Como destacado em diversos outros Radares Técnicos, as bezerras e novilhas de um rebanho compõem a base do futuro rebanho em produção. No entanto, é esta base que ainda nos dias de hoje sofre com problemas sanitários, como disfunções digestivas (principalmente diarréia), o que corresponde a 62% da mortalidade pré-desaleitamento (NAHMS, 2002). É esperado que bezerras recém-nascidas tenham consumo suficiente de anticorpos (IgG) para alcançar transferência de imunidade passiva adequada. O colostro deve ser a primeiro alimento do neonato, devendo ser fornecido em quantidade, qualidade e tempo correto. No entanto, 30% das fazendas leiteiras americanas ainda não realizam esta tarefa de forma adequada, resultando em 40% das bezerras com falha na transferência passiva (FTP) (NAHMS, 2002).
O concentrado, como e por que devemos fornecê-lo, é outro termo técnico listado na lista dos 5 Cs. Seja discutindo práticas para crescimento acelerado ou para desenvolvimento ruminal, como e o que fornecemos de alimento para os bezerros implica no sucesso do crescimento, desaleitamento, período de transição, prenhez e até na produção de leite futura. Os últimos 3 Cs, conforto, cuidado com limpeza e consistência, não são conceitos de natureza técnica. Se um bezerro é alojado em local úmido, sujo, com ventilação inadequada e submetido a práticas de alimentação inconsistentes, não se pode esperar bom desempenho e saúde animal.
Vamos tratar mais especificamente da cada um dos 5 Cs que compõem a lista para o sucesso na criação de bezerras.
Colostro
O fornecimento de quantidades suficientes de colostro de boa qualidade para bezerros recém-nascidos em horário adequado tem sido tópico de discussão e estudo há vários anos. Entretanto, ainda é possível observar em campo altos níveis de falha na transferência passiva. Por quê? Será que os bezerros não estão consumindo quantidade suficiente? Ou será que a qualidade é inadequada? Ou ainda, será que se deve ao atraso no horário de fornecimento? A resposta provável é que um ou uma combinação destes fatores seja o responsável pelos altos índices de falhas na transferência passiva. Fornecer colostro é como montar um quebra-cabeça: se não forem utilizadas todas as peças, o quebra-cabeça fica incompleto. Sem consumir colostro o bezerro fica com maior risco de morbidade, mortalidade e desempenho abaixo da média.
O fornecimento deve ser feito em quantidades que garantam a transferência passiva e isso significa 5% do peso vivo do bezerro a cada refeição. Muitos estudos têm mostrado benefícios do fornecimento de maiores quantidades de colostro (4L na primeira refeição), com redução nos problemas de saúde dos bezerros, menores custos com medicamentos e veterinário além de melhor desempenho.
Tabela 1. Bezerros alimentados com 2 ou 4 litros de colostro (Faber et al., 2005).
O que dizer sobre a qualidade? A qualidade do colostro tem relação inversa a quantidade, ou seja, quanto pior sua qualidade, maior deve o volume fornecido. Este conceito responde em parte por que o fornecimento de maior quantidade traz benefícios. O objetivo da transferência de imunidade passiva é que o bezerro apresente concentrações sanguíneas de 10g IgG/L. Entretanto, os bezerros não são muito eficientes na absorção de IgG e, para piorar, sua capacidade diminui com o passar do tempo após o nascimento.
A eficiência de absorção tem sua máxima imediatamente após o nascimento e cai rapidamente até zero por volta de 24h após o nascimento. Pesquisas mostram que esta eficiência varia grandemente sendo reportados dados na faixa de 35-50% no nascimento. Também deve se considerar que a concentração de IgG pode ser de 50g ou 75g de IgG/L de colostro para uma vaca da raça Holandês ou Jersey, respectivamente. Outro ponto importante é que o plasma representa aproximadamente 9% do peso vivo do bezerro. Segue um exemplo para um bezerro de 41 kg:
Bezerro de 41 kg x 9% = 3,7 L de volume plasmático
3,7 L x 10 g/L (objetivo de transferência passiva) = 37 g de IgG precisam ser absorvidos
Assuma qualidade de 50 g IgG /L de colostro x 2 L = 100 g de IgG (será fornecido)
100g IgG x 50% eficiência de absorção = 50 g absorvidos = Adequada Transferência Passiva
Se a qualidade fosse de somente 25 g/L:
25 g/L x 2 L = 50 g x 50% = 25 g absorvidos = Falha na Transferência Passiva
Assim, a quantidade a ser fornecida varia com a qualidade do colostro, de forma que quanto menor sua concentração de anticorpos (IgG) maior deverá ser o volume fornecido para adequada transferência de imunidade passiva.
Além do fornecimento de colostro, outras práticas de manejo têm sua oportunidade no primeiro dia de vida do bezerro. A baia ou o piquete maternidade é uma delas. Quando o bezerro nasce em um piquete maternidade, é apresentado a uma variedade de patógenos provenientes da mãe e de outras vacas. É pouco provável que os sistemas de produção de leite no Brasil tenham baias maternidade individuais, as quais são limpas entre um animal e outro. Ainda, se o piquete maternidade não é limpo com freqüência, no caso de pisos concretados ou formação de barro, o recém-nascido tem grande chance de consumir esterco antes de colostro logo após o nascimento.
Após aproximadamente uma hora do nascimento, o bezerro tenta se levantar. Este processo normalmente leva algumas tentativas e, a cada queda antes do sucesso de se manter em pé, o bezerro cai com o focinho no piso, aumentando a chance de consumir esterco. Assim, remover o bezerro do piquete maternidade logo após o nascimento é o ideal.
Uma outra porta de entrada para patógenos do ambiente é o umbigo. Se esta estrutura não for curada adequadamente os bezerros estarão em risco de desenvolver tanto onfalites quanto onfaloflebites, podendo resultar em septicemia. Fazer uma imersão com iodo 5-7% é melhor que utilizar spray desta solução, pois garante adequado contacto do umbigo com a solução. O descarte da solução utilizada para a imersão deve ser feito uma vez que conterá partículas e resíduo de sangue e tecido animal.
Concentrado
Existe uma grande variedade de possibilidades de dieta líquida e sólida para o fornecimento aos bezerros. A escolha de programas para crescimento acelerado ou tradicional, o fornecimento de concentrado extrusado, peletizado ou mesmo farelado, o momento para a inclusão de forragens na dieta sólida destes animais devem ser feita com base técnica de um nutricionista. O concentrado deve ser fornecido logo na primeira semana de vida do animal e seu consumo deve ser visto como o objetivo principal durante a fase de aleitamento.
O fornecimento de água de boa qualidade é crucial, não somente para manutenção da hidratação do animal como também para auxiliar no desenvolvimento ruminal. Trabalhos de pesquisa também já comprovaram que o fornecimento de água a vontade estimula o consumo de concentrado, reduz a incidência de diarréia e consequentemente melhora o desempenho de bezerros. Independentemente da dieta líquida fornecida, a goteira esofágica é responsável por levá-la diretamente ao abomaso, sem entrar no rúmen.
O funcionamento desta dobra depende de estimulo nervoso e este reflexo condicionado, que ocorre seja com o fornecimento em balde ou mamadeira, se perde com a idade do animal. Embora não exista um tempo exato, recomenda-se o fornecimento de água somente 15 a 20 minutos após o fornecimento do leite de forma que a goteira relaxe.
O desenvolvimento do rúmen é estimulado pela presença de ácidos graxos voláteis produzidos no rúmen como resultado da fermentação de carboidratos e proteína presentes na dieta sólida. Os ácidos butírico e propiônico são os principais estímulos para o crescimento de papilas, sendo os alimentos concentrados as principais fontes destes ácidos enquanto o feno contribui para a expansão e desenvolvimento muscular. Sendo assim, o fornecimento de feno deve ser feito somente após o desaleitamento.
Os bezerros devem ser desaleitados quando apresentarem consumo de concentrado adequado durante pelo menos 3 dias consecutivos, sendo o consumo fixado em uma quantidade de acordo com o porte do animal (700-800g/d para Holandês e 450-500g/d para Jersey) ou em 1,5 % do peso ao nascer do bezerro. Assim, o desaleitamento não deve ser imposto pela idade do animal ou por restrição de instalações. É importante evitar múltiplas fontes de estresse ao bezerro no desaleitamento e processo de transição como descorna, vacinação, vermifugação, remoção de tetas extras, mudança de concentrado, assim como realocação de bezerros em piquetes coletivos.
O piquete para animais recém desaleitados podem com certa freqüência transformar ou não o programa de aleitamento em um programa bem sucedido. Este é o período de grande ocorrência de problemas como doenças respiratórias e coccidiose, os quais estão normalmente associados com alta densidade animal. Tenha em mente que bezerros são animais que gostam de rotina e sendo assim gostam de consistência e precisam de tempo para se adaptar a novas realidades.
Assim, é ideal que número de bezerros por piquete seja entre 6 e 8, que este piquete não tenha canzil, a não ser que os bezerros tenham sido previamente treinados, e que tanto cochos quanto bebedouros tenham dimensões para adequado acesso aos bezerros.
Conforto, Cuidado com limpeza e Consistência
Como dito anteriormente, o conforto começa no primeiro dia de vida do bezerro e continua durante toda a vida do animal. Bezerros mantidos em local seco, com abrigo adequado, boa ventilação (essencial em bezerreiros fechados), que recebe bom programa nutricional não só irá desempenhar melhor como também deverá trazer maior retorno econômico para o produtor durante suas lactações.
Além de esterco, o sangue e o resíduo de leite são ótimos meios para crescimento de bactérias. Assim, é fundamental a limpeza de utensílios utilizados para a alimentação de bezerros. Baldes utilizados para o aleitamento devem ser lavados com água e sabão neutro, não devendo ser empilhados antes que estejam completamente secos. Cochos com resíduos de esterco ou com concentrado úmido também devem ser higienizados da melhor forma possível.
Como mencionado anteriormente, bezerros são animais que gostam de consistência. Mudanças bruscas, seja no manejo alimentar ou até mesmo no manejo da mão-de-obra, podem ser estressantes para estes animais. Minimizar o estresse em bezerros não somente beneficia os mesmos, mas também os produtores uma vez que os animais apresentarão melhor desempenho e menor atenção individual e gastos com sanidade.
Referências
Faber, S.N., N.E. Faber, T.C. McCauley, and R.L. Ax. Effects of colostrum ingestion on lactational performance. The Professional Animal Scientist. 21:420-425, 2005.
Fox, L.S. The 5 C's of Calf Raising. In: Proceedings of Tri-State Dairy Nutrition Conference, 2007.
GREENWOOD, R.H.; MORRIL, J.L.; TITGEMEYER, E.E. Using dry matter intake as a percentage of initial body weight as a weaning criterion. Journal of Dairy Science, v.79, p. 2542-2546, 1997.
NUSSIO, C.M.B.; RODRIGUES, A.A.; SANTOS, F.A.P.; MINOHARA, R.A. Avaliação de critérios para desaleitamento de bezerras leiteiras. Anais da Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, 40, Santa Maria, 2003.