeira, 174 de segunda e 128 era de terceira ou mais lactação, enquanto que 476 não foram reportadas o número da lactação. Na Tabela 1, está apresentada a composição média de IgG, nutrientes e contaminação bacteriana de todas as amostras de colostro utilizado na alimentação de bezerras, durante o período de junho a outubro de 2010.
Tabela 1 - Média das amostras de colostro para IgG, nutrientes e contaminação bacteriana
A concentração média de IgG (68,8 mg/mL) foi maior do que a encontrada por outros levantamentos Muitos fatores podem afetar a composição do colostro materno como: volume de colostro produzido, número de partos, duração do período seco, vacinação e outros. A literatura recomenda descartar o colostro materno com menos de 50 mg/mL de IgG. Neste estudo, 29,4 % das amostras de colostro analisadas apresentava menos de 50 mg/mL, ou seja, quase 30% dos bezerros, nas regiões estudadas, apresentam risco de terem falha no processo de transferência de imunidade passiva.
De todas as amostras analisadas somente 409 (54,8%) atendiam a recomendação em relação à CBT. Quando se avaliou as duas exigências da indústria, concentração de IgG e contagem bacteriana, apenas 39,4% das amostras estavam em conformidade. Um total de 31,2% das amostras estava de acordo com a recomendação apenas para IgG mas não para CBT e 15,4% atendiam as exigências apenas para CBT e não para IgG, sendo que 14,0% não atenderam a nenhuma das exigências.
Amostras originadas do centro-oeste tiveram a maior concentração de IgG bem como, porcentagem de gordura, entre as 4 regiões de estudo (Tabela 2). Já o conteúdo proteico foi maior no nordeste e centro-oeste, e a concentração de lactose foi menor no sudeste. No quesito contagem de células somáticas (CCS), não houve diferença entre as regiões estudadas, já a contagem de coliformes foi maior no sudoeste, enquanto que a contagem bacteriana foi maior no sudeste. Essa maior contagem bacteriana no sudeste pode ser devido ao clima, quente e úmido, o que favorece o crescimento de bactérias.
Tabela 2 - Média das amostras de colostro para IgG, nutrientes e contaminação bacteriana, por região
Similar porcentagem de amostras que atenderam as recomendações da indústria foi encontrada nas regiões nordeste, centro-oeste e sudeste (45,3; 53,7 e 43,2% respectivamente). Enquanto que somente, 14,9% das amostras do sudoeste estavam dentro das conformações estabelecidas.
Armazenagem - Amostras de colostro materno armazenadas em refrigerador antes da coleta tiveram maior teor de proteína, sólidos totais, CBT e coliformes comparado com amostra fresca e congelada. Amostras frescas tiveram menor concentração de proteína e CBT e maior teor de lactose. Não houve diferença entre os métodos de armazenagem e a concentração de gordura e IgG. Colostro congelado ou fresco tiveram a porcentagem de amostras com CBT abaixo de 100.000 UCF/mL semelhantes (61,2 e 67,0% respectivamente), entretanto somente 23,0% das amostras refrigerada ficaram abaixo deste valor. Cerca de 38% das amostras refrigeradas apresentaram a CBT acima de 1 milhão, enquanto que nas amostras fresca e congeladas este valor de 12,1 e 11,2%, respectivamente.
Raça - Amostras de colostro originadas de vaca holadensa tiveram maior CCS, contagem de coliformes e CBT comparado com amostras de Jersey. Não houve diferença dos demais nutrientes entre as raças e a concentração de IgG foi similar.
Número de parto - A concentração de IgG aumentou com o aumento no número de partos e a CCS reduziu. Tem sido sugerido que o aumento da concentração de IgG é devido a um aumento da exposição a patógenos e incidência de doenças. Além disso, a produção de colostro é baixa na primeira lactação em função da glândula mamária ainda não estar completamente desenvolvida, o que reduz a capacidade de transportar IgG da corrente sanguínea para o colostro. O conteúdo de gordura e lactose foram maiores em amostras de vacas em terceira lactação, não havendo diferença no teor de proteína. Os coliformes e a CBT foram maiores em amostras de segunda lactação.
Pool de amostras - Amostras coletadas de vacas individuais tiveram uma maior concentração de IgG, proteína e sólidos totais comparadas com amostras originadas de um pool. Contrariamente, a contagem de Coliformes, CBT e CCS foram maiores em amostras originadas de um pool. Possivelmente, essa maior concentração de IgG em amostras individuais é devido a não diluição da amostra em colostros de menor qualidade.
Nos Estados Unidos 19,2% dos bezerros têm falha na transferência de imunidade passiva (NAHMS, 2007), mas o adequado fornecimento de colostro materno pode reduzir este valor. Embora uma grande quantidade de amostras analisadas esteja em conformidade para IgG (70,6%) ou com contagem bacteriana abaixo de 100.000 UFC/mL (54,8%), apenas 39,4% das amostras atendem ambas recomendações
Os autores concluem que o método de armazenamento de colostro tem efeito significativo na contaminação por bactérias. Baseados nestes dados os autores sugerem que o colostro deva ser fornecido fresco ou congelado imediatamente após sua coleta, não sendo recomendado o armazenamento em refrigerador. Embora parte do colostro avaliado tenha atendido de forma adequada as exigências em termos de concentração de IgG, boa parte apresenta problemas quanto a contaminação microbiológica.
Comentários
O levantamento mostra que a maior parte dos sistemas de produção de leite ainda tem problemas no que se refere a qualidade do colostro fornecido a recém-nascidos. Embora a recomendação técnica seja sempre baseada na concentração de IgG como referência para classificação de colostro de boa, média ou baixa qualidade; a composição nutricional e sua contaminação microbiológica são aspectos também importantes para sua avaliação. Assim, fica claro que devemos avaliar o colostro de forma a atender requisitos diversos que beneficiam o processo de transferência de imunidade passiva e, consequentemente, o bezerro recém-nascido.
Em condições brasileiras, qual a porcentagem de bezerras leiteira que passaram por falha na transferência de imunidade passiva? Quanto do colostro materno tem uma concentração de IgG acima de 50mg/mL? E com relação a contaminação bacteriana, qual o índice de CBT do colostro que estamos fornecendo as nossas bezerras? Essas são algumas questões que devemos ter a resposta para melhorarmos os índices de produtividade na criação de bezerras.
Referência
K. M. Morrill , E. Conrad , A. Lago , J. Campbell , J. Quigley , H. Tyler .Nationwide evaluation of quality and composition of colostrum on dairy farms in the United States Journal of Dairy Science, 95 :3997-4005, 2012.