O período de vida das bezerras de raças leiteiras que compreende o nascimento até o desaleitamento é bastante delicado. Nesta fase as bezerras são constantemente desafiadas pelo ambiente, enquanto seu organismo ainda depende de defesas adquiridas através do consumo de colostro, o qual nem sempre é adequado.
Uma pesquisa nacional realizada nos EUA em 2003 pelo National Animal Health Monitoring System (NAHMS, 2003), concluiu que a taxa média de mortalidade de bezerras até o desaleitamento foi de 10,8% em fazendas leiteiras naquele ano. Deste total, 60,5% foram devidas a diarréias intensas ou outros problemas digestivos; 24,5% foram causadas por problemas respiratórios e os demais 15% por outros motivos diversos.
Por isso, um bom ambiente para criação de bezerras deve prover aos animais o mínimo de conforto térmico e físico, além de priorizar boas condições de higiene e sanidade.
No mundo todo existem variadas formas de criação de bezerras em aleitamento - criação em abrigos individuais, baias coletivas ou individuais, construções fechadas ou abertas - variando de acordo com o local da exploração, o sistema de produção e, principalmente, o custo para sua construção.
Dentre estes sistemas de criação utilizados, o uso de abrigos individuais tem se tornado uma das mais eficazes práticas de manejo e melhoria na sanidade dos animais durante a fase de aleitamento. Este tipo de abrigo é largamente utilizado no mundo todo, sendo uma das mais populares opções de alojamento de bezerras, embora possa apresentar variações quanto ao seu formato, material e forma de construção.
De acordo com os dados publicados pelo National Animal Health Monitoring System (NAHMS, 2003), nas propriedades leiteiras nos Estados Unidos o tipo de instalação para bezerras predominante era o tipo abrigo individual, seguido pela criação em baias fechadas, conforme mostra a Figura 1.
Figura 1. Exemplos de abrigos utilizados em sistemas de criação de bezerras em aleitamento nos Estados Unidos.
Entretanto, no Brasil, devido ao clima (temperatura e umidade), estes tipos de abrigos precisam ser adaptados para as nossas condições. Para as condições de clima subtropicais e tropicais, encontradas no Brasil, os efeitos de temperatura e umidade do ar são, muitas vezes, limitantes ao desenvolvimento dos animais, em razão do estresse a eles associado. Os efeitos do estresse por frio ou calor afetam os animais jovens com maior intensidade que animais adultos. Portanto, o conhecimento das condições básicas para proporcionar o melhor conforto aos animais afeta diretamente a maximização do desempenho, principalmente no período de aleitamento.
Quando se pensa em um abrigo para melhor alojar bezerras, existem quatro requisitos fundamentais que devem ser considerados:
1) Ventilação
2) Isolamento
3) Conforto
4) Economia
O uso de um sistema com adequada ventilação é fundamental para a redução de problemas com a transmissão de agentes patogênicos, eliminação de odores, além da melhoria na umidade do local, principal responsável pela ocorrência de problemas respiratórios nesta fase de vida do animal. Como o sistema de criação adotado no Brasil geralmente abriga os animais em campo aberto, a preocupação com a remoção de gases e com o uso de equipamentos de ventilação torna-se desnecessária. Entretanto, a umidade das instalações, principalmente dos arredores, muitas vezes é negligenciada nas fazendas. Assim, boa ventilação e insolação são importantes recomendações para instalações de bezerras de forma a propiciar conforto aos animais.
Outro ponto importante é que a instalação deve também promover o isolamento físico dos animais. Isolamento físico não significa que os animais não possam estar próximos uns dos outros, porém é importante que não exista contato entre estes, reduzindo assim algum risco de infecção cruzada e a disseminação de doenças. Como a transmissão dos principais patógenos que causam doenças em bezerros é do tipo oral-fecal, seja através do contato entre animais ou uso de utensílios (baldes, cochos) como limpeza inadequada, o isolamento entre os animais é considerado um dos princípios fundamentais de um bom sistema de criação.
Trabalhos como de Quigley et al. (1994) mostraram que animais em aleitamento criados em abrigos individuais apresentaram menor incidência de diarréias e microrganismos dos gêneros Cryptosporidium, Eimeria e rotavírus nas fezes, quando comparados com animais alojados em baias fechadas coletivas. Além disso, outros trabalhos também relatam que animais criados individualmente apresentam maior docilidade, facilitando o manejo durante a fase de novilha e adulta.
Quando se pensa em conforto para bezerros, deve-se considerar as mínimas condições de higiene e sanidade, o que muitas vezes não representa grandes e modernas instalações e investimentos. Conforto significa acesso à água e alimentos de qualidade, ambiente seco, e controle de extremos de temperatura. As bezerras são capazes de tolerar baixas temperaturas se estão secas e têm uma boa cama ou terreno. Também, embora em muitos lugares do Brasil as temperaturas durante o inverno possam apresentar mínimas bastante baixas, estas temperaturas na maioria das vezes não representam problemas para os animais.
O conforto térmico pode ser quantificado com base no conhecimento da zona de termo-neutralidade, que para bezerros encontra-se entre 10º e 30ºC (Stull, 1997). O oferecimento destas condições ideais de ambiente aos animais favorece o seu máximo desempenho e proporciona o mínimo de estresse para os animais. Quando as condições de temperatura apresentam-se abaixo do limite inferior de 10ºC, o desempenho animal passa a ser alterado, pois o foco passa a ser a produção de calor e manutenção da temperatura corporal, resultando em baixa eficiência alimentar. Por outro lado, quando as condições de temperatura apresentam-se acima do limite superior, geralmente observa-se redução no consumo de alimentos, refletindo diretamente no desempenho dos animais (Stull, 1997). Outros fatores ambientais como umidade, intensidade do vento, e principalmente umidade devido à chuva ou lama, podem afetar diretamente o desenvolvimento dos animais, além de afetar a temperatura crítica superior e inferior do ambiente.
Atualmente, no Brasil, o modelo de alojamento mais difundido é o de abrigos individuais (Figura 2). As casinhas vêm ganhando mais popularidade por seu custo inferior à construção de barracões, mas principalmente por serem bastante eficazes no controle de doenças, especialmente as respiratórias e diarréias. Quando bem manejadas, permitem o atendimento aos princípios básicos de um adequado sistema de criação de animais em aleitamento. O ambiente seco é obtido através do posicionamento das casinhas em campo bem drenado, adequadamente coberto com forragem ou cama, sendo o sol um grande auxiliador no controle da umidade; além disso, a movimentação regular das casinhas não permite a formação de barro ou acúmulo de umidade.
Figura 2. Exemplos de abrigos individuais (casinhas) mais comuns utilizados no Brasil
Em algumas regiões também devem ser evitados locais que permitam correntes de ar naturais, o que pode ser conseguido, por exemplo, através de cercas vivas, funcionando como quebra vento. O isolamento é obtido através da separação das casinhas a distâncias que impeçam o contato de um bezerro com seu vizinho, reduzindo a disseminação de doenças contagiosas.
Este tipo de sistema é de fácil construção, totalmente aberta, para uso em ambientes tropicais. Também é leve, o que permite mudanças freqüentes. O telhado geralmente é feito de duas folhas de zinco espaçadas que funcionam como isolante térmico, diminuindo a incidência de calor. Neste tipo de alojamento a contenção das bezerras é feita através de coleiras fixadas ao chão por grampos. Isto permite a movimentação da bezerra ao redor da casinha, acompanhando a projeção da sombra da mesma de acordo com a movimentação do sol e de sua necessidade por calor.
Dessa forma, a utilização de casinhas ou abrigos individuais para criação de bezerras em aleitamento é uma importante alternativa para os bezerreiros tradicionais, pois além dos animais apresentarem menores problemas sanitários, aspectos importantes em relação ao conforto térmico podem ser conseguidos, otimizando o desempenho dos animais durante esta fase de produção.
Literatura consultada
NATIONAL ANIMAL HEALTH MONITORING SYSTEM. Changes in the United States dairy industry, 1991-2002. Fort Collins: USDA, 2003. 56p.
QUIGLEY, J.D. et al. Effects of housing and colostrum feeding on the prevalence of selected infectious organisms in feces of Jersey calves. Journal of Dairy Science, v.77, p.3124-3131, 1994.
STULL, C.L. Stress and dairy calves. Veterinary Medicine Extension, University of California, Davis, 1997, 5 p.